Meu carnaval foi abstêmio, pois eu queria a possibilidade de, a partir do distanciamento prático e crítico, observar o efeito da alegria induzida
Provavelmente, a pergunta que você mais ouviu na semana que passou tenha sido: “E aí, como foi seu carnaval?” Ainda bem que isso passa, outras festanças vão acontecer (São João, por exemplo) e serão a bola da vez. Digo isso porque quando alguém me fazia tal pergunta, demandava certo esforço respondê-la com a mais absoluta verdade: “foi melancólico, reflexivo e abstêmio o meu carnaval.” Enfim, basicamente o que o mais introspectivo dos meus eus havia planejado, por mais anacrônico que isso possa parecer.
Tolamente tentei isolamento no meio da balbúrdia. Fui para um condomínio onde pululavam à minha volta, noite e dia, fruídos do carnaval em sons e imagens e, ao fechar as portas do meu espírito carnavalesco, a melancolia foi mais rápida, entrou por qualquer fresta e se instalou confortavelmente. Assim, meu carnaval foi melancólico o bastante para que eu não pudesse esquecer de mim.
Foi reflexivo porque, em plena segunda-feira de carnaval, percebi o quanto a modernidade prática é fundamentalmente providencial. O que seria de mim se esta modernidade não estivesse ao meu alcance e eu, através de uma simples combinação entre uma lasanha pré-fabricada e um microondas programável, não pudesse saciar uma fome específica, resolver deliciosamente um problema e, após uma nova condição de saciedade, retornar à minha leitura que, aliás, era a única coisa capaz de amenizar a tal melancolia que havia se apossado de mim bem antes de qualquer quarta-feira ingrata.
Finalmente, meu carnaval foi abstêmio, pois eu queria a possibilidade de, a partir do distanciamento prático e crítico, observar o efeito (às vezes alegórico, outras tantas ridículo) da alegria induzida. Tenho a impressão que o carnaval acontece sempre de fora para dentro das pessoas. Elas ou não sabem disso, ou se sabem preferem assim e assim sendo parecem satisfeitas com tal premissa. Portanto, se assim o é, pois que assim se baste. E tudo bem. Logo, observar o arremedo do arremedo de qualquer coisa que os foliões faziam sem o menor pudor, foi, sem dúvida, apenas o confirmatório da racionalidade humana e sua carência de válvulas de escape.
Antes que alguém tenha dó de mim e comece a pensar, por exemplo, como uma pessoa pode ser tão tola deliberadamente? Esclareço: eu também tive bons momentos neste carnaval. Um deles, quando, fora da modernidade e dentro do que eu não sei, recebi a visita de alguns amigos e seus filhos maravilhosos. Além do prazer de tê-los comigo – o que gerou uma pausa necessária à minha solidão -, eles me ensinaram o jogo da poesia e em pleno carnaval, embora volta e meia encurralados pelo barulho ensurdecedor dos carros aloprados e suas músicas pegajosas, estávamos lá brincando de fazer poesia. De tão simples, a brincadeira me pareceu genial. Consistia na proposição de um tema, e daí cada um dos participantes desenvolvia uma estrofe a partir, ou não, do que havia escrito o primeiro. O resultado, na maioria das vezes, era bastante interessante e, pelo menos na minha ótica leiga, quase sempre poderia ser rotulado de poesia. Guardei todos os escritos, pois, talvez, poesia seja o melhor dos carnavais.
