×

A FELICIDADE MORA AO LADO

Certamente não é da China que vem essa epidemia que atinge os verdadeiros defensores da nossa cultura

A frase “a felicidade mora ao lado” cai como uma luva quando se trata do reconhecimento do público a seus artistas locais e suas produções culturais. Aqui ao lado, a capital do frevo fervilha alegoricamente colorida ao som do baque do Maracatu. É a força da cultura pernambucana oxigenada pela juventude que descobre suas raízes e canta, conectando-se com o mundo através de sua arte popular. É tamanha essa força que já cai por terra a barreira burra e preconceituosa de que santo de casa não faz milagre. Espaços como o Maluco Beleza (com capacidade para 7.000 pessoas) lotam com o público prestigiando seus artistas. Grupos como o Maracatudo, Cabra Alada, Mestre Ambrosio, Cordel Do Fogo Encantado ou Dona Selma do Coco, não precisam sair de Pernambuco para serem reconhecidos e conquistar o respeito, a admiração de sua gente. Neste cenário, novos personagens não param de aparecer. Emergem do caldeirão borbulhante que Chico Science deixou fervendo a partir do movimento Mangue. São inúmeras vertentes que vêm principalmente das favelas, onde os índices de criminalidade caíram na proporção exata em que cresce o interesse dos jovens pelos Tambores de Alfaia. Canais são abertos através da música, dando-lhes o direito de expressão e a possibilidade de serem reconhecidos e, mais do que isso, compreendidos.

Algumas figuras são importantes neste contexto e sabem que Mário de Andrade tinha razão. Para uma expressão cultural se tornar universal é preciso ser autêntica e falar a linguagem de sua aldeia. Essas pessoas têm um compromisso sério com a cultura a qual pertencem. Participam de maneira especial desse universo, incentivam, valorizam e, acima de tudo, abrem as portas para o novo. Uma delas é o Zé da Flauta. Ele é uma espécie de descobridor de talentos. Um guru credenciado pelo o que já produziu, por sua visão aberta para as novas tendências, pelo diálogo fácil com os vários segmentos da cultura nordestina. Como garimpeiro é também capaz de lapidar a pedra bruta, não no sentido de transformá-la, mas para fazê-la luzir, como fez com os grupos Cascabulho e Querosene Jacaré. Interlocutor freqüente de Ariano Suasuna, ele trabalha para que o eco dos artistas comprometidos com a cultura pernambucana reverbere de dentro para fora, nunca ao contrário.

Mas o que dizer de nós que estamos tão perto e não conseguimos sair da condição de espectadores das realizações alheias? Aos artistas alagoanos cabe, sem dúvida, criar, propor, conhecer nossa cultura e fortalecê-la. Não basta alardear sua riqueza e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para suas fraquezas e deixá-la debilitada e sempre dependente das pessoas que assumem cargos, mordomias e esquecem o dever. Certamente não é da China que vem essa epidemia que atinge os verdadeiros defensores da nossa cultura, deixando-os sempre de recaída, debilitados, pedindo socorro permanentemente. De alguma forma ainda existe aquela luz no fim do túnel. Tudo bem, está apagada, mas acho que podemos e devemos acendê-la. Este é um dos pontos. Mas o foco principal está na própria sociedade alagoana que, de certa forma, é preconceituosa e confunde qualidade cultural com os padrões duvidosos da mídia comercial e depois, felizes e mais ignorantes, arrotam o lixo que lhes é enfiado goela abaixo.