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O CASO DO PACOTINHO

Esse caso aconteceu em Penedo, manhã de quinta-feira, em um consultório médico bastante conceituado.

Seu José é um daqueles homens do campo, trabalhador, rígido, cuidadoso e envergonhado com as excessivas modernidades registradas na televisão, que ele acompanha diariamente a partir da hora que chega da roça, e da observação da vida que passa em frente à sua varanda, lá no povoado.

Depois de sacolejar na estrada de terra batida em um ônibus que já deveria estar no ferro velho há muito tempo, Seu José e Dona Sebastiana chegaram à histórica e acolhedora Penedo por volta das seis e meia. O tempo “ruge” como diria um famoso comunicador de massas, e Seu José e Dona Sebastiana tinham que estar cedo no Laboratório de Análises Clínicas e depois pegar uma condução para ir ao consultório de seu médico.

Aliás, Seu José e Dona Sebastiana têm um relacionamento de longa data com esse profissional de saúde. Uma verdadeira amizade entre pacientes e médico que vem dos tempos em que, recém chegado a Penedo, o “Dotô” atendia nas férteis terras das palmeiras. Bons tempos em que o médico era, além do profissional de saúde atrás do birô do consultório, o amigo, o confidente, o companheiro que recebia, com humildade os presentes de galinha, manga, laranja, banana e outros produtos como tradução da gratidão das pessoas mais humildes em reconhecimento de algo que hoje tem um nome sofisticado: humanização do atendimento.

E já no consultório, a atendente anuncia a vez do Seu José que foi recebido com um caloroso aperto de mão.

O médico notou, entretanto, que Seu José estava acabrunhado. E indagou:

– E então Seu José, como vai? O Senhor me parece preocupado. Está sentindo algum incômodo?

E o Seu José:

– É “dotô”, eu tô mesmo incomodado. Eu quero dizê ao sinhô que eu fiz tudo direitinho. Tudo do jeito qui o sinhô mandô. A moça lá do laboratoro dixe qui eu truxesse as feze num vidrim. Assim eu fiz. De manhã cedim fui fazê as necessidade. Fiz o serviço, apartei um pedaço, tudo como a moça dixe. Adepois eu tampei e butei numa caixa. Fiz um pacotinho bem amarrado com um papé de fulo que Bastiana tinha lá em casa. O sinhô sabe, nóis qui vem do interior tem qui fazê um pacotinho aprumado sinão as pessoa, se discunfiar, fica mangando né? Assim fiz, peguei o pacotinho e truxe com o maior cuidado. Ninguém disconfiou.

E o médico. Já interessado no destino do pacotinho:

– E então Seu José o que aconteceu?

– Oia dotô, quando nois cheguemo a Penedo, fui cum minha mulé Bastiana até o tal de laboratoro pruquê ela também ia fazê exame de sangue. Acontece qui Bastiana entrou primeiro e quando chamaro minha mulé eu acompanhei pruquê Bastiana é nervosa. Aí deixei o pacotinho assim num cantinho pra eu entregar a moça. E sabe o que aconteceu dotô? Quando eu vortei não tinha nem sinal do pacotinho. Percuramo por todo lado e nada do pacotinho. Tinham robado.

E desolado:

– Por isso to me discurpando com o sinhô. As feze que era para fazer o exame qui o sinhô pidiu foro robada dotô, vê se pode! Até merda tão robando nesse estado e as autoridade nun dão jeito não. Onde vamo chegar desse jeito?

O médico ficou sem palavras e a bloqueira pensando: como seria prestar uma queixa sobre o roubo do pacotinho? Como seria a investigação? Que qualificação deveria ter um detetive para investigar um caso dessa natureza? E a pena? Teria solução para o crime de roubo do pacotinho ou entraria para o rol dos crimes insolúveis?

Sem seu pacotinho e sem o exame Seu José voltou para o interior, indignado com a falta de segurança nesse país onde se rouba tudo, até um pacotinho de fezes.

Lembrei-me que se o Seu José quisesse prestar uma queixa pelo roubo de seu pacotinho não poderia. A polícia está em greve.

Mas o Seu José já decidiu: da próxima vez que trouxer o pacotinho vai colocar um aviso: CUIDADO. MERDA. NÃO ROUBE!