Bom dia, meu filho! Quanto tempo não o vejo. É um enorme prazer revê-lo. Fico deveras sensibilizada com a sua gentil atenção. Devo fazer-lhe uma observação. Parece-me mais apropriado, em face da carga quatrocentão que carrego nas costas, perguntar-me não como estou, mas onde me dói. Suportando os achaques da velhice, terrível e temido carrasco, tornam-se insuportáveis companhias do dia- a- dia. Não destoando desse terrível fado, tenho enfrentado o mais desfavorável astral dos últimos anos. Não sei como tenho conseguido, na minha idade, suportar tantos dissabores e dificuldades. Angustia-me ver tantas carências e não poder atendê-las, prisioneira que me encontro pela perversa dívida a emperar toda a máquina da minha administração. Quê breve trégua às minhas aflições traz-me a sua presença neste dia primaveril, céu azul e agradável brisa. Sinto a leveza interior e o meu corpo parece flutuar. Será você o mensageiro das boas novas?
– Sei muito bem das suas tribulações. Exatamente por isso e sabê-la presa do desespero pela impotência de ação para atender, mesmo em termos relativos, os anseios da sua gente, que resolvi fazer-lhe um fuxico. Você sabia que o anterior prefeito, seu algoz, foi agraciado com o prêmio de gestão pública? Tenho aqui exemplar do jornal extra, edição de 11 a 17 de junho do ano em curso, que traz a notícia a respeito. Permita-me fazer-lhe a leitura de um trecho. “O premio José Aprígio Vilela escolhe anualmente seis municípios alagoanos que se destaquem em ações de educação, saúde, apoio ao micro e pequeno empresário, inclusão social e principalmente gestão pública responsável, moral e legal.” Gostou?
– Não sabia. Estou incrédula e abismada com tamanho estapafúrdio. Deixe-me respirar fundo. Pronto, já recobrei a naturalidade e a patifaria já não me incomoda e causa espanto. Você não espera, com a minha idade, que as ações humanas, seja qual for o grau ou a tonalidade, causem-me por muito tempo revolta e indignação. Nossos sentimentos são promíscuos e confusos. Vivemos o avesso dos valores. Disso resulta que o absurdo e as desagradáveis surpresas anestesiam-nos e fluem com normalidade no rio de águas turvas da desilusão. Os grandes impactos emocionais, a comoção pública que se repete, faz com que o homem passe a digeri-las com certa frieza. O prêmio em referência, sem a mínima seriedade, tem a virtude de revestir-se do mais puro cinismo e uma patetice de quem o recebeu. Afinal de contas, qual o valor de certas homenagens e elogios? A propósito, dizia um filósofo alemão que o elogio era uma moeda falsa e, como tal, economizá-la seria uma falta de bom senso. Se seriedade houvesse, fazia-se necessário que algum componente a fazer parte da escolha do homenageado viesse visitar-me. Aqui chegando, com um olhar crítico, atento e honesto a captar toda a minha miserabilidade, teria recomendado o prêmio de abacaxi de calamidade pública.
– E o mais gozado é que seu atual gestor, herdeiros de uma herança maldita, foi representá-lo. Como você classificaria semelhante gesto?
– Diria, no mínimo, que lhe faltou o senso do ridículo.
Assim acho também. Suas palavras foram bem apropriadas para espinafrar o pseudo prêmio. Por outro lado, admira-me, como mulher vaidosa, a coragem em admitir a deformidade da sua imagem. Suas artérias, principal vitrine, encontram-se em estado deplorável. Até parece que você está edificada em areia movediça. Feito um remendo hoje, a próxima chuva faz voltar ao estado anterior. Sinceramente, dada a gravidade do problema, acho que você deve criar a BUROCOBRÁS, treinar pessoal competente para que possa realizar um trabalho eficaz e duradouro . Os condutores e proprietários de veículos agradecem. Somando-se esses entre tantos outros problemas tortos e torturantes à paciência do penedense, temos a secretaria da saúde, uma das mais importantes por prestar assistência às pessoas mais carentes, em estado de coma. Se ainda consegue abrir os olhos e dar uma passada, faz em estado de inconsciência, ignorando que está praticamente morta. Qual a razão dessa catástrofe? Sem dúvida, a má gestão dos recursos financeiros.
