×

Fica quem quer

Na carceragem de uma Delegacia, dois presos planejam fugir. Ao anoitecer, um vai ao outro para dizer que tudo está pronto, que a moto, encontrada no depósito ao lado, está preparada para que a escapada seja mais rápida.

O outro preso volta-se, olha a moto e pergunta:

– Mas, Gervásio, o que vamos fazer com uma moto sem rodas?

O Gervásio, com ar de inteligente, responde:

– Elementar amigo. Essa moto não deixa rastro!

Não fosse uma piada, o episódio relataria de forma leve e hilária a situação em Penedo.

Campeã de fugas em Alagoas nos últimos doze meses, a Delegacia Regional deve permanecer líder no ranking e, quem sabe?, talvez até ter sua história transformada em roteiro de um filme que certamente será exibido no “Tela Quente”, resguardando as tradições cinematográficas da cidade.

Na última fuga, conta a vizinhança, os presos corriam resfolegando pela ladeira do Cristo do Oiteiro, subiam em árvores, saltitavam tal qual o Saci Pererê.

Um outro, de perna enfaixada, aventurava-se em um rápido “deixa que eu chuto” e alguns, de forma mais lúdica, embeveciam-se em plena contemplação da beleza do Rio da Unidade Nacional. Um ou dois simplesmente mourejavam nas calçadas numa tentativa vitoriosa de ludibriar seus perseguidores.

Registramos, nesses últimos doze meses, a fuga da primeira “turma”, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a sexta, a sétima…e certamente vamos registrar outras em face ao descaso da Secretaria de Defesa Social com o problema, a cidade e a sociedade penedense ou simplesmente motivadas pelo sentimento natalino.

A forma desrespeitosa como tem sido tratado o problema em Penedo nos leva a uma reflexão sobre a situação atual.

A Delegacia de Penedo foi reformada e ampliada no ano de 1990, no governo Moacir Andrade, quando “O Xerife” era delegado regional da cidade. De lá para cá, nada se fez, a não ser a colocação de uma grade (pelo conselho de Segurança) que teria como objetivo impedir fugas. No início dessa última década foram destinados alguns recursos para “consertos”. Lembro-me bem de uma verba de R$ 50 mil que se perdeu nas perigosas estradas alagoanas. O destino do dinheiro, ou melhor, o esconderijo do dinheiro, nunca foi descoberto, claro, apesar das “diligências”.

Logo na entrada da Delegacia encontramos o inútil prédio construído para ser um IML que nunca foi criado oficialmente nem funcionou. Apesar das promessas dos vários diretores de polícia e dos prazos apalavrados, o “Instituto Médico Ilegal” é o depósito de veículos apreendidos e apodrecidos em meio ao mato e o lixo. Ali, certamente, os criatórios de mosquito da dengue devem ser mais uma preocupação para as autoridades de saúde do município.

No interior, predes sujas, instalações elétricas expostas, tetos manchados pelas infiltrações, cadeiras quebradas, computadores antiquados ou danificados e profissionais desmotivados. De tempos em tempos as fossam estouram e falta água. Na sala de espera, cidadãos desrespeitados, contribuintes burlados na aplicação do pagamento de seus impostos, esperam.

Na carceragem, uma inexplicável condição de sobrevivência de presos em comparação ao que cada um custa para o Estado e, portanto, para os contribuintes.

Antigamente, quando pensávamos em um lugar sujo, dizíamos que era um “chiqueiro de porcos”. Hoje, com os porcos sendo criados em pocilgas que contam até com ar condicionado, fica difícil fazer a comparação com o que se vê na Delegacia local.

Não há discrição possível para as celas da Delegacia de Penedo. Só vendo para crer ou tentando imaginar o que é um lugar úmido, escuro e fedorento onde os presos convivem com ratos, baratas, escorpiões e fezes. No labirinto de túneis escavados para a perpetração de várias fugas, é bem provável que se encontre um Minotauro.

Como se não bastasse, muitos presos estão doentes e alguns com doenças contagiosas. Isso sem falar na fome que é uma assombração permanente com a qual todos convivem diariamente.

Não que alguns não mereçam tal castigo. Não há santos nem dentro nem fora das celas. No entanto, existe um pressuposto inquestionável: o Estado é responsável pelo atendimento ao cidadão em respeito ao conceito de cidadania estabelecido na Constituição Federal.

Presos em fuga representam uma ameaça à sociedade. E o Estado é o responsável pela segurança da população. O artigo 144 da Constituição Federal estabelece que “A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos policiais”…etc..etc..

A “responsabilidade de todos” tem sida cumprida fielmente pelos cidadãos através do pagamento de seus impostos. Riscamos um fósforo, pagamos imposto; tomamos um copo d’ água, pagamos imposto; compramos um quilo de feijão, pagamos imposto; só não temos o direito de impor ao Estado, representado pelos governantes, o direito de nos respeitarem.

E tem mais: entrou em vigor a “Lei da Mordaça”. Antes, alguns profissionais, agentes e delegados ainda se ariscavam a expor para a sociedade, através da imprensa, as condições de trabalho, o medo de morrer em serviço, a falta de investimentos na segurança pública.

Alguns processos na Corregedoria de Polícia castraram o vigor das denúncias. Agora, os policiais lutam apenas pelos seus salários e é compreensível. Foram tomados pela tristeza da constatação de que não podem mudar essa realidade.

E enquanto isso, alguns presos da carceragem da Delegacia Regional de Penedo dão um grande lição de livre arbítrio: -“Aqui, Dona Martha, fica quem quer.”