
Cirurgia em Rafaela foi realizada no Hospital dos Usineiros, em Maceió
Rafaela Santos do Carmo completou 20 anos na última segunda-feira, 14 de fevereiro. A jovem reside em Penedo, é portadora de distúrbios mentais, tem dificuldade motora e que está acima do seu peso ideal (88 quilos) passou sua data natalícia numa sala de cirurgia do Hospital dos Usineiros, situado na capital alagoana. O procedimento foi realizado 15 dias depois do acidente que resultou em dupla fratura em seu tornozelo esquerdo.
A reportagem do aquiacontece.com.br esteve na residência de Lindaura dos Santos , 46 anos, nesta quinta-feira, 17. A dona de casa mãe de quatro filhos, divorciada e portadora de problemas cardíacos disse que sua filha sofreu o acidente na manhã de 29 de janeiro, um sábado, problema ocorrido em frente ao imóvel situado à Rua Campos Teixeira, número 357. “Um menino bateu nela com uma bicicleta, quando eu vi, ‘Rafa’ já estava no chão”, relembrou Lindaura.
Ela conta que a remoção da filha para a Unidade de Emergência de Penedo foi realizada por um vizinho. “A gente chamou o SAMU, aí perguntaram como estava a perna dela e disseram que não era caso para ser atendido por eles. Na Unidade de Emergência, o médico plantonista atendeu e mandou fazer um raio-x, ele disse que o tornozelo estava fraturado em dois lugares e que o caso era de cirurgia, mas enfaixou a perna dela e mandou que a gente procurasse o dr. Valter na segunda-feira”, relatou a dona de casa sobre a orientação para ida ao médico especialista que atende em Penedo.
Cirurgia deveria ter sido imediata
No dia 31 de janeiro, a mãe de Rafaela chega ao consultório do ortopedista e traumatologista Luiz Valter de Gouveia. “Ele viu o raio-x, aí desenfaixou a perna da minha filha, viu que já estava infeccionada e falou que era para terem mandado operar de imediato e que não poderia fazer a cirurgia na hora por causa da infecção. Ele passou medicamento para desinflamar e mandou que a gente voltasse com uma semana”, prossegue Lindaura dos Santos em seu depoimento.
Perguntada se a filha reclamava de incômodos por causa da fratura e da infecção, a mãe explica que sua filha não se queixava porque reage de forma diferente à dor, característica comum em portad
ores de distúrbios mentais. Por conta dessa sua condição, o médico especialista alertou que só faria a cirurgia com a presença da psiquiatra que atende Rafaela ou então seria caso para ser encaminhado até Maceió.
“Minha filha e uma vizinha tomaram à frente disso porque eu tomo conta da 'Rafa' e também não posso passar muito aperreio. Elas falaram com a dra. Janilda no CAPS daqui de Penedo e ela disse que não ia acompanhar porque não havia necessidade disso”, declarou a mãe da paciente sobre a alegada recusa da médica psiquiatra Janilda Almeida.
O período entre 31 de janeiro e 06 de fevereiro chegava ao fim sem a certeza sobre a realização da cirurgia e ainda com mais gastos (fraldões para Rafaela, mantida sobre uma cama, sem poder se locomover nem para fazer suas necessidades) para a família de baixa renda.
“Felizmente, o enfermeiro do posto de saúde do Raimundo vinha todo dia aqui na minha casa para aplicar a injeção e trocar o curativo”, ressalta Lindaura dos Santos que retornou com a filha na segunda-feira, 07, para nova consulta com dr. Valter. “A perna já estava boa, sem infecção, mas como a médica que atende ela no CAPS disse que não ia acompanhar a cirurgia, ele disse que não faria a operação porque poderia se agitar na hora”.
“Alguém disse que o jeito era procurar a justiça”
“Minha filha e uma amiga foram na Secretaria de Saúde, o pessoal atendeu, tentou algumas soluções, mas não conseguiram resolver, aí alguém disse que o jeito era procurar a justiça”, acrescenta a mãe da paciente que não conseguiu, a princípio, nem as fraldas descartáveis porque a distribuição atende apenas família com renda de até um salário mínimo, segundo relato da filha e da vizinha.
Sugestão acatada, na terça, 08, Conceição dos Santos (filha de Lindaura) e a vizinha Silvaneide relatam o caso de Rafaela ao promotor de justiça Eládio Estrela. “Ele ficou indignado com a situação da minha filha, mandou fotografar e disse que a Secretaria de Saúde tinha 24 horas para fazer essa cirurgia. Eu sei que na mesma terça-feira, chegaram dez pacotes de fraldão e um encaminhamento para a operação realizada na segunda, dia do aniversário da Rafa”, disse a mãe, já aliviada.
De acordo com o relato da filha mais velha que acompanhou Rafaela até Maceió, a procedimento foi acompanhado por quatro médicos e demorou cerca de quatro horas. “Ela não ficou com platina externa, mas ainda não sabemos quais vão ser as sequelas por causa dos problemas que ‘Rafa’ tem de locomoção e devido à demora em ser operada. Ela recebeu alta ontem (quarta, 16), mas terá que voltar para o Hospital dos Usineiros no próximo dia 28”.
