Caneta de Aquiles 01
Conforme o prometido no meu primeiro post, “Pilombeta de Aquário Um”, aqui vai o que convencionei chamar de CANETA DE AQUILES. Nada melhor do que começar a semana com um excelente artigo do Aquiles Reis (MPB4), para uma figura emblemática da cultura do país do futebol. Os escritos do Aquiles também são publicados no Diário do Comércio (SP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), A Gazeta (Macapá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas), A Gazeta (Macapá) e no Brazilian Voice (uma publicação voltada para os brasileiros residentes em toda Costa Leste dos EUA).
No +, MÚSICAEMSUAVIDA!!!
Quarenta anos sem Torquato Neto
Éramos jovens cheios de sonhos grandiosos, neles encaixávamos nossas utopias. Ainda que tímido, Torquato era como o bastião desses devaneios, o espelho através do qual nos tornávamos imagem e semelhança de um mundo ideal. Cada um de nós seguia o caminho que lhe parecesse mais rápido. Tínhamos pressa de chegar lá… mas poucos sabíamos onde era esse “lá”.
Apesar de divididos em grupos que às vezes pouco se comunicavam entre si, nós, que não éramos da praia dele, sabíamos que o mundo das palavras era de Torquato Neto. Muitos víamos que dele era o mundo dos sons. Muitos críamos que dele era o mundo de todas as virtudes. Muitos sentíamos que nele vivia a pura beleza. Muitos admitíamos inveja por vê-lo em seu mundo de toda suprema riqueza. Muitos sonhávamos que seria dele o mundo das cores mais vivas. Muitos aplaudíamos sua sensibilidade feito a de um cego, sua profundidade feito a de um louco, sua pureza feito a de uma criança, sua sabedoria feito a de um sábio. Muitos cantávamos loas a seu mundo de infinita bondade. Sua força, que víamos como hercúlea, espantava. Seus versos mágicos de poeta nos comoviam. Fazia-nos chorar e nos fazia rir, fazia-nos sonhar sempre com a sua palavra límpida, aquele mágico das palavras. Muitos sabíamos que dele viria o inesperado. Muitos víamos que dele seria o mundo que desconhecíamos. Viria dele, pensávamos, o bálsamo para aliviar nossos males. Vivíamos nele nossos sentimentos profundos. Os mais assustadores arrepios nos vinham instigados por ele.
Demos a ele, sempre, o impensado. Outorgamos soluções à sua palavra de poeta. Impúnhamos, sempre, nossos medos a ele, que seria o dono de toda a coragem. Nós ríamos, nós sonhávamos, nos comovíamos e sofríamos, pois acreditávamos que dele era o mundo da misericórdia. E ele, com aquele olhar doce, tudo haveria de compreender, críamos, firme e ingenuamente. Ele, com alma de só compaixão, nos protegeria. De nós mesmos o poeta nos protegeria. Alguém o poeta genial não protegeu? Ora, tínhamos convicção de que não. Se nele aplaudíamos a sensibilidade suprema de um cego, não viria dele, então, o pecado do descaso. Sua coragem vinda de força hercúlea, como que protegida por um escudo intergaláctico, não nos autorizava a proximidade profana.
Ao poeta a palavra. Com a palavra o poeta que há de nos redimir e consolar. Morre o poeta. Que falta nos faz o poeta. Nasce outro poeta; virá com ele, cremos, o acalanto para nossos medos. E o poeta morto? Sabemos hoje que nunca chorou. Foi-se o poeta. Triste poeta genial! Dose letal de inspiração, angústia e solidão.
Torquato matou-se na madrugada do dia 10 de novembro de 1972, no seu apartamento no Rio de Janeiro. Tirando a própria vida, fazendo-a sucumbir ao gás aberto e letal, ele parecia feliz naquela sua última noite. Deixou escrito um bilhete para aqueles que haveriam de cuidar de seu filho: “Vocês aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar”.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
