Curiosa observação e agradável passatempo, recheado de certa hilaridade, é assistir, a partir de um ponto privilegiado, ao desfile, na praia, da diversidade física de seus freqüentadores. É impressionante as diferenças e ficamos admirados como a natureza, na sua arte escultural repleta de imaginação, tentando identificar cada mulher e cada homem, segundo seus atributos físicos, os criam no grau máximo da sua fealdade e beleza. E assim age não por capricho ou deliberado propósito de parcialidade, mas por intrínseca necessidade das naturais contradições, vez que uma não existe sem a outra, se faltar-lhes o fator comparação.
Há poucos dias atrás, estávamos no local habitual a preencher o ócio com esse divertido bisbilhotar quando, inesperadamente, com um terço na mão, um pequeno chapéu na cabeça, de bermuda, surge a presença da triste figura que passaremos a chamá-la de Fifi. Não seria impróprio rezar numa caminhada? Tanta reza assim, presumimos, talvez não fosse uma combinação de pedidos, dentre eles o de poder suportar o fardo da sua feiúra? É uma senhora na casa dos setenta anos de idade. Clara, estatura média, cabelos lisos e ligeiramente esbranquiçados, seu rosto de formato quadrado e rugas bem pronunciadas e olhos pequenos lembra uma chinesa.
Se essa rápida descrição de um rosto fora dos padrões de beleza já não fosse suficiente para se lamentar uma natureza cruel, injusta e madrasta, a ele alia-se um corpo disforme para completar um ser portador de uma beleza capenga. Como descrevê-la? Vamos tentar. É magra. Os ombros, em razão da sua atividade braçal, são largos. A barriga, vilã da beleza feminina e também masculina, é bem comportada. Infelizmente, essa andorinha, que é única, não faz verão. Os quadris são estreitos. Desçamos mais. As coxas e pernas, de tão finas, dão-nos a impressão que são ossos cobertos de pele. O que dizer das nádegas, partes tão eróticas ao gosto dos homens? É preciso? Fiquemos por aqui.
Sabemos que tudo na vida tem suas compensações. Para muitos, em seu lugar, a fuga do convívio social, levada pelo complexo de inferioridade, seria o normal meio de fuga. A nossa Fifi não parece compartilhar dessa reação. De passadas largas e ágeis ao caminhar, seu temperamento é extrovertido e bem alegre, o suficiente até para fazer troça de seus desencantos. É tão alegre e espontânea que não consegue ouvir uma música movimentada sem acompanhar o seu ritmo. Viúva, tendo perdido o marido que sucumbiu pelo vício do álcool, nunca dispensa uma cerveja ou qualquer bebida que lhe ofereçam numa ocasião festiva.
No carnaval, é uma explosão de alegria a saracotear ao som do trio elétrico. É incrível! Seria a imitação de Zorba, o grego, que dançava para esquecer a perda de um ente querido? Será que Fifi se esbaldava, dançava adoidadamente para esconder o inconformismo de sua imagem ao espelho? Para não acreditar, no seu sentimento narcisista, na visão de seus olhos ao apreciar a nudez de seu corpo? Quem sabe!
Vamos ao arremate. Foi exatamente em um carnaval na cidade vizinha de Neópolis que fato inédito, cômico e inacreditável aconteceu. Acontece que a nossa Fifi, apesar de se encontrar na casa dos setenta anos de idade, julga-se perfeitamente apta a usufruir os prazeres da carne. O problema é saber se existia alguém, numa combinação de bêbado e tarado, capaz de enfrentar um saco de ossos. Será que da sua viuvez, há uns dez anos atrás, ela encontrou algum ser em forma de homem que a fez despertar da hibernação sexual? Não é fácil, embora tudo possa acontecer.
Pois bem, na companhia de uma amiga a respeito da qual desconhecemos seus atributos físicos, entrosaram conversa com dois marmanjos. Em circunstancia tal, o bar é o caminho natural para se descontrair e, levando-se em conta que carnaval vem de carne, é também o momento ideal para acertar suas exigências. Depois de beberem algumas garrafas de cerveja, era chegada a hora da verdade.
O álcool predispõe para os prazeres mundanos em geral. Não apenas incita como é pouco seletivo nas suas preferências. Quanto à escolha de uma parceira, torna-se uma espécie de urubu do sexo. Deixaram o bar e saíram a procura de quartos para encontros amorosos. Cada casal para seu lado. O parceiro da Fifi, adentrando em seu quarto, rapidamente despiu-se e espojou-se na cama num gesto animalesco de quem quer o imediatismo do prazer, sem pensar nos afagos e requinte das carícias que precedem o verdadeiro amor civilizado. Ansioso, olhos esbugalhados para Fifi que também começava a despir-se, pensou estar chegando a hora do clímax. Não foi preciso que completasse a nudez. Abismado com o que via e de repente convertido na mais desgraçada imagem da frustração, ordena-lhe com toda irritação: Vista-se! Vista-se! Vista-se!
Em momento de grande emoção o efeito do álcool parece dissipar-se. Semelhante fenômeno aconteceu com o companheiro da Fifi que, como se estivesse acordado de um pesadelo, rapidamente veste-se. Ignorando o cavalheirismo, não se despede e deixa o quarto. Fifi, em seu conformismo, limitou-se a um frio sorriso. Talvez até tenha concordado com a reação do fugitivo. Seu corpo era realmente uma calamidade, capaz de ser desfrutado tão-só por um super tarado após meses de jejum.
Amargo destino da Fifi que cônscia da sua feiúra e tendo de com a mesma conviver, é obrigada a suportar de sabores e decepções. Azarado o felizardo fugitivo que o álcool não foi capaz de excitá-lo ao ponto de encarar o corpo fantasmagórico da Fifi, a nossa simpática figura num triste desfecho de carnaval.