“Eu espero que a Secretaria de Saúde melhore o atendimento porque eu só tenho mais dois pacotes de fraldas, amanhã se acaba e não posso comprar. Se não fosse pelo promotor de justiça, ainda hoje a gente estava esperando por essa operação. Acho que muita gente em Penedo está morrendo por falta de assistência, eu agradeço muito ao promotor”, concluiu Lindaura dos Santos.
Secretária de Saúde esteve na redação do aquiacontece
Antes de publicar a matéria, a reportagem do aquiacontece.com.br tentou falou com a Secretária de Saúde de Penedo, a fisioterapeuta Geonice Rocha Peixoto, mas não obteve contato porque a secretária estava em uma reunião na cidade de Porto Real do Colégio com outros secretários municipais da mesma área na manhã desta quinta-feira, 17.
De volta a Penedo, Geonice esteve na redação do site e apresentou sua versão para o caso Rafaela. De acordo com a secretária, a situação da paciente só chegou ao seu conhecimento no dia 08 de fevereiro e como tem sido sua prática desde que assumiu o cargo há três meses, tratou de tomar as medidas necessárias para garantir assistência.
Entre as iniciativas colocadas em prática, Geonice mostrou cópia de ofício nº 061/2011, enviado e recebido pela Santa Casa de Misericórdia de Penedo no dia 09 de fevereiro pela unidade hospitalar conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e habilitada para a realização de procedimentos cirúrgicos.
O documento solicita informações sobre “a capacidade e a possibilidade técnica” do referido hospital “em realizar cirurgia ortopédica em paciente com transtorno psiquiátrico, bem como a respeito da existência de médico e equipe técnica disponível para a realização da referida cirurgia”, conforme o que está escrito no texto do ofício que pede resposta urgente, dada à gravidade do caso.
A resposta apresentada de forma manuscrita à direção da unidade hospitalar por Luiz Valter de Gouveia, o médico que atendeu Rafaela e faz cirurgias no Hospital Regional de Penedo, unidade da Santa Casa de Misericórdia, informa que “no momento do 1º atendimento (realizado no dia 31 de janeiro N.R.), encaminhei por escrito, em mãos de familiares a referida paciente para Maceió”, informação omitida pela mãe de Rafaela durante a entrevista ao site.
Ausência de estrutura e de profissionais no Hospital Regional de Penedo
O ortopedista e traumatologista justifica o encaminhamento por conta da “ausência de estrutura e profissionais no Hospital Regional de Penedo para atendimento cirúrgico e pós-operatório imediato para tal paciente psquiátrico”, segundo a cópia apresentada do texto datado de 09/02/2011, com carimbo e a assinatura do médico especialista, inclusive com hora assinalada (16h25).
A secretária já havia até conseguido uma psiquiatra para acompanhar a paciente, assistência que a dra. Janilda Almeida – médica do CAPS Penedo citada na entrevista com a mãe de Rafaela – não fez porque não tem a obrigação de prestar acompanhamento integral aos pacientes, durante 24 horas, conforme reza a legislação.
Geonice Peixoto se viu diante de uma nova demanda e apelou para profissionais da área de saúde em Maceió, contatos que garantiram a cirurgia no Hospital dos Usineiros, independente da ação movida pelo MPE e acatada pela justiça que ainda não foi oficialmente notificada à Secretaria de Saúde de Penedo, segundo a titular da pasta.
A família de Rafaela Santos foi comunicada em 09 de fevereiro que a cirurgia seria realizada em Maceió, única cidade de Alagoas com unidade hospitalar com capacidade para atender casos da complexidade da paciente em questão. No dia 10, todos os exames foram encaminhados pela Secretaria de Saúde de Penedo à equipe responsável pelo atendimento para garantir o tempo necessário à análise do material a ser utilizado na cirurgia que transcorreu conforme relato descrito pela família da paciente.
Sobre a reclamação relacionada à entrega de fraldas descartáveis, a secretária informou que o material não é do tipo estocado na pasta, mas sua entrega foi garantida por conta da necessidade do caso, assegurando ainda o retorno de Rafaela ao Hospital dos Usineiros no próximo dia 28. Além disso, Geonice Peixoto explicou que a burocracia do sistema público impede o atendimento imediato de determinadas demandas, principalmente de alta complexidade.
Apesar disso, ela afirma que conseguiu aumentar em 50% o encaminhamento de exames de alta complexidade durante sua gestão e ainda o aumento da distribuição de remédios ‘crônicos’, despesa que passou de R$ 12 para R$ 20 mil por mês. “Nós não estamos nos omitindo, estamos nos esforçando para resolver problemas como esse da Rafaela e dos outros casos que tem chegado diariamente à Secretaria”, finalizou Geonice Peixoto.