Estou em Viçosa sozinho, vendo salas sem voz e cadeiras e sofás vazios do Casarão de meus saudosos pais. Mais uma vez, acompanhado das minhas sagradas e inesquecíveis lembranças e da cruel solidão.
Hoje, 17 de novembro, o dia amanheceu nublado e apenas uma levíssima garoa molhava suavemente os telhados, as calçadas e as ruas tirando um pouco a poeira. Apesar de lá fora chover brandamente, as nuvens estavam baixas e carregadas. Lá para as matas do saudoso Dr. Humberto, chegavam a topar na copa das árvores: sintoma de que vem por aí um pé d’água forte e duradouro.
Não sei por que me lembrei de uma das histórias que minha santa mãe, Irene Vilela de Vasconcelos e, também, minha Tia, Irmã Francisca Brandão Vilela, no tempo que bebida não me embriagava, sentavam perto de mim para contar.
Contavam que quando meu bisavô, o Coronel José Aprígio dos Passos Vilela e sua esposa moravam na Boa Sorte, todos os seus filhos e filhas com suas respectivas famílias foram educados para aos domingos chegarem cedo em sua casa, permanecerem fazendo-lhe companhia e ficarem para almoçar.
Nestas reuniões semanais além de outros assuntos, sempre noticiavam os problemas ocorridos na fazenda e no engenho durante a semana. Quando algum dos filhos reclamava do trabalho, minha bisavó, Maria Brandão Vilela, que até então se mantivera calada fazendo tricô parava e, enérgica e educadamente dizia ao reclamante que ele se contivesse, pois aperreio teve seu velho pai – e nunca o viu reclamar – para conseguir, através de muito sacrifício, trabalho duro e honesto o que ele, reclamante, havia recebido de mãos dadas.
Para quem enxerga é muito mais do que uma simples história, senão vejamos: o “serem educados” significa aderir ao Cristianismo; as “reuniões” lembram as do Mestre com seus apóstolos; o “almoço”, a Última Ceia; o “domingo”, o dia da Ressurreição do Senhor; o “filho reclamante”, os que achavam difícil seguir o Galileu; o “silêncio de meu bisavô”, o sofrimento mudo de Jesus durante sua Paixão e, finalmente, a “intervenção de minha bisavó”, o siga o exemplo dele, ou seja, “toma tua cruz e carrega-a calado”.
Em primeiro lugar está a solidariedade à consangüinidade; em segundo, o cumprimento dos ensinamentos recebidos e em terceiro, o respeito a mais cristalina ancestralidade.
Portanto, não mais me amedronta ou incomoda a solidão do presente. Preocupa-me a certeza das lágrimas derramadas devido à desmedida tristeza e amargura de meus antepassados que há muito se foram.
