Quando venceu a eleição para o governo do Distrito Federal (DF), o médico Agnelo dos Santos Queiroz Filho, 52 anos, sabia do desafio que teria que enfrentar: reconstruir a administração de uma cidade que foi alvo de um dos maiores escândalos de corrupção do país, que resultou na prisão do então governador José Roberto Arruda e sua posterior saída do governo.
Além do passivo ético, Agnelo recebeu como herança maldita o Distrito Federal com graves problemas de desigualdade social. A cidade, que para a sua construção recebeu migrantes de todas as partes do país, continua sendo um centro de atração de famílias inteiras que chegam à capital em busca de trabalho. Além disso, Brasília absorve toda uma população de municípios do Entorno que procura na capital atendimento médico emergencial.
Sobre esses problemas e o que pretende fazer para solucioná-los, a Agência Brasil ouviu o governador Agnelo Queiroz.
Agência Brasil – Como a crise política iniciada em 2009 repercutiu no começo de seu governo?
Agnelo Queiroz – Logo que chegamos, encontramos uma situação de total desamparo da cidade, com mato alto, muitas dívidas, e contratos prestes a serem fechados com valores altíssimos e que não resolveriam efetivamente o problema da população. A saúde estava em um estado tão ruim que tivemos que instalar um gabinete de crise, do qual sou chefe, e decretar estado de emergência. Está sendo feito um diagnóstico detalhado sobre cada uma das áreas de governo para verificar as necessidades e as possibilidades, mas é importante que tudo seja feito com planejamento. E eu sempre faço questão de frisar que este é um governo absolutamente responsável e vai agir absolutamente dentro da lei. Por isso, criei a Secretaria de Transparência, para ajudar a recuperar a credibilidade do governo do Distrito Federal [GDF]. O secretário, Carlos Higino, tem a missão de controlar irregularidades, como casos de mau uso do dinheiro público, fraudes e desvios. As áreas de saúde e da tecnologia da informação, conhecidos focos de corrupção no GDF, estão tendo prioridade nas auditorias.
ABr – Quais os maiores problemas que o novo governo encontrou?
Agnelo – Assim que vencemos o segundo turno das eleições, designei dezenas de técnicos para fazer um diagnóstico daquela gestão. As gestões passadas deixaram uma herança maldita. Além do caos administrativo e do sucateamento da máquina pública, identificamos o crescimento desordenado, a falta de planejamento, o sucateamento das unidades de saúde, o descontrole nos gastos públicos, a ausência de recursos para obras em andamento. Ao assumir, o governo do Distrito Federal estava impedido de captar recursos com o governo federal porque a administração anterior havia deixado o nome do GDF sujo perante a União. Éramos a unidade da Federação recordista quanto ao índice de inadimplência com o governo federal. Quarenta e nove convênios estavam sem prestação de contas. Precisei criar uma força-tarefa para limpar o nome do GDF.
ABr – Como estão as obras de infraestrutura para a Copa 2014?
Agnelo – Uma das vantagens das obras em andamento para a Copa do Mundo é que todas serão feitas com recursos públicos. Assim, podemos garantir o cronograma sem depender da oscilação da capacitação de recursos privados. Mas, temos a preocupação de que cada centavo investido se reverta em benefícios sociais e econômicos para a capital federal pós-Copa. Não estamos investindo em elefantes brancos. Para nós, só vale a pena esse esforço se for deixado um legado para Brasília. As obras do Estádio Nacional de Brasília estão em estágio avançado e serão entregues em dezembro de 2012, a tempo da Copa das Confederações. Vamos investir R$ 600 milhões. Outro plano em curso, tanto para atender às exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa) como para promover o desenvolvimento econômico do DF, é o de construir um novo aeroporto, destinado a transporte de cargas. Vamos aproveitar esse grande evento mundial para trazer desenvolvimento para a capital federal. Iremos ampliar os trilhos do metrô, abrir novos corredores com faixas exclusivas e ainda implantar o veículo leve sobre pneus. Além disso, vamos criar novos setores de hotéis, investir em tecnologia para reforçar a ação das polícias, renovar a frota policial e contratar mais agentes.