Pelo que estamos informados, você se encontra com a corda no pescoço. E o que nos chama a atenção é que desconhecemos as razões do seu endividamento. Não percebemos a destinação de recursos que a justifiquem em qualquer setor da administração. O que vemos, em sentido inverso, dentro de uma lógica perversa, é que o dinheiro nunca visto tornou-se maligno, servindo tão só para torná-la cada vez mais miserável. Até parece que foi uma dívida contraída com a mancha pecaminosa da subtração, dela resultando um carrasco a espalhar o caos. Um carrasco que zomba e exulta com a sua feiúra, minha amiga Penedo. Sua imagem quase chega a ser repugnante. Veja o aspecto central do seu corpo. O comercio, em algumas ruas, faz-nos lembrar uma cidade medieval. Quanta falta de higiene e elegância! Parecendo ter sofrido um bombardeio e sepultada pelos estilhaços, agora surge em apavorante forma fantasmagórica da tumba dos mortos. Você, de fato, com as minhas desculpas, exibe um rosto cheio de espinha e feridas pustulentas. Que náusea!
– Basta, meu prezado amigo. Das minhas misérias, sofrimentos e desilusões ninguém sabe mais do que eu. Você, mesmo que esteja a dissecar-me com todo o realismo, está faltando com o cavalheirismo. Onde está sua sensibilidade? Acha que são poucas as minhas aflições para querer dilacerar-me ainda mais?
– Com as minhas desculpas. Acontece que toda tragédia que atualmente atravessa, você é a única culpada.A sua longa existência não foi capaz de transformá-la numa sábia. Falta-lhe o dom da observação para distinguir o joio do trigo, dando-nos a impressão já estar a sofrer os efeitos da senilidade. Para abrir-lhe os olhos despertá-la do infame torpor para enxergar a realidade, levantar-lhe o moral e o amor próprio, nada mais apropriado do que uma enérgica bordoada.
– Está bem! Dou a minha mão à palmatória. No passado ou eu era mais esperta ou fui premiada pela sorte. No enfadonho e elástico curso da minha vida, tive dezenas de prefeitos. Dizem que os velhos têm o costume de glorificar o passado. Na verdade, eles expressam apenas a verdade do seu tempo. Os meus gestores do passado, por exemplo, eram de fato portadores de princípios de moralidade. Os mais recentes, não sei se porque vivemos a inversão de valores, não passam, com raras exceções, de picaretas que têm como único objetivo surrupiar-me. É incrível! Parece que eles trazem no gene o estigma da corrupção. Acontece que lamentações não movem coisa alguma e não adianta lamentar o leite derramado.
Fiquemos por aqui. Precisamos encontrar a solução. A primeira, sem dúvida, é o saneamento financeiro, sob pena de ficar indefinidamente estagnada. Gastar só com o estritamente necessário. Festividades, a galinha dos ovos de ouro dos picaretas, nem pensar. Mão a obrar! Otimista que sou, espero que tudo aconteça da melhor forma possível. Que eu seja, por fim, resgatada das noites escuras das minhas insônias, pesadelos e assombrações. Que eu seja presenteada com uma cirurgia reparadora de toda feiúra e deformidade, pesado fardo que há muito estou a aturar com insuportável vergonha e humilhação.
– É o que todos esperamos. Que o ilustre prefeito Israel acerte o passado. Que queime os neurônios para ser recompensado com a inspiração que aponte o caminho da claridade capaz de contornar a enxurrada das nossas infernais adversidades. Já é hora de mostrar medidas de impacto que nos acenem com uma ponta de esperança. Nós, penedenses, somos seus legítimos julgadores. A sua avaliação não será gratuita, com a habitual subserviência dos bajuladores. Não teremos nenhum pejo em apupá-lo caso torne-se um fiasco às nossas expectativas, assim como não seremos parcimoniosos para aplaudi-lo pelo acerto das suas decisões