A virada mostrou uma equipe coletivamente tão unida que os movimentos parecem intuitivos
Há momentos tão únicos que são capazes de resumir, sem muitos meandros, a experiência humana. O primeiro beijo. O “sim” no altar. A primeira vez do filho no colo. São omentos definidores dessa coisa tão única que é viver. Jurgen Klopp, Alexander-Arnold, Origi, Wijnaldum e cia acrescentam um outro momento nesta lista. Porque o que aconteceu em Liverpool é um resumo completo dessa fantasia que é o futebol.
Todos os ingredientes necessários para algo ser histórico estiverem no duelo. Teve superação, ao jogar sem as estrelas Salah e Firmino. Os gols tiveram timing impressionante: um no início, para fazer o impossível parecer mais crível, e dois matadores antes dos 55 minutos. Teve perigo, porque qualquer adversário com Messi inspira preocupação. Teve malandragem, como o escanteio de Arnold. Teve festa e torcida.
Teve futebol. Foi uma noite definidora também de como o jogo é feito na cabeça dos técnicos, jogadores e nos treinos diários, ou seja, da lógica do jogo. Um time busca maximizar suas qualidades e minimizar seus defeitos para vencer. Para isso, é preciso ter um plano, uma estratégia, que busca o equilíbrio entre duas forças: com a bola, agride e abre espaços. Sem ela, neutraliza e fecha seu gol.
Assim que a bola rolou, o jogo se desenhou de forma clara em Liverpool:
Se a construção do Barcelona começa por Busquets, ele não poderia ter espaço e tempo pra jogar
Alba é o lateral que mais sai, e muitas vezes deixa espaços. Dava pra aproveitar.
Fabinho é forte na bola aérea. Ele poderia ganhar a segunda bola e lidar rápido ao ataque.
Um gol cedo pode meter medo no Barcelona e dar mais espaço pro Liverpool
O Liverpool se preocupou em não deixar Busquets tocar rápido para o pelotão de frente. No 4-3-3 de Klopp, os pontas são muito mais segundos atacantes, centralizados e próximos ao gol. Têm papel fundamental sem a posse de bola, ao pressionar, sufocar e incomodar ao máximo os zagueiros. Essa intensidade defensiva gerou problemas ao Barcelona nos 15 primeiros minutos e teve a ajuda do meio-campo. Busquets mal recebia a bola e Milner e Henderson saíam lá de trás e corriam, que nem loucos, para tirar o tempo do catalão.
Tudo o que acontece em campo é conectado. Defesa, ataque, individual e coletivo…ao pressionar tanto a bola, o Liverpool corria riscos ao deixar Messi mais solto, mas também proporcionava chances de recuperar a posse perto do gol de Ter Stegen. Na jogada do primeiro gol, Alba corta mal uma bola e Mané estava perto o suficiente para retomar e acelerar ao gol. De novo, o meio-campo foi decisivo: Henderson foi mais rápido que Busquets ao infiltrar no espaço vazio, atraindo a atenção de Lenglet e Piqué. Origi fica livre para aproveitar o rebote e chegar ao gol rápido, o que era fundamental para os planos do Liverpool.
Padrão, repetição e coração
Todo plano de jogo, com maior ou menor complexidade, precisa ser “comprado” pelos jogadores.
É um equívoco muito grande pensar que só “coração” ou só “organização” ganham jogos. O futebol sempre foi a alternância e combinação entre os dois. São tão interligados que não é possível nem definir um percentual de participação, dado o caráter intrínseco que cada fator tem no jogo, seja o emocional, tático, técnico ou físico.
Os dois gols de empate do Liverpool são exemplos claros dessa dinâmica. Desde o início da temporada, Klopp reformou o time para controlar mais a bola e atacar de forma posicionada e agressiva. No terço final do campo, ou seja, no ataque, a equipe joga no modo “paredão”: o time força passes até a bola chegar a um dos lados. Quando isso acontece, o lateral do lado oposto, os dois volantes e os atacantes fazem esse cinturão e preenchem a área de ponta a ponta, chegando de frente para o gol, nas costas dos zagueiros. A imagem abaixo, que não deu em nada, é um exemplo.
Muitas vezes olhamos apenas para a jogada do gol. Mas como ela foi construída? Qual o processo pelo qual um time conseguiu finalizar dento da rede?
a jogada se desenha por um lado e quatro jogadores se espalham na área. Eles estão longe um dos outros. Eles não estão na cola dos zagueiros. O lateral do lado oposto está por dentro. A cada chegada, o Liverpool tem ao menos quatro opções de finalização. Para dar certo, o jogador precisa acreditar que essa estrutura irá lhe proporcionar o protagonismo tão caro à jogadores e também as condições para que ele ajude o time.
