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Divino Sabor: entre as raras exceções

O maior desastre de um empreendimento é a improvisação e a falta de profissionalismo. Enxergando apenas em uma direção, a obtenção do lucro, deixa de auferí-lo à altura do investimento pela ignorância dos meios a esse fim. Limitado de conhecimento e imaginação, permanece estático a marcar passo numa clara demonstração de completo alheamento do que faz. Essa é quase a regra geral dos que querem ou estão à frente de seus negócios. Sabem, às vezes, montar uma orquestra, mas não entendem de música e muito menos como regê-la. Aqui no Nordeste, lamentavelmente, de baixo nível cultural, proliferam, mormente no setor de bares e restaurantes, a barbárie das comezinhas regras do comércio. Rudes no trato, limitando-se a servir comidas e bebidas, sem os afagos da gentileza e atenção, acham que a clientela se conquista apenas pelo estômago.

 Embora conheçamos essas deficiências, achamos por bem comentá-las para ressaltar as exceções. Despertou-nos tal iniciativa um recente fim de semana quando, na companhia de alguns familiares, resolvemos dar um giro para almoçar e tomarmos uns drinques. Começamos por um bar no povoado Penedinho. Local aprazível, arborizado e bem ventilado, à margem do rio. A maior parte das mesas fica no solo arenoso. Estava cheio, razão porque sabíamos por antecipação do mau atendimento. Não que isso seja obrigatoriamente inevitável, mas pela limitação gerencial. Foi o que aconteceu. Entregues à frustração, começamos a pensar, com o potencial natural que possui, como seria nas mãos de um profissional. Desapontados, achamos por bem procurar outro.

 Chegamos, sem a benção da sorte, em mais uma arapuca em matéria de atendimento, não obstante seja bem estruturado e privilegiada localização, à beira do asfalto e do rio. Perto de deixá-lo, assistimos a fúria de um cliente pela morosidade do atendimento. Pediu a conta e saiu a esbravejar promessa de nunca mais retornar. Eis o pecado mortal do comerciante, não saber cativar e prender para sempre a sua clientela. É desconhecer que no mundo atual da selvagem competição o ingrediente mais importante para a vitória é quem souber oferecer o melhor atendimento. Quem não gosta de receber uma carinhosa atenção? O bom atendimento equipara-se à execução perfeita de uma melodia por meio da qual sentimos a agradável sensação da harmonia do compasso. No embalo do exasperado freguês, resolvemos também nos retirar, todos com a unânime intenção de divórcio, sem possibilidade de futura reconciliação.

 Cheios de dissabores, tivemos a acertada ideia de conhecer, no povoado Capela, o Divino Sabor. Apesar de o acesso ser por estrada de piçarra e seus naturais solavancos, valeu a pena. Afinal de contas não se pode alcançar o céu sem sacrifício. Já passava um pouco das três da tarde. Ao adentrá-lo, logo nos causou admiração a originalidade da sua decoração. Não bastasse isso, o restaurante é todo natureza, dispondo até de uma vereda na mata para caminhada, logo nos fundos. O que mais nos chamou a atenção foi a disposição das mesas, distribuídas em compartimentos em forma de barracas. Os clientes, na individualidade de cada barraca, quase não se veem.

 Bem acomodados, conseguimos satisfazer o nosso intento. Comemos e bebemos ouvindo agradável música em volume civilizado. Fomos atendidos por uma garçonete ágil e sorridente. Seus proprietários encontravam-se viajando.

Ficamos de voltar, o que fizemos três semanas após. Diante do que vimos, sentimos a curiosidade em conhecê-los. Antecipando o contato inicial, nossa intuição dizia que seguramente fugiam à regra dos tupiniquins travestidos de comerciantes que se postam por trás do balcão, frente à caixa registradora, presos tão-só ao faturamento, desprezando e ignorando por completo os meios indispensáveis para garantir maior resultado desse objetivo.

O incauto freguês, que não passa de uma paisagem, exaspera-se em não ver, após insistentes apelos, ver satisfeito seu pedido. A descontração arrefece, dá lugar à irritação e o prazer gastronômico entre os comensais transforma-se numa gastrite coletiva.
Logo que fomos percebidos, recebemos a atenção do proprietário que nos perguntou como nos sentíamos e o que desejávamos, fazendo-se presente a garçonete. Pouco depois, surpresos, fomos premiados com a agradável sensação de estar caindo sobre nós uma ducha de rara simpatia, cativante e contagiante alegria por parte de sua mulher. Não bastasse essa inesperada recepção, sua maneira de cativar vai além das palavras, especialmente diante dos descabelados que têm suas carecas, como se fosse um fetiche, respeitosamente beijadas. Inacreditável! Como é possível encontrar singular personalidade em local tão fora das melhores expectativas! Valor perdido, como só acontece, entre tantos que se perdem no deserto.

Percebendo o seu jeito espontâneo de esbanjar simpatia à sua clientela, não poderíamos de imediato, deixar de compará-la com os improvisadores. Quanta distância! Como teriam a lucrar se tivessem a oportunidade de conhecer Aldilene, seu nome, professora nata de fazer relações humanas e, sem nenhuma dúvida, na arte de fazer o verdadeiro comércio.