Confesso não ter assistido os filmes de Pedro Almodóvar, mas sei de sua forte reputação. A Pele que Habito foi o primeiro de minha lista, e li por aí que este seu novo trabalho quebra algumas regras de seu próprio estilo. Filmografias à parte, farei então uma análise mais imparcial de seu novo (e perturbador) filme.
Desde que sua esposa foi queimada em um acidente de carro, o Dr. Robert Ledgard (Antonio Banderas), um iminente cirurgião plástico, interessou-se em criar uma nova pele com a qual ele poderia tê-la salvo. Depois de 12 anos, ele consegue criar uma pele artificial que é um escudo mais forte do que a pele humana original. Robert realiza os testes em uma cobaia humana, Vera (Elena Anaya), que mantém aprisionada em sua casa.
A Pele que Habito é um filme perturbador, tanto por seu constante clima de frieza e suspense, quanto às várias dúvidas que aos poucos vão sendo respondidas durante a projeção. A fotografia acompanha a obsessão e frieza de Dr. Robert e a forma sádica com que cuida de sua cobaia humana, Vera, ora tratando-a de forma descartável, ora revelando uma atração amorosa.
Vera possui uma forte semelhança com sua ex-mulher morta em um acidente, o que mostra que, muito além da busca de uma pele artificial humana perfeita, Dr. Robert também busca manter a imagem de sua mulher literalmente viva ao seu lado.
Sem nenhum pudor em mostrar o corpo nu de Vera (ao contrário de muitas obras hollywoodianas), Almodóvar exibe o corpo da cobaia como uma obra de arte da medicina, um estágio da perfeição humana, uma pele perfeita, um corpo perfeito, porém artificial. Sem apelo sexual, porém com uma forte beleza, quase uma escultura viva.
E a história, aos poucos, vai se tornando cada vez mais bizarra e doentia, com estranhas ligações entre os personagens, rumo a uma revelação surpreendente. Obviamente não vou revelar muitos detalhes que possam estragar a surpresa, então pularei logo para uma análise mais filosófica do filme.
Com uma estrutura narrativa em três atos não lineares, Almodóvar explora a artificialidade da beleza em nosso tempo, além da relatividade do sexo no ser humano. Sexo aqui neste contexto, leia-se masculino/feminino. Não adianta criar um corpo da forma que se queira, como para atender sua necessidade doentia de manter a imagem de sua ex-mulher viva, se seu verdadeiro conteúdo é impossível de ser mudado. Dr. Robert acaba se apaixonando por sua cobaia e mantendo-a como sua mulher, apenas iludido por sua aparência física, mas ignorando a verdade de sua origem.
A busca por uma pele humana melhorada surge de um trauma egoísta, pessoal, mas sendo o meio necessário que beneficiará a todos. O domínio psicológico e o cárcere de sua cobaia ressaltando a relação de poder homem/mulher invertida através de uma assustadora punição para Vera.
O próprio título do filme carrega sua filosofia: A pele que habito, ou seja, Vera é apenas uma consciência humana que habita um corpo que nem é seu. Habita presa, tanto mentalmente, quanto fisicamente.
Até o momento da surpreendente revelação o filme continua impecável, porém me surpreendi de forma negativa com seu desfecho final, que no meu caso foi bem previsível e achei bastante simplório. Infelizmente seria um filme irretocável se seu final fosse um pouco mais complexo e explorasse mais a temática polêmica do filme.
Ah, e se você, depois de saber quem realmente era Vera, começar a ter repúdio de sua relação com Dr. Robert, comece a repensar seus próprios conceitos…
P.S.: O nome da atriz coadjuvante é Marisa Paredes. Seria uma parente minha?