A primeira impressão que tive ao assistir a versão cinematográfica de Alice no País das Maravilhas foi a de que Hollywood está ficando preguiçosa, tanto nos roteiros, quanto na parte técnica. E esta versão do clássico livro de Lewis Carroll dirigida por Tim Burton demonstra exatamente esta triste fase do cinema.
Enquanto nos maravilhamos com as novas tecnologias de som, imagem em alta resolução, três dimensões, dentre outras, esquecemos da essência de um filme, o que o faz ser uma obra justificável da sétima arte, uma forma de entretenimento que nos envolva magicamente em sua história com seus elementos visuais complementares.
Estamos vivendo a fase do 3D. Qualquer filme hoje, para ter apelo comercial, precisa ser em três dimensões. Concordo com as palavras proferidas por James Cameron em uma entrevista à Revista VEJA que disse que o futuro do cinema é o 3D, já que o ser humano enxerga em três dimensões, e não plano, logo o natural é que o 3D ganhe facilmente o seu espaço.
A diferença é que Cameron tem autoridade máxima para falar isso, visto que ele foi o criador da verdadeira tecnologia 3D em Avatar. Ao mesmo tempo em que, quando assistimos Avatar em 3D ou não, vemos um filme natural que não precisa conter o tempo todo a mensagem embutida: ‘Olhe! Este filme é 3D! Agora vou jogar algo em sua direção para você perceber‘.
E este é o triste caminho seguido por Alice durante toda a projeção. E o pior: todo o filme aparenta ter sido conduzido apenas com o intuito de explorar (ingenuamente) a tecnologia 3D, esquecendo de um bom roteiro e de uma boa dinâmica, tornando o filme bastante enfadonho, tanto para crianças, quanto para adultos.
E para piorar mais ainda, ficou bem claro o quanto Tim Burton está se entregando ao submundo comercial de Hollywood. Posso até imaginar o momento em que a Disney o convida para dirigir um novo filme de Alice: ‘Tim, queremos produzir uma versão em carne e osso do livro Alice no País das Maravilhas, e acreditamos que você é o diretor perfeito para tal filme já que o livro tem um apelo sombrio e subliminar. Só que também precisamos atingir as crianças, visto que lucraremos muito com produtos relacionados ao filme, mas também temos que encantar os adultos. E tudo isso tem que ser em 3D!‘.
O resultado claro é um filme sem foco algum, nem para crianças, nem para adultos, nem para qualquer outro público. Além disso temos o roteiro escrito por Linda Woolverton (O Rei Leão) que misturou a história dos dois livros de Alice, acrescentou os pobres elementos da moda como Harry Potter e finalizou com uma pitada de Hook – A Volta do Capitão Gancho, o que resultou em um roteiro fraco, perdendo a grande oportunidade de aprofundar-se no complexo mundo psicológico de Alice. Burton poderia aprender bastante com Onde Vivem os Monstros, que, na minha opinião, deveria ter sido o caminho seguido neste filme.
Antes de Alice ser lançado, criei muitas expectativas quando soube que era dirigido por Tim Burton. Achei que ele seguiria o caminho de Edward – Mãos de Tesoura e aprofundasse de forma inteligente nos elementos subliminares e simbólicos da complexa história original de Alice no País das Maravilhas. Com certeza teríamos um novo marco em Hollywood. Alice seria um filme com um bom apelo comercial (que obviamente a Disney não deixaria passar batido) mas também encantasse com a tecnologia 3D e fosse sustentado em um roteiro muito intenso que explorasse a fundo cada personagem da trama, o que para mim é o grande trunfo da idéia.
Só que Burton já havia mostrado sinais de fraqueza com os mesmos erros cometidos em A Fantástica Fábrica de Chocolate que ainda conseguiu se sair melhor que Alice. Sem falar na chata insistência de escalar sempre Johnny Depp em seus filmes, o que já se tornou pleonasmo quando se fala em filmes de Tim Burton. Porém quem acaba ganhando a cena em termos de interpretação é Helena Bonham Carter (Rainha Vermelha) que incorporou de forma excelente uma personagem que age impulsionada por seus próprios defeitos, refletindo toda a falsidade ao seu redor. Enquanto isso Johnny Depp se torna uma figura pálida e claramente forçada na tentativa de interpretar um chapeleiro maluco.
E o que falar da protagonista Alice? Esperava ser supreendido pela atriz novata Mia Wasikowska, que não conseguiu abraçar nem um pouco a complexidade de sua personagem, onde, junto aos graves defeitos de planos do diretor, sempre aparece de forma repetitiva e sem nenhuma força de atuação. Por falar em planos (fotografia), fiquei muito surpreso ao ver a total falta de criatividade de Burton chegando ao extremo de repetir duas panorâmicas seguidas na cena em que o cachorro está correndo em direção ao castelo.
Com tantos defeitos, resta somente sentar e curtir a ilusão do 3D que no caso de Alice se torna repetitiva e cansativa, além de percebermos claramente o amadorismo do diretor junto à tecnologia com um 3D artificial feito durante a pós-produção, ao contrário de Avatar que foi filmado já com a tecnologia. Só o que nos resta então é curtir o colorido do filme e a fraca computação gráfica que domina o filme e nos faz sentir saudades do tempo em que Hollywood ainda se dava ao trabalho de produzir maquetes e objetos reais para melhorar a verossimilhança do cinema.