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“Deus mesmo, quando vier, que venha armado”!

Riobaldo, o jagunço que é personagem central de Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa, narrando sua vida e filosofando sobre o caráter dos homens e a natureza dos lugares, afirma que “o Sertão é onde quem manda é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”.

Tomei conhecimento de mais uma chacina em Alagoas. Quatro pessoas foram assassinadas na noite da última quarta-feira, dia 19, em Arapiraca. Naquele mesmo dia havia lido a edição de maio da Revista Piauí e uma das reportagens versava sobre o fato de Alagoas ser o Estado mais violento do país. “Engolfado pela violência” é o título da matéria. “Estado campeão em homicídios, Alagoas recorre a um ex-braço direito de Collor para diminuir a criminalidade e escapar da maldição de Graciliano Ramos”, é o subtítulo, à guisa de explicação do conteúdo. Não tenho dúvidas de que a introdução revela um preconceito, embora no decorrer das páginas se elogie o escolhido: Dario Cavalcante, 48 anos, Coronel da Polícia Militar e que fez a segurança pessoal de Collor enquanto candidato e como presidente da República, ressalvando que o mesmo nunca foi acusado de corrupção.

Alagoas, diz a reportagem, não é o Estado mais miserável do país, pois seu PIB deixa atrás o Piauí e Sergipe, e, inclusive, tem um razoável efetivo policial que, passa de dez mil homens, somados os integrantes da Polícia Civil e Militar. A remuneração inicial dos policiais civis é de 1.800 reais; de um militar, de 1.400, o que afasta o Estado de pagar a menor remuneração entre as unidades da Federação aos seus policiais. Em que pese esses dados, a violência continua subindo e alarmando a todos e o diagnóstico mais realista é de que a polícia não tem uma estratégia eficaz no combate ao crime, não investiga, não prende e é pouco cobrada e fiscalizada. Além disto, se aponta à velha e eterna política patrimonialista pela qual o Estado foi apropriado por sua elite, confundindo os interesses privados com o público de sorte que o aparelho estatal serve, essencialmente, como um guarda-chuva protetor dessas elites, nas palavras do economista alagoano Fernando José Lira, citado na matéria.
Morei alguns anos em Maceió e, vivenciando o seu dia-a-dia se consegue perceber muito além de suas belas praias. Até parece que a cultura da violência faz parte da formação das pessoas. O próprio Coronel Dario Cavalcante diz que, em Alagoas, “todo mundo é valente”, assim, todos querem andar armados, justificando que não é o consumo de drogas a principal causa da violência, como afirmam alguns.

Acredito que somente a aparelhagem técnica e profissional das polícias e um levantamento científico e on line dos crimes poderá fornecer elementos suficientes para se traçar uma estratégia eficaz para reduzir o enorme número de homicídios no Estado.

O governo e a sociedade civil devem unir esforços para tanto, senão, teremos que nos conformar com a idéia do autor de Vidas Secas, que, revoltado com a polícia do Estado, quando foi preso em 1935 e deportando para o Rio de Janeiro, por motivos políticos, olhava para o mapa do Brasil e apontando para Alagoas dizia que toda grande nação tinha um golfo e completava: “Aquilo dá um bom golfo”. Do contrário, teremos que esperar ajuda dos céus, e, neste caso, talvez seja preciso que Deus, com licença pela liberdade, tenha de acautelar.