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Cultura

De volta a Alagoas, Pedro de Alcântara vai a Porto Real do Colégio

Artesanatos feitos como no tempo do imperador brasileiro, ainda são feitos por indígenas como Ryakonã

Dom Pedro não conseguiu ficar muito tempo longe de Alagoas. Ainda no dia 16 de outubro, ele rumou para Porto Real do Colégio. A passagem foi breve. Esteve na matriz, que para ele era recém-construída. Todos os passos estão registrados no diário.

“Fui ao Porto Real do Colégio, onde houve antiga igreja e Convento dos Jesuítas, que já não existem, havendo duas casas no lugar do convento e nova matriz no da antiga igreja, de que aliás se aproveitaram alguns materiais e dourados para o altar-mor”, relatou.

O templo a que se refere é a Matriz Nossa Senhora da Conceição, que fica na Praça Rosita de Góes Monteiro, no Centro. Passou por inúmeras reformas. O altar não é mais o mesmo de 150 anos. Atrás dele, vimos a inscrição: “Construído em agosto de 1935”.

Essas histórias e a igreja nos foram mostrados pelos filhos de Porto Real Ronaldo Vieira e Ermando Mendonça Tojal, ambos servidores públicos. A independência do município deu-se em 7 de julho de 1876 — 17 anos após a ida do monarca.

Ainda na cidade, fomos à aldeia indígena conhecer os kariri-xocós. Esse povo também deu as boas-vindas a Dom Pedro. “Apareceram-me bastantes descendentes dos índios de raça já bastante cruzada, trazendo alguns cocares de penas com seus arcos e frechas”, apontou.

Na aldeia, encontramos centenas de casas de alvenaria. Os índios jogam bola, passeiam de bicicleta. Na morada de Ryakonã, que tem no registro Cícero Ferreira Ribeiro, é produzido ainda muito artesanato. Assemelha-se às peças descritas pelo imperador.

O hábito do cachimbo também não se perdeu. Ryakonã conta que vivem hoje na aldeia cerca de 3.500 índios. Ele mesmo tem cinco filhos. É casado com Yapynamarã, a Francinamara Ramos. Com 39 anos, o homem já tem netos. Todos moram próximos. Muito da tradição ainda persiste entre eles. Doença é tratada primeiro com ervas e rituais. É uma mistura de modernidade e passado, que confunde muitos deles.

São Brás guarda um paraíso, encanto do monarca

Depois de Porto Real do Colégio, Pedro de Alcântara, em 1859, e nós, agora, partimos para São Brás. Fica pertinho, tanto faz pela estrada ou nas águas. Tivemos inclusive, o mesmo guia, Ronaldo Vieira, homem bem-humorado e disposto.

O monarca escreveu sobre o lugar: “É povoação menor que a do Colégio, sua freguesia, mas o povo parece menos pobre, e parece que ainda fazem o sabão de terra de cinza e sebo, como vi na feira do Penedo”. Sobre essa atividade, os moradores atuais não têm conhecimento.

Fomos às duas igrejas citadas pelo imperador: de São Brás e Rosário. De lá para cá, muitas reformas. Mas seguem de pé, em torno da fé da gente ribeirinha.

Mas nesse ponto da expedição, não foram as igrejas que mais chamaram a atenção de Dom Pedro. “O rio, do Penedo para cima, ainda é muito mais bonito e interessante”, revelou. Tratou de forma especial de um pedacinho dele, a Lagoa Comprida. Precisávamos, então, conhecer esse povoado e o cenário natural.

“A Lagoa Comprida é o ponto do rio que mais me tem agradado”, disse Dom Pedro II.

“A Lagoa Comprida é o ponto do rio que mais me tem agradado até agora, e aí vi ao longe um bando de marrecas voando da margem direita para a esquerda”, escreveu o imperador.

As tais marrecas não se acham mais. No lugar, as garças fazem o show — voo bonito, bem juntinho às águas. É um pôr-do-sol daqueles que não se esquece. Pedro de Alcântara estava certo.Neno Canuto

Conversamos com José Martins Filho, 70, um dos moradores mais antigos de Lagoa Comprida. Ele ganhou a vida como pescador. Nasceu e se criou no povoado. Mas conta que já viveu no Rio de Janeiro, por três anos, trabalhava na Guanabara, também perto da água.

Ele diz que já ouviu falar da passagem de Dom Pedro por aquelas bandas. Mas lembrança mesmo tem da embarcação Comendador Peixoto. “Era bom de ver. Eu passava as pessoas do navio pra cá e também levava pra Propriá, na minha canoa”, conta. Agora o rio está raso. Onde tinha água, os meninos fazem gol. As marrecas desapareceram. São as mudanças, tristes. Mas ainda assim, é bonito de ver.