Diariamente, frente ao espelho, não percebemos, em doses milimétricas, as transformações em nosso rosto, a perda de massa muscular e o declínio da agilidade, da força física e do desempenho sexual. A alegria vivacidade do passado dá lugar à gradativa carência dos impulsos da juventude. Somente no atacado, depois dos sessenta anos, começamos a perceber os primeiros estragos do tempo, agora numa crescente velocidade. Rápida também é a passagem dos dias a tal ponto que chegamos a não nos dar conta que somos velhos.
Por outro lado, a velhice, figura tenebrosa e indesejável entre tantos outros adjetivos depreciativos, tentamos, num imaginário passe de mágica, mascará-la, como se fosse possível deter a marcha do tempo e impedir, como artista da deformidade, a sua inexorável ação destruidora. Um pouco dessa ilusão acontece, para a alegria do nosso ego, quando alguém, informado da nossa idade, admira-se, achando-nos dez anos mais jovem. Inflados de contentamento, imaginamos ter feito um pacto amigável com o tempo. Como gostaríamos de fugir da tenebrosa realidade, subvertendo a ordem natural das coisas!
Infelizmente, o que não se pode remediar, como diz o ditado, remediado está. No rastro dessa verdade, preferimos trilhar o caminho do riso, fazer chiste da velhice a querer enaltecê-la com a descabida e mentirosa definição de a melhor idade. Melhor em quê? Experiência e sabedoria? Ora, cada coisa em seu tempo. Se um jovem já dispusesse dessas duas virtudes, não seria um jovem, mas um velho prematuro, não teria vivido a vida com a vitalidade das emoções, permeadas de desenganos, pela imprevidência e toda sorte de aventuras, venturosas ou não.
Sem contar os males do corpo, a velhice evolui gradativamente para o alheamento, para o entorpecimento dos sentidos e do desejo, tudo que uma verdadeira vida rejeita. Resume-se, na verdade, num corpo sofrido e que lentamente se locomove. O escritor francês André Gide, de uma maneira exageradamente depreciativa, afirmava que o velho é um sepulcro ambulante diante do qual algumas pessoas se afastam e outras se aproximam para ler o epitáfio. Em sentido contrário, de conteúdo poético, alguém afirmou que a velhice é um outono rico de frutos maduros. Tem de um lado a serenidade das belas noites e do outro lado a tristeza sombria dos crepúsculos.
Com essa visão é que Fausto, personagem da mesma obra de Goeth, possuidor de insaciável desejo pelo saber, com a chegada da velhice vê diluir-se esse desejo, perde-se na apatia e passa a sonhar com a vontade de voltar à juventude. Promete, se conseguisse, não mais cometer os erros do passado. É um desejo sem fundamento para um gênio. Sem os erros da juventude Fausto seria apenas uma cópia sem brilho, porque lhe faltaria, como outrora, segundo Tolstoi, a embriaguez de viver.
Enfim, nascer, viver, envelhecer e morre é um processo natural a tudo que é vivo. O que não nos convence é que, se verdadeira a crença que fomos criados por Deus segundo sua imagem e por ele amado, não nos tenha dado uma morte digna. Tenha, permitido que findemos num desfecho horrivelmente trágico, exibindo um corpo fantasmagórico e em ruínas a suportar uma torrente de insuportáveis lamentos.
A velhice, terrorista por natureza, é também um filme de permanente suspense no qual, como amedrontados espectadores, estamos certos de que a qualquer momento, de surpresa, seremos tirados da plateia para sermos, sem piedade, ceifados pela sua sanguinária guilhotina.