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O Ano Novo Somos Nós

Apenas um número novo no velho calendário. Ou será o velho calendário com um número novo?

Pela lei natural das coisas, e do calendário gregoriano, 2013 chegou e está aí velhinho em folha. Agora, pergunto eu: e daí? Excetuando-se aquele exato momento da contagem regressiva, onde a euforia coletiva toma conta e parece que tudo vai mudar, como se fosse num passe de mágica (o Brasil é mesmo um país sui generis, na mesma noite, tivemos três desses momentos ilusórios), tudo permanece como dantes no planeta de Abrantes. O cachorro chato da minha vizinha continua latindo insistentemente, a rádio que eu sintonizo permanece repetitiva, os passarinhos ainda acordam mais cedo do que eu, vem o dia, cai a noite e nada mudou, nem vai mudar, pelo menos, não com a intensidade borbulhante das expectativas regadas à champanhe.

Sim, nada mudou, mas precisa mudar. Ah, isso precisa… Do contrário de que adianta saber que somos contemporâneos da tal sociedade pós-industrial e não estamos inseridos em suas vantagens? De que adianta, para um simples propositor como eu, que resolveu viver aqui, a mudança da produção de bens para a produção de serviços, tão evidente no que se convencionou chamar de primeiro mundo? Ou então, de que vale a crescente importância da classe dos profissionais liberais e técnicos, em relação à classe operária, se o nosso Estado é tosco e insiste em andar para trás? Ou, pior ainda, o que significa para os governantes, como diria Dahrendorf, o primado das idéias?

Pois bem, caro leitor, confesso que tenho curiosidade em saber qual seria sua resposta para todas essas indagações. Particularmente, eu diria que a resposta é apenas uma: mudanças! E olhe que esses conceitos, acima citados, foram identificados e teorizados já no final dos anos 60. Portanto, voltando os olhos (tristes, diga-se de passagem) para o nosso balneário, percebo nitidamente (apesar do embaçamento proposital que tentam nos impor) o quanto estamos defasados. Por mais paradoxal que seja, a cada ano que passa, irracionalmente, andamos na contramão da modernidade rumo a um crescente distanciamento das vantagens sociais oferecidas pela realidade pós-industrial. Há mais de 30 anos já se vislumbrava a possibilidade da supremacia produtiva do intelecto em detrimento do mecanicismo. Já se pensava a criação de uma tecnologia intelectual. Ou seja, máquinas inteligentes capazes de substituir o homem não apenas nas funções que requerem esforço físico. E nós o que fizemos? Continuamos cultivando e escravizando analfabetos, liderando os vergonhosos índices negativos do IDH e perdoando descaradamente, fisiologicamente, as imperdoáveis dívidas econômicas e sociais dos usineiros.

Não é que eu seja pessimista, mas, convenhamos, meu ceticismo é justificável. Mais uma vez, o tão esperado ano novo, e sua gloriosa perspectiva de mudanças, não será por si só capaz de mudar absolutamente nada. Como qualquer ano, 2013 ficará restrito à simbologia dos calendários, às intempéries, às previsões astrológicas e sensacionalistas, à luta pela perpetuação no poder da classe política dominante e, como único recurso capaz de uma escapatória para algum tipo de mudança, à micro individualidade de cada um de nós.

Ainda bem que algumas transformações pessoais são capazes de extrapolar o fórum íntimo e gerar mudanças na sociedade. Quando essa capacidade individual se torna real, acende-se uma luz, encontra-se o caminho. Lembro-me do que escreveu o crítico literário Harold Blom: “buscar Deus fora do seu eu é cortejar os desastres do dogma, a corrupção institucional, a malfeitoria histórica e a crueldade”. Embora se trate de uma observação de cunho religioso, serve para o entendimento de que o ano novo não significa nada a não ser que ele exista no eu de cada um. De outra forma, será apenas um número novo no velho calendário. Ou será o velho calendário com um número novo?