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A Caminho de Santiago

Silva dos Santos é um cidadão simples, sabido sem ser erudito, um político astuto, matreiro, essencialmente trapaceiro, um lobo vestido de cordeiro com lã da melhor qualidade e leitor de vários livros e de biografias de políticos eminentes.

Entre eles, os livros e o Silva dos Santos, há uma longa história, dessas de romance, com fossa, brigas e rasgos de paixão.

Sua paixão pelos livros é algo que fascina. Quando conversa, Silva dos Santos versa sobre as publicações que “consumiu” em suas cruzadas de intelectualidade. Silva dos Santos leu todos os livros de Allan Kardec por necessidade espiritual, decorou um poema de Augusto dos Anjos e tem uma vasta leitura de horóscopos, interpretações de sonhos, marketing político e de auto-ajuda.

Depois de duas eleições, não me admirei quando Silva dos Santos resolveu instalar uma biblioteca em sua nova residência, afinal, para alguém que consagrou-se no cenário público, os livros seriam um excelente detalhe decorativo e dariam a impressão de que o dono da casa estava mais do que de acordo com a estatura cultural da comunidade e dos eleitores. Aí sim, seus novos amigos iriam ver como o Silva dos Santos era culto!

Uma biblioteca! Uma biblioteca atopetada de obras famosas.
Famosas e escritas em vários idiomas porque não é chique enfileirar livros apenas em português; dá idéia de ignorância e de vulgaridade!
E foi pensando assim que o Silva dos Santos escolheu a melhor livraria da capital federal em uma de suas viagens ao centro do poder.

Entrou, apalpou o bolso onde estava o dinheiro, em espécie, claro!, e correu os olhos pelas prateleiras…
– Psiu!!!! Balconista, faz favor!
– Pois não Senhor, em que posso ajudá-lo? – disse a simpática atendente.
– Ô minha filha, que livros são aqueles lá em cima? Aqueles vermelhinhos com faixa preta.
– São as Glucks’s Pandecten. Trinta e dois volumes.
– Ah! A encadernação é boa?
– Ótima. Percalina e papel de arroz.
– Como é que você disse? Panquecas de quê?
– Não é panqueca não. São as “Pandectas de Gluck. Jurisprudência.
– Jurisprudência?!! Então levo.

E o Silva dos Santos comprou aquela e outras obras de alto preço e vistosas cores. Volumes isolados, barrigudos como monges budistas, magrinhos como os frades franciscanos do Penedo, coleções completas de Sheakespeare, quarenta volumes dos “Anais do Itamaraty”, uma Bíblia Sagrada e a Divina Comédia. Adquiriu ainda a História do Vaticano e um Manual do Maquinista. Fez questão de empacotar a Vida de São Francisco de Assis com Lolita, o Capital de Marx com os Marimbondos do Sarney.

O Silva dos Santos também não esqueceu de comprar o Livro da Vida de Confúcio. Em chinês.
– O Senhor fala chinês? – perguntou a balconista, atônita.
– Um pouquinho…Mas, veja estes dragõeszinhos, que beleza! E colocou os óculos em atitude de concentração espiritual!

De volta a sua terra natal, Silva dos Santos contratou o melhor marceneiro e os melhores capoteiros da cidade e tratou de dar acabamento à biblioteca de sua casa.

Em um espaço de doze metros quadrados, três paredes foram recobertas de estantes da melhor madeira encontrada na região e na quarta foi estrategicamente colocada uma grande tapeçaria da Última Ceia comprada pela sua queridíssima esposa.
O chão foi recoberto com um felpudo tapete para que o barulho dos passos de algum visitante inesperado não perturbasse a concentração em suas horas de leitura. A imponente mesa, em jacarandá artisticamente trabalhado (alguém me disse que foi confeccionada pelo saudoso Luiz Marceneiro, um dos grandes artistas de Penedo), trazia sobriedade ao ambiente ricamente decorado com cortinas de voal e fios dourados comprados nas Lojas Diana e na Ponto e Linha.
Abajures e esculturas adquiridos no Rei do Alumínio completavam o ambiente e, finalmente!, estava pronto o mais importante instrumento de inclusão social na tradicional Pedrópolis.

Há algum tempo, por ocasião de seu aniversário, um correligionário enviou-lhe de presente a coleção completa de Paulo Coelho. Ao mostrar o mimo, revelou-me que entraria em profunda reflexão.

Sua ideia, segundo confidenciou, é, através dos livros de Paulo Coelho, fazer espiritualmente o Caminho de Santiago.

E com plena e absoluta convicção, disparou: – “Quem sabe assim encontro forças para enfrentar mais uma batalha eleitoral no ano que vem? Meu estado precisa de legisladores à altura de sua grande altitude intelectual e eu não posso pecar pela omissão.”

Ano que vem tem eleição.