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Penedo

Enquanto Rio São Francisco agoniza, Agência Nacional das Águas reduz sua vazão

O comandante Zé de Bida, 73 anos, afirma que os dois últimos anos foram os piores para o São Francisco

Há 43 anos, o seu dia a dia é assim: observando por três janelas, diariamente a beleza do entardecer e o nascer do sol, a maré baixa e alta, o encanto e a grandiosidade do Rio São Francisco, ou Velho Chico, como é carinhosamente chamado pelos beiradeiros. E claro, a vista da Princesa do Baixo São Francisco. Ele já perdeu a conta de quantos veículos ajudou a cruzar os estados de Alagoas e Sergipe.

Esse é José dos Santos, 73 anos, também conhecido por Zé de Bida, como se apresneta o comandante de uma das balsas que fazem a travessia Penedo à Neópolis. Sua vida de navegador iniciou com o pai, que era canoeiro, com quem aprendeu tudo na arte de fluir pelas águas do São Francisco.

Mestre Bida presenciou verdadeiras mudanças no Rio, momento que lembra com muita tristeza, ao comparar com os dias atuais.

“Presenciei navios da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, quando o Porto de Penedo era importante economicamente para o Baixo São Francisco. Embarcações pequenas traziam os produtos para o nosso porto, e os grandes navios com seus guindastes erguiam as cargas. Também tínhamos os navios da Gonçalves Peixoto – Luso-Brasil e Brasil-Luso -, todos navegando pelas águas profundas do Chicão. E o belo Comendador Peixoto, deslizando pelas suas águas e participando da procissão do Bom Jesus, tudo uma maravilha, uma beleza de se ver. E pensar que hoje, uma simples e pequena embarcação, navega com dificuldade”, lamentou o experiente navegador.

O mestre das águas afirma que os últimos dois anos, foram os piores para o São Francisco. “Em todos estes anos de navegação, nunca vi o Velho Chico assim, nestas condições, repleto de bancos de areia, assoreado. Ele não tem força para mudar. A natureza é bela, tudo é lindo. Porém, se ela sofre, nós sofremos. Os ribeirinhos e os profissionais sofrem com a sua degradação”, afirmou.

Quem mais do que ele que criou duas famílias com ajuda do Rio, para contar o triste processo do qual ele passa. Zé de Bida garante que o São Francisco não é mais profundo. “Existem locais antes profundos, que não estão com mais de 5 metros. Para a travessia, tivemos que fazer um canal na força, usando o motor das balsas, devido o banco de areia que se formou ao lado da Ilha de São Pedro. E para nos guiar, marcamos o traçado com pedaços de madeira”, explicou.

O canal foi aberto com a força do motor, usando a hélice da balsa para espalhar a areia, dessa forma, se conseguiu abrir um trajeto para que o curso de navegação seguisse em linha reta entre os portos dos dois estados. Ainda assim, quando a maré está baixa, as embarcações podem encalhar. E para navegar à noite, foram colocadas duas estacas com faixas refletivas.

Roberto Miranda - aquiacontece.com.brBancos de areia

Em Penedo, um grande banco de areia na frente do bairro Santo Antônio se transformou em local de diversão aos finais de semana. Moradores da região e turistas aproveitam o local para acampar, jogar bola e fazer churrascos. No lado sergipano, um imenso banco de areia se formou próximo ao Clube Vila Nova, em Neópolis. Outro imenso, entre a Ilha de São Pedro e a cidade de Santana do São Francisco, virou ‘campo de futebol’ na maré baixa.

Procissão fluvial vai acontecer

O navegador, apesar das dificuldades e o assoreamento do Rio, garantiu que procissão do Glorioso Bom Jesus dos Navegantes vai acontecer. “A procissão vai acontecer porque conhecemos bem o Velho Chico, os locais que ainda podemos navegar. Garanto que a procissão fluvial vai ser realizada. Precisamos pedir as bênçãos do protetor dos ribeiros para que a situação do nosso São Francisco se reverta”, proclamou José dos Santos.

Já combalido, ANA autorizou redução da vazão

Roberto Miranda - aquiacontece.com.brApesar da quantidade de bancos de areia e do assoreamento, a Agência Nacional das Águas (ANA), autorizou a redução da vazão das águas do São Francisco, no Submédio e Baixo São Francisco, isso no dia 30 de dezembro de 2013. A resolução vai até o dia 31 de janeiro de 2014, podendo ser estendida. A resolução nº 1589/2013 diz: A Agência Nacional das Águas autoriza a redução da vazão defluente mínima dos reservatórios de Sobradinho e Xingó, 1.300m3/s, para 1.100m3/s.

“O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) tem se preocupado com a situação. Quando o Rio tinha força, ele levava a areia para o mar, que devolvia para a praia. Hoje, este ciclo natural não acontece mais. Não existe força. Estamos preocupados em produzir água e, onde isso pode acontecer, nas nascentes dos rios afluentes. Os primeiros 22 projetos que estamos entregando são para recuperar nascentes da bacia do Rio São Francisco. Os problemas são grandes e precisamos revitalizar”, avisou o secretário Executivo do Comitê, Maciel Oliveira.

Ribeirinhos iniciam protestos

No último domingo (05), durante a procissão do Glorioso Bom Jesus dos Navegantes de Neópolis, em Sergipe, ribeirinhos aproveitaram a oportunidade em que a cidade fica repleta de pessoas, para protestar e chamar a atenção de todos para a situação do Rio. Vestidos de preto e com o nome na camisa – SOS Velho Chico, Vem Pro Rio -, beiradeiros lamentaram a situação de degradação.

Internet “Precisamos revitalizar o nosso Rio São Francisco. Tivemos a transposição, o canal do sertão, tudo isso retirando água dele, sem revitalizar. Precisamos que todos olhem para a sua situação de degradação, que piora com o passar dos anos. Sua lamina d’água diminuiu, o assoreamento toma conta dele e vários bancos de areia surgem pela falta de força”, desabafou o ribeirinho Gamal Alves.

Em Penedo, durante as comemorações também em homenagem ao Glorioso Bom Jesus dos Navegantes, que começam a partir da próxima quinta-feira (09), jovens da cidade prometem se reunir para protestar, momento que a cidade recebe muitos turistas e autoridades políticas.

“Queremos uma festa com dimensão social e ambiental. Precisamos e vamos alertar aos visitantes e políticos a situação de degradação do nosso Rio São Francisco. Iremos colocar uma tenda na Orla, de sábado (11), a domingo (12), com maquetes, panfletos. Também iremos abordar turistas, precisamos que todos saibam da sua importância, do momento de sofrimento do nosso Rio. Iremos vestir preto e espalhar faixas pela região da festa. Vamos chamar à atenção, vamos alertar para que todos tomem conhecimento d processo de degradação que o Rio São Francisco vem sofrendo”, concluiu o manifestante Quinho Brandão.