ABr – O DF é um dos lugares mais desiguais do país. O que pode ser feito para diminuir esse fosso social?
Agnelo – Estamos unificando a base de dados das famílias pobres e extremamente pobres para focarmos na população mais vulnerável e, com isso, direcionar as ações das diversas secretarias e órgãos para a promoção social das famílias, a capacitação profissional, a geração de emprego e de renda. Eu também sempre sustento a questão do Centro-Oeste. Considero fundamental a compreensão de que a nossa inserção não é separada do desenvolvimento do Centro-Oeste. E nós vamos ter que agir articuladamente com os outros estados vizinhos, em uma ação de desenvolvimento integrado em toda a região. Assim, ganhamos todos e evitamos os modelos das grandes metrópoles do Brasil. Temos uma boa oportunidade com a construção de um ramal ferroviário ligando Brasília a Goiânia e, com isso, induzir o desenvolvimento dessa região em torno de uma avenida de possibilidades, uma avenida de desenvolvimento, onde, ao longo da linha de transporte, você pode desenvolver a indústria, a habitação, os equipamentos públicos das áreas fundamentais dessa região.
ABr – Muitas pessoas vieram para Brasília na esperança de ganhar um lote para construir sua moradia. Essa demanda ainda existe? Já está estabelecida uma nova política habitacional para o DF?
Agnelo – Durante muito tempo, a política habitacional do Distrito Federal esteve relacionada à distribuição indiscriminada de terrenos, muitas vezes feita por meios escusos. A falta de seriedade e transparência no direcionamento da Secretaria da Habitação resultou em investigação por parte do Ministério Público e da Polícia Civil na lista das pessoas inscritas na Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF [Codhab]. Determinei que a doação de lotes cedesse espaço ao financiamento de unidades habitacionais com infraestrutura completa aos moldes do programa federal Minha Casa, Minha Vida. Isso servirá para solucionar a problemática enfrentada pelas pessoas beneficiadas com a doação do terreno, ou seja, a falta de recursos para a construção da moradia. A pessoa contemplada poderá financiar o seu imóvel por um preço inferior ao determinado pelo mercado e compatível com a sua renda. O nosso objetivo é zerar o déficit habitacional do DF baseado em uma política habitacional norteada pela legalidade. O critério de maior tempo de permanência em Brasília continua sendo a principal exigência. A análise será mais criteriosa para que possamos inibir a demanda de pessoas que migram para a capital com o objetivo de ganhar um lote. Outro problema sério são as moradias irregulares. São condomínios e até cidades inteiras na ilegalidade. Por isso, estamos, por meio da Sedhab, regularizando as moradias consolidadas na medida em que forem consideradas passíveis de regularização.
ABr – Brasília é polo de atração por causa do atendimento hospitalar. Isso gera problemas de superlotação, falta de profissionais e remédios para todos. Esse problema tem solução definitiva?
Agnelo – Horas depois de tomar posse decretei estado de calamidade pública na saúde do DF, dando início a uma série de ações, como a contratação emergencial de profissionais para suprir as necessidades do Hospital Regional de Santa Maria e a autorização para que médicos e enfermeiros efetivos interessados em trabalhar nas unidades de Pronto-Atendimento [UPAs] possam optar pela jornada de trabalho de 40 horas semanais. Percorri pessoalmente dez hospitais e a Farmácia Central constatando a péssima situação. Isso me fez baixar uma medida de recuperação do setor e já conseguimos inaugurar uma UPA. No fim de fevereiro, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, assegurou que o governo federal ajudará na construção de 14 UPAs e implantará, em parceria com o governo local, programas de saúde, como o de atenção à saúde da mulher, de incentivo à doação de órgãos e um programa específico de pré-natal e pediatria.
