
Este filme baseado no romance escrito por um professor de literatura francês sobre suas experiências lecionando numa escola no suburbio de Paris, é uma reflexão sobre a educação e, de tão bem feito, parece que se assiste a um documentário. A naturalidade da interpretação dos atores, a câmera na mão, com movimentos precisos e hipnóticos, bem como a simplicidade do cenário (a sala de aula e os ambientes escolares), faz com que o espectador se situe numa zona entre a ficção e o real, o que permite ao filme alcançar um nível de sensibilidade único. Para se ter uma idéia dessa aproximação com o documental, o protagonista-professor é interpretado pelo próprio autor do romance e co-roteirista do filme, os alunos possuem o mesmo nome dos próprios atores e o filme não tem nenhuma música, se baseando apenas nos diálogos.
Mas não se trata de uma escola comum, e aí a questão se torna ainda mais interessante: é uma escola pública, onde os alunos da sétima série são, na maioria, imigrantes. As primeiras impressões são de que o filme retrata o multiculturalismo e os problemas da relação entre imigrantes e a cultura francesa, retrata os problemas entre alunos e professores, ou o embate entre uma cultura jovem, de gírias e modismos, com a cultura acadêmica, a lingua formal ensinada na escola. É muito mais que isso; centrado nas relações entre as pessoas, o filme transforma o olhar sobre a escola, pois é lá onde, olho no olho, as relações humanas acontecem cotidianamente.
A dificuldade do professor em domar uma turma de adolescentes, sua intenção expressa em educar os alunos, enfrentando todo tipo de ameaças, desde desatenção até o desrespeito e a agressão, dignifica o papel do professor. As relações na escola são espelho das relações no mundo: a economia, a cultura de massas, os códigos de etiqueta, bem como as leis e regras sociais são intermediários na relação entre os homens. Se buscarmos o cerne da questão, podemos encontrar algo primitivo, uma política no sentido essencial do termo, das relações de poder, de amizade e inimizade, que existem mesmo entre duas ou mais pessoas. O filme, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2008, trabalha no sentido de desvendar isso.
Após uma primeira impressão de um filme-tese, onde simplesmente os conflitos aparecem de forma documental, a história descamba para uma trama muito sofisticada, onde aparece um dilema moral. Numa confusão em sala, onde o professor teve sua parcela de culpa, um aluno se descontrolou: ele deve ou não ser expulso da escola? Os problemas da rígida educação francesa são discutidos nesse filme diferente e impressionante. Eles são colocados de forma tão elaborada, que ultrapassam fronteiras, servindo para pensar a escola no mundo. Mais do que isso, o filme discute algo absolutamente humano e acerta no alvo, desvenda um pouco da própria humanidade, o que é essencial num filme ou em qualquer obra de arte.