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Tropa de Elite 2

O primeiro filme Tropa de Elite (2007), agregou à nossa cultura bordões como: 'Pede pra sair', 'Tu é muleque', dentre outros. Abordou o treinamento intensivo e brutal das máquinas de matar do BOPE, onde o Capitão Nascimento foi visto (por muitos) como uma figura heróica, comandante de uma guerra contra o tráfico no Rio de Janeiro, enquanto lutava contra seus conflitos pessoais.

Os 'vilões' da história eram os traficantes, enquanto os policiais do BOPE, com sua violência fria e truculenta, eram os soldados mocinhos desta guerra. Porém para bom entendedor, percebia-se a crítica implícita à eficiência de toda essa violência no combate à violência civil e o quanto a sociedade precisa desta mesma violência para tratar o problema.

O primeiro filme também mostrava que, ironicamente, a classe média e alta que mais protesta contra os índices de violência, é, talvez, a que mais alimenta o sistema do tráfico, com os playboyzinhos que compram o mesmo produto causador de suas hipócritas reclamações. Pra piorar, os baixíssimos salários dos policiais contribuem para a ineficiência e consequente corrupção da Polícia Militar, deixando o trabalho para o BOPE, que no próprio filme é mostrado como a 'polícia da polícia'.

Nesta continuação, do mesmo diretor, José Padilha, percebemos claramente um amadurecimento das ideias políticas propostas pelo roteirista Bráulio Mantovani, que mostra que na verdade os inimigos não são diretamente os traficantes das favelas, mas que há um sistema muito mais complexo por trás de tudo isso, cuja engrenagem motriz é a política.

Agora temos o coronel Nascimento (Wagner Moura) enfrentando, como aponta o subtítulo do projeto, outro inimigo: a política. Depois de comandar uma operação mal sucedida em Bangu I que resulta num massacre, Nascimento se torna um problema para o governador do Rio de Janeiro: por um lado, é exonerado para aplacar a mídia; por outro, é promovido a subsecretário de segurança (como o personagem fala, 'Cair pra cima'). Depois de aparelhar o BOPE e transformá-lo numa verdadeira máquina de guerra, o coronel interrompe o tráfico na cidade, mas, sem saber, propicia a ascensão de uma milícia nascida dentro da PM que, explorando a falta de poder do Estado, aterroriza as favelas para extorquir seus habitantes, transformando-as também em autênticos currais eleitorais. Sem perceber o que está acontecendo, Nascimento se vê atormentado por problemas pessoais e pela pressão exercida por um político de esquerda, o deputado Fraga (Irandhir Santos), cuja visão idealista acerca dos direitos humanos frequentemente gera embaraços para a polícia.

Assistindo o filme, não pude deixar de lembrar um documentário que assisti a um tempo chamado Manda Bala (Send A Bullet). Ganhador de vários prêmios, inclusive o Grande Prêmio do Juri em Sundance e que mesmo assim não permitiram que fosse exibido nos cinemas brasileiros, caindo na obscuridade. O documentário produzido por americanos (dirigido por Jason Kohn) e filmado em São Paulo mostrava a clara relação entre a corrupção política (ilustrada com ex-presidente do Senado Jáder Barbalho) e a problemática da violência, mais especificamente uma de suas mais assustadoras consequências: o sequestro.

E Tropa de Elite 2 segue a mesma linha de pensamento do documentário, porém de forma mais abrangente, complexa e de quebra com muita ação. Um filme inteligente, ácido, provocante, ousado, cru e intenso. O filme é conduzido como uma ficção (sua frase de início deixa isso bem claro, porém de forma irônica), mas que sabemos perfeitamente que é mais real do que gostaríamos que fosse. Tão real que é impossível não comparar o apresentador de televisão hipócrita e populista que usa isso para conquistar seu cargo político e está envolvido em toda a sujeira que tanto critica, usando a mídia como instrumento de seus interesses (em nosso próprio estado temos vários exemplos…).

Padilha também consegue incrivelmente mostrar a situação por diversos pontos de vista, mesmo tendo um protagonista como narrador da história. Inclusive o ponto de vista dos próprios políticos e bandidos, oferecendo mais argumentos para uma análise crítica aprofundada. E do ponto de vista do protagonista, o Coronel Nascimento, acompanhamos seu drama pessoal, sendo engessado pela burocracia do alto escalão, sua revolta em querer resolver o problema e ver que seus inimigos estão ao seu lado, e pra piorar, seus problemas de relacionamento com seu filho que o considera uma pessoa truculenta e o compara o tempo todo com seu padrasto, que pensa de forma oposta, sempre preocupado com os Direitos Humanos o que irrita mais ainda Nascimento.

Do ponto de vista técnico, Tropa de Elite 2 não deixa nada a desejar e dá uma grande lição de como produzir um filme sem efeitos especiais em computador, com uma fotografia crua e urgente, uma excelente direção, som, montagem, direção de arte e interpretação de seus personagens. Sem eufemismos e frases bonitas (no início do filme Nascimento ironiza esse clichê com uma ótima frase), pelo contrário, uma linguagem fria e cotidiana .

Um conjunto de minúcias que eleva o filme a um patamar conceitual nunca antes alcançado pelo cinema brasileiro, e indo de encontro ao patriotismo irracional americano, Tropa de Elite mostra tudo de forma clara e ácida, rasgando a barriga e mostrando as entranhas do problema sem o frequente medo de empresários ou dos grandes estúdios produtores de filmes que interferem no resultado final. Ainda por cima, consegue manter um ritmo incansável e com humor na dose certa.

Tropa de Elite 2 é um filme obrigatório para todo brasileiro (assim como os documentários Manda Bala e outro muito bom sobre o Pré-Sal, O Petróleo é Nosso), principalmente para aqueles que vivem criticando o governo, mas sempre esquecem que os políticos só estão lá por nossa culpa. E quem prestar bem atenção perceberá a crítica direta de Padilha que mostra o Governador do Rio sendo reeleito pelo povo e como isso é feito junto à manipulação da mídia e as famosas queimas de arquivo.

Há momentos no filme em que o Coronel Nascimento incorpora cada um de nós brasileiros revoltados, e nos dá um breve momento de expurgação, vezes espancando um Governador corrupto, vezes denunciando abertamente todos os envolvidos no sistema. Infelizmente, ao contrário do resultado no filme, na vida real esses mesmos políticos não tem o mesmo destino que gostaríamos. E talvez nesse ponto Padilha nos dê outra lição, a da esperança; de que é possível continuar sendo honesto e íntegro e algum dia conseguir mudar o sistema, o verdadeiro inimigo da sociedade.

Na sala de cinema que assisti as pessoas aplaudiram muito ao término do filme. Mas acho que ao invés de aplaudir, as pessoas deveriam permanecer em silêncio para refletir. Refletir bastante, principalmente pela nossa própria culpa em tudo isso…