ABr – Até 2016, o país terá de universalizar o acesso à pré-escola (4 anos a 5 anos). Também há o entendimento que são necessárias mais creches (até 3 anos). É preciso expandir a rede de ensino?
Agnelo – O resgate da educação, incluindo a educação integral, será o principal meio de transformação social e cultural do DF. Uma das metas é erradicar o analfabetismo em Brasília nos próximos dois anos. Vamos trabalhar com foco na gestão democrática; na educação integral; no aumento do número de creches; na alfabetização de jovens e adultos; na formação e valorização dos profissionais da educação e na desprivatização da máquina pública. No meu governo, toda a criança até 3 anos terá uma vaga numa creche. Até o fim do ano, vamos inaugurar 30 novas unidades, que atenderão a 220 crianças cada, todas em período integral. Vamos garantir condições necessárias para que os alunos permaneçam na escola durante o dia todo, com reestruturação física das unidades de ensino, informatização e qualificação do sistema educacional. A ideia, que deve ser colocada em prática no próximo ano, é acabar com a duplicidade de turno nas escolas e manter o aluno com os professores por oito horas. Neste novo formato, uma escola vai abrigar alunos de nível técnico, ensino médio e até creche. Os alunos vão almoçar, ter aulas de línguas, atividades orientadas, educação física, jantar e depois vão para casa.
ABr – São recorrentes cenas de violência em escolas do DF entre colegas, contra o patrimônio e até contra os professores. Por que isso acontece? Há política pública para evitar isso?
Agnelo – A família, os fatores econômicos, sociais e a escola são fundamentais nesse processo. Isso porque, o estudante precisa participar de atividades diversificadas, ser ouvido e colher os resultados de suas lutas. Iremos trabalhar, por meio da Secretaria de Educação, com a Política de Promoção da Cidadania e da Cultura de Paz, para reduzir a violência nas instituições de ensino, identificar e consolidar ações de prevenção e promover a convivência pacífica entre os membros da comunidade escolar.
ABr – Pela primeira vez na história, o PT ocupa o GDF e o governo federal ao mesmo tempo. Como está esse relacionamento? Como o GDF se posiciona em relação à agenda de erradicação da pobreza?
Agnelo – Termos a presidenta Dilma Rousseff ao nosso lado é a oportunidade de realizarmos uma política social, de tirar pessoas do estado de pobreza, de dar moradia digna, de preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento econômico. Estamos trabalhando em sintonia com o governo federal. Temos muita identidade com os programas. Nosso plano de governo coincide com o da presidenta Dilma, por exemplo, na construção de creches, na qualificação profissional e no saneamento básico. Com certeza, essa afinidade trará mais recursos para o DF e vai acelerar a implementação dos compromissos de campanha.
ABr – Brasília é dependente da União para pagar salários de servidores da segurança, educação e saúde. O dinheiro para isso está garantido?
Agnelo – Assumimos uma situação difícil devido aos benefícios concedidos no apagar das luzes do governo anterior, sem respaldo orçamentário. Estamos ajustando as contas para honrar nossos compromissos. Também utilizamos o Tesouro do DF para pagar parte dos salários. Mas dependemos muito, sim, dos recursos do Fundo Constitucional. Esse recurso está garantido pela área federal.
ABr – Algumas categorias de servidores já fizeram greve. Há como atender a essas demandas?
Agnelo – Existem mesas permanentes de negociação com as categorias de servidores públicos do GDF. O que ocorre é que, às vezes, quando há um governo de esquerda, algumas pessoas acham que podem fazer uma primeira assembleia e já marcar o indicativo de greve. É do nosso interesse promover políticas de resgate dos servidores, nosso governo prima pelo diálogo e a transparência de toda a realidade financeira do GDF. Vamos nos esforçar para repor as perdas salariais e valorizar os servidores. Só que isso será feito de acordo com o interesse público e com as condições financeiras. Fui sindicalista, minha história nasceu no movimento sindical. Por isso, entendo bem o processo de reivindicação e também que radicalizar é a última opção, apenas depois de se esgotar o diálogo.