Debrucei-me sobre o cais, procurei o meu rio e não o encontrei. Um turista estava comigo, com uma telinha nas mãos, naquela árvore,em frente ao prédio da Marinha. Ele queria pintar uma tela em cima de um poema de minha autoria, intitulado: Rio São Francisco. Não deu certo. Ricardo foi procurar outro ângulo e eu permaneci ali, absorta, impaciente. Precisava ver o rio. Construções foram erguidas, quais cortinas de tijolos, impedindo o meu olhar de ver as águas do São Francisco…
Mas, entre uma construção e outra, deixaram um bequinho, pelo qual eu pude visualizar um pedacinho do meu querido rio. Era um fiozinho de água que acenava para mim, dizendo que se eu saísse do cais e descesse a rampa, que fica em frente às cortinas de tijolos, poderia vê-lo inteiro! Os meus minutos de contemplação estavam no fim e eu tinha outro compromisso. Aquele fiozinho de água continuou seu percurso por entre os tijolos e ainda brilhava, refletindo os raios dourados de um crepúsculo. Ricardo chegou com um esboço rabiscado na tela, todo feliz, dizendo que tinha conseguido visualizar uma parte do rio. Grande vitória! Ele viu o rio… A tela vai ficar linda, dizia ele.
Voltei para casa, aproveitando os bequinhos para me despedir do meu espelho dourado. Às vezes se escondia e reaparecia, de acordo com o movimento da minha caminhada. Talvez aquele camarote branco parecido com uma renda, já não me sirva mais. Preciso procurar outro ângulo, outro lugar para continuar assistindo o espetáculo das águas mudando de cor, em sintonia com a rotação do planeta que “geme de dores de parto e agonia”, conforme o tema da Campanha da Fraternidade deste ano.
Não posso perder o entardecer, quando o dourado do pôr do sol derrama seus raios sobre as águas franciscanas. Parece que todas as minas do mundo trazem os seus ouros naquele momento crepuscular, e os jogam nas águas desse rio, transformando-as em luminosas correntes, ricas e ocultas por Cortinas egoístas, com cheiro de concreto.
O espetáculo, para ser visto, precisa de amplidão e é por isso que as cortinas se abrem majestosamente, saudando a platéia. O bailar das águas, a penumbra do entardecer, a revoada dos pássaros retornando aos seus ninhos, o pescador solitário que volta para o lar, enfim, todo esse ritual da natureza, não pode ficar oculto, envolto em tijolos, confundido com os sons destoantes, ferindo a música divina de uma despedida crepuscular. O pior é que pode. Os homens podem tudo! Até quando?