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A morte é como a vida…

Tenho sentido sua presença desde o meu nascimento, afinal, foi ela quem me fez receber o nome de batismo e paradoxalmente me tem ensinado as lições mais surpreendentes nesta vida.
Cruzo com ela todos os dias, falo seu nome a cada momento, pois ela faz parte de quase todas as notícias veiculadas no cotidiano de minha profissão.
Quando acordo, ela está presente nas lembranças. Quando durmo, levo-a comigo na saudade que não sou capaz de sufocar.
Ás vezes, como agora, sinto-a presente, observando-me, projetando-se sobre mim, inquieta, ainda sem permissão para decidir quando nos encontraremos no ato final dessa história.
E ela está sempre ali, cruzando comigo no vai e vem das certezas e incertezas insondáveis da vida.
Olho em volta e ela está ali. Fecho os olhos e a vejo no meu passado e no meu presente. Ela está sempre ali, à espreita, como se pudesse, ao mesmo tempo em que me ameaça, proteger-me.
E sem pedir licença me faz companhia na sala, percorre todos os cômodos da casa e da minha alma, e ri, e chora comigo, sem pudor.
Esta manhã estive com ela. Mais uma vez nos enfrentamos. Irritada, solidária com a dor que testemunhava e o desperdício de sonhos espalhados no asfalto molhado, recriminei-a, cobrei razões e ela não me respondeu. Indiferente, apenas deu de ombros e, sem pressa, desapareceu na primeira curva do caminho.
Esta tarde esteve comigo, lembrou-me dessa certeza de que nunca, nunca mais verei aqueles a quem amo.
À noite, sentou-se ao meu lado e me observou profundamente, fitou-me demoradamente e acenou em despedida, como se ao ir embora, silenciosamente me condenasse a viver.
Observo sua arrogância e sinto que me espreita e desafia. Balança as estruturas da fortaleza que construí em torno de minhas fraquezas e desestrutura sentimentos e convicções.
Ao rondar e insistir na definição dos meus caminhos deixa-me a sensação de inutilidade. Afinal, quem sou e para onde vou? De que adianta ser se de repente, simplesmente de repente, ela decide em que ponto do caminho vou parar, sem avaliações, sem avisos, sem observar nenhum critério, prazo, expectativa, esperança, sonho ou possibilidade?
Desse duelo diário entre mim e ela, sobram dores, saudades, sentimentos contraditórios, sensações que se avolumam e buscam ocupar espaços hoje vazios por amores não consolidados, projetos interrompidos e sonhos e esperanças que se perderam na penumbra de sua presença.
A morte é como a vida: doce e cruel, sem medida.