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Alagoas

Estudo alerta para a perda da efetiva democratização na Gestão da Educação Pública em Alagoas

Questões sobre educação são sempre relevantes para discussões e estudos, principalmente em ano de renovação política (2014), quando se costuma debater e cobrar medidas que serão feitas para a área. Deste modo, torna-se propícia a recente defesa da tese de doutorado do professor Tiago Zurck do Centro de Educação (Cedu) da Universidade Federal de Alagoas, intitulada As representações sociais sobre a participação democrática de gestores de escolas públicas em Alagoas.

O estudo, iniciado em 2010 (PPGE-UFPE), analisou como os gestores representam socialmente a participação democrática, trazendo dados para que se compreenda melhor a efetivação do processo de gestão democrática nas escolas, na intenção de intervir nesta realidade. A pesquisa, predominantemente qualitativa, analisou documentalmente as políticas de educação nos governos Lula (2003-2010) e, por meio de técnicas associativas e interrogativas, 100 gestores de escolas públicas de Alagoas.

Para a análise, o pesquisador partiu do pressuposto de que as representações têm sido forjadas também por valores e experiências não democráticas, que consideram elementos dos contextos macro e microssociais nos quais os gestores estão inseridos, além de considerar a influência da concepção de participação de solidariedade filantrópica em oposição à de Estado de controle-social.

Deste modo, foi possível identificar que a prática deste tipo de participação estaria ancorada nas ideias do neoliberalismo de terceira-via. Um projeto ético-filosófico dominante na sociedade atual e que se caracteriza por apregoar a ampliação da participação da sociedade civil, não enquanto controle-social, mas de bem estar social, quando, a sociedade atomizada, com o apoio dos setores privados dominantes, assume as funções de produção de bens sociais que o Estado estaria impossibilitado de cumprir, desresponsabilizando-o, diz o autor.

“O contexto prega que o Estado deve ser mínimo, mas que ainda assim ofereça determinadas produções de bens sociais; no caso é o que observamos hoje no Brasil, o Estado se desresponsabiliza de várias funções e passa a se responsabilizar por políticas de corte social, ou seja, as políticas assistencialistas. É um estado mínimo para a produção de políticas sociais para todos, mas máximo para ações de coerção e direção”, explica.

Essa concepção de participação foi identificada pelo pesquisador ao analisar as políticas da Educação nos governos Lula (2003-2010), apontando como um dos agentes principais para este comportamento o movimento Todos pela Educação, que teve ampla adesão, em especial dos setores midiáticos e empresários do setor bancário, e inserção nas concepções de políticas educacionais forjadas em tal governo, em detrimento do setor público da educação. “Sai de cena o controle social de disputas de projetos de classes e começa-se a construir um pacto.

Não é mais disputa de controle, mas busca-se construir um consenso. E isso se traduz na ideia de que a participação social deve ser muito mais uma responsabilização por aquilo que o governo não produz, do que a tomada de controle e cobranças ao Estado, por exemplo, uma educação pública de qualidade”, esclarece o professor.

Gestão democrática nas escolas

A gestão democrática dentro das escolas públicas é uma bandeira preconizada por alguns educadores já em 1930, e que, foi retomada com muita força na década de 1980, pós-ditadura. Representa uma contraposição a uma escola que é pensada e organizada de maneira sectarizada, onde se segrega aqueles que ‘pensam’ e os que ‘executam’. Esse pensamento de gestão democrática vem agindo no sentido de transformar a escola num espaço importante na educação, inclusive política, do sujeito e que deve ser organizada e trabalhar pedagogicamente pautada nos princípios da democracia.

Ao investigar as representações sociais dos gestores, a pesquisa encontrou ideais do contexto macrossocial, que identificam conceitos ditos democráticos nas falas ligadas à questão da ordem, o que, para o autor, vem da difusão de um comportamento de participação democrática oriundo do projeto ético-político dos setores dominantes, e, num segundo momento, ao observar o contexto local – Alagoas, as representações baseadas no contexto microssocial são completamente inversas. Por exemplo, quando os sujeitos da pesquisa associam democracia à “apadrinhamento”, “para poucos” etc e “participação” à “perseguição” ou “medo”, o que o autor identifica como desdobramentos de uma sociedade fortemente marcada pela violência.

Considerando o caráter do objeto da pesquisa, democracia e participação, tal violência se traduz no que o autor chama de “violência política” produtora do “medo político” impedindo os sujeitos de desenvolverem qualquer ação participativa mais ativa. “Se a prática da participação no contexto atual já encontra limites na ideia do voluntariado e da filantropia esta se agrava ainda mais no contexto alagoano onde a violência política e o medo político inibem a construção de experiências de participação democrática ativas. Um exemplo disto foi a associação -feita pelos gestores- do estímulo participação em Alagoas à palavra medo, aparecendo numa frequência de 30 dentre os 100 entrevistados destoando, de modo significativo, das frequências das demais palavras evocadas”, exemplifica Tiago.

É fortalecido um comportamento participativo da sociedade civil alicerçado na perspectiva de participação redistributiva do neoliberalismo da terceira-via que, adotada pelos participantes da pesquisa, aponta uma significação pejorativa do conflito, típica das sociedades de classe. Em seu lugar, no entanto, o sentido de harmonia, consensos tem espaço central na representação social sobre a participação democrática.

Do contexto microssocial, Alagoas, a pesquisa evidencia ainda que o medo da participação está presente, objetivado em fatos e experiências de violência do mundo político alagoano. Algumas dessas experiências não foram vivenciadas em ato, mas simbolicamente, e têm produzido representações sociais de participação democrática limitada ao silenciamento e à acomodação, tendo sido citado como exemplo o assassinato do professor Paulo bandeira, em Satuba, em 2003. “Observamos que democracia e participação democrática estão associadas aos sentidos de apadrinhamento, perseguição, silenciamento, medo, privilégio, para poucos, acomodação entre outros. Perpassam as experiências de uma sociedade profundamente autoritária”, conclui o professor.

Projetos Futuros

A partir dos resultados encontrados, o professor diz ser necessário criar instrumentos e estratégias para a rearticulação política e a reorganização da sociedade civil, especificamente dos setores que defendem um projeto de educação na perspectiva da classe-que-vive-do-trabalho. Políticas que busquem construir uma participação efetivamente democrática, com vistas a potencializar experiências que reafirmem os valores de uma efetiva democracia política e social.

Enquanto pesquisador o compromisso social assumido para intervir nessa realidade é o de, no retorno ao cotidiano da vida acadêmica, a elaboração de ações – projetos e programas – que permitam construir relações e experiências de participação efetivamente democráticas em escolas públicas da rede de ensino de Alagoas.

Além disso, também para o futuro, Tiago Zurck tem como proposta, em parceria com os demais intelectuais do grupo de pesquisa de Gestão e Avaliação Educacional do Centro de Educação, professores dos cursos de Pedagogia em Arapiraca e Delmiro Gouveia, a criação do Observatório de Política e Gestão da Educação de Alagoas, com o objetivo de estabelecer um espaço de produção coletivo do saber comprometido com a investigação socialmente referenciada diante dos problemas da gestão educacional e suas políticas.