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Cultura

“É belíssimo o ponto de que se descobrem sete cachoeiras”

Cachoeiras fizeram olhos do imperador brilhar

Chegamos à última parada da viagem. No dia 20 de outubro de 1859, Dom Pedro II deixa o Salgado, às 2h da madrugada, e alcança a cachoeira de Paulo Afonso, em Delmiro Gouveia, já dia alto. O encontro ficou registrado nas páginas do diário, parceiro de toda a expedição.

“É belíssimo o ponto de que se descobrem sete cachoeiras que se reúnem na grande, que não se pode descobrir daí, e algumas grandes fervendo a água em caixão de encontro à montanha que parece querer subir por ela acima; o arco-íris produzido pela poeira de água completava esta cena majestosa”, ressaltou.

Hoje, as quedas estão bem diferentes. A engenhosidade do homem pôs no lugar uma hidrelétrica. Seguimos então para a sede da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), na cidade de Paulo Afonso (BA). O espetáculo natural está somado agora a paredões e túneis. Foi criada em 3 de outubro de 1945, no governo de Getúlio Vargas. Atualmente, produz energia para oito Estados do Nordeste, incluindo Alagoas.

Apesar de toda essa potencialidade, não são os fios de alta tensão nem as turbinas que mais chamam a atenção. O olhar volta-se todinho para o rio. Os muros altos aprisionam e fazem o Velho Chico debater-se em luz. Leva energia para milhões de brasileiros. As quedas ainda soltam espuma branca.

“Tentar descrever a cachoeira em poucas páginas, e cabalmente, seria impossível, e sinto que o tempo só me permitisse tirar esboços muito imperfeitos”, considerou o imperador. O soberano fez-se humilde diante de tal magnitude. Logo ele, o homem que por mais tempo governou o país. Foram 49 anos, três meses e 22 dias — quase meio século.

Biografia real

D. Pedro II carregou o peso de uma monarquia dos 14 aos 63 anos. Chegou a escrever: “A ocupar posição, preferia a de presidente da República ou ministro à de imperador”. Morreu com 65, exilado, num hotel simples de Paris.

Foi acusado de centralizador, autoritário. Mas Pedro de Alcântara teve seus méritos, enfrentou muitas batalhas. Com 1 ano, perdeu a mãe. Aos 5, foi deixado pelo pai e a madrasta, que partiram para a Europa. Passou a ser chamado de Órfão da Nação. Foi criado por tutores. Sofria com ataques epilépticos.

Em carta para Luísa Margarida Portugal de Barros, a condessa de Barral, sua amante, definiu: “A escravidão é uma terrível maldição sobre qualquer nação, mas ela deve, e irá, desaparecer entre nós”. A abolição veio muitos anos depois, em 1888, pelas mãos da filha dele, a princesa Isabel.

Admirável também foi essa viagem pelo São Francisco. Em território alagoano foram dez dias de expedição — de 14 a 24 de outubro. Ao final, um relatório. “Visitei todas as povoações de alguma importância do rio de São Francisco, ou antes, quase todas as povoações que margeiam o rio, e assim evitei quaisquer conseqüências de rivalidade que já se iam criando entre elas”, avaliou.

Com a vinda do imperador, os olhos de toda a Corte se voltaram para essa região. Foram investidos recursos na construção de ferrovias e no desenvolvimento da navegação a vapor. Como ficar alheio à iniciativa de Dom Pedro? Ele trocou as regalias do palácio pelo balanço de um Pirajá. Atravessou a caatinga sobre o lombo de um cavalo. Foi recebido com fogos e música, mas também dormiu com pulgas, levou chuva. Ao fim da viagem, ele não teria eleições para concorrer. Simplesmente queria conhecer mais do seu Brasil.

Pelo roteiro da grande hidrelétrica

Na Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, fomos acompanhados pelo jovem Leandro Pereira Gomes, um “chesfiano” — definição de todos que trabalham no lugar.

Paramos diante da placa que marca a presença do imperador no local. Traz os dizeres: “O Sr. D. Pedro II visitou esta cachoeira no dia 20 de out de 1859. Este bronze foi collocado por ordem da presidência da província em 1869 pelo engro Carlos de Mornay”.

No Memorial da Chesf, está o livro citado tantas vezes pelo monarca. A companhia guarda o único exemplar do Atlas e relatório concernente à exploração do Rio de S. Francisco — desde a cachoeira de Pirapora até ao Oceano Atlântico, do engenheiro civil Henrique Guilherme Fernandes Halfeld. A obra foi publicada em 1860. Mas Dom Pedro já levava consigo algumas cópias do estudo.

Furna dos MorcegosNeno Canuto

“O terreno é todo pedregoso e se muito se tem exagerado a respeito desta cachoeira, não sou eu exagerado dizendo que há verdadeiro perigo em percorrer todos os pontos de vista da cachoeira, e principalmente descer à furna dos morcegos, como eu fiz, dando contudo três quedas nesta última exploração, felizmente sem me machucar. Uma mulher do local, que se arriscou à empresa, não foi tão venturosa, pois deslocou ossos do metacarpo, rachou o beiço e pisou a maçã do rosto e o olho; o doutor Abreu logo lhe aplicou os aparelhos”. (Dom Pedro II — 20 de outubro de 1859).