Uma das marcas do carnaval brasileiro é o uso de fantasias, desde produções luxuosas para bailes aos rústicos trabalhos caseiros, como as máscaras trabalhadas com goma ou cola escolar, papel e tinta, peças encontradas entre os foliões de Igreja Nova. A tradição dos ‘caretas’ na cidade situada na região do Baixo São Francisco é antiga, conforme relato de idosas que participam da brincadeira desde a infância.
Buscando preservar o gosto pela brincadeira, a Secretaria Municipal de Cultura incentivou a produção das máscaras, adquirindo centenas de ‘caretas’ para distribuir no carnaval.
As máscaras produzidas por artistas locais, como José Amauri Mota, 22 anos, mais conhecido como Gurgel, são feitas a partir de moldes de cimento e pintadas com tinta óleo e esmalte sintético, o que garante maior durabilidade às ‘caretas’ que vende por R$ 4 ou R$ 5.
Em 2010, ele vendeu 250 máscaras e antes do carnaval deste ano já havia comercializado 150 unidades das peças feitas em casa. De acordo com relato colhido pelo coordenador cultural da secretaria municipal, Júnior Dantas, o ofício que completa a renda do jovem artesão foi ensinado pelo pai, ‘seu’ Toinho, o que o torna um legítimo herdeiro da tradição passada pelo avô. O ancestral de Gurgel é dos tempos em que as ruas de Igreja Nova eram tomadas por ‘tropas’ de caretas nos dias de carnaval.
Mané Serralheiro
Segundo Onorina dos Santos, 81 anos, a dona Nãna, seu esposo (Manoel Francisco dos Santos, o Mané Serralheiro), nascido em 1918 e já falecido, foi um grande carnavalesco e um dos responsáveis por espalhar o costume do uso de máscaras. O casal produzia as ‘caretas’ e passou a receber pedidos, demanda da peça que tomou conta do carnaval de Igreja Nova e gerou a necessidade de produção a partir de fôrmas, à época feitas com barro.
Os moldes eram tão perfeitos que os demais fabricantes de máscaras compravam fôrmas ao Mané Serralheiro. Onorina dos Santos conta que cobria as mascaras com papel cortado em tiras que estava de molho, colocando os pedaços sobre o molde, untando com goma as últimas camadas. Colocadas para secar ao sol, inclusive pelo lado de dentro, a máscara pronta era cortada e pintada.
Bois, jaraguás, la ursa, sapo e cabeças
Entre as ‘caretas’ vendidas quinze dias antes do começo da festa, havia bois, jaraguás, la ursa, sapo e variadas formas de cabeças. Quem viveu esses dias foi Olga Santos, 81 anos, ainda hoje uma das mais animadas foliãs de Igreja Nova. Ela contou ao coordenador cultural que não perdia um dia da festa e participava do ‘casamento dos caretas’, um similar do casamento matuto celebrado durante o Reinado de Momo.
Olga relembra ainda do Clube das Ciganas, com a letra do hino da agremiação na ponta da língua. Vestidas com túnicas, as mulheres saíam às ruas de Igreja Nova para brincar o carnaval. Contemporânea de Olga Santos, Geruza Farias, 82 anos, também caía na brincadeira, “cada noite com uma fantasia colorida diferente”, diz em seu relato.
O capricho na fantasia lhe garantia o primeiro lugar nos concursos realizados, garantiu em seu depoimento. Muitas dessas farras eram acompanhadas por Maria Braúna, 77 anos, uma das amigas de Geruza que revelou um dos segredos da juventude.
Truque para vestir a fantasia
“A gente dormia na casa de amigos para no outro dia vestir a fantasia de careta e sair na rua sem ser reconhecida”, confidenciou Maria Braúna. As senhoras dizem ainda que, para arrecadar dinheiro, bastava chegar com um “jaraguá” (figura típica do folclore alagoano) nas casas e bater à porta.
“Era só abrir a boca do bicho que o pessoal colocava dinheiro”, diz Maria Braúna sobre a estratégia usada mais comumente nos dias atuais por grupos de por ursos (ou la ursa), papa-angu ou boi de carnaval. As idosas citaram ainda figuras folclóricas da época, a exemplo de Pedro do Macaco, a Turma do Caixão e o Jumento Enfeitado.
'Caretas' atrás do trio
O número de grupos diminuiu, mas o uso das máscaras durante o dia em Igreja Nova persiste, inclusive em meio ao mais moderno equipamento cultural utilizado nas festas populares dos dias atuais, o trio elétrico. Em meio aos foliões padronizados com a camisa do bloco, os ‘caretas’ surgiam aqui e ali, pregando peças e aprontando alguma brincadeira com o mesmo espírito que levou ao surgimento do folião que se aproveita do disfarce para cair na folia.