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Baba de Quiabo, o Vereador

Todo animal tem características próprias à sua espécie. Do mesmo modo, os velhacos, interesseiros, trambiqueiros e aduladores, exibem os mesmos sinais que os identificam. O Baba de Quiabo, fazendo jus ao seu apelido, mesmo ao mediano observador, fazia-se notar, à distância, como fazendo parte do clube acima. Se os traços de sua personalidade exalassem algum odor teríamos a réplica de uma carniça ambulante. Seu comportamento era sinuoso, sem assumir opiniões pessoais, temendo prejudicar seus interesses junto ao executivo municipal. Preferia o comodismo da lisonja e do elogio fácil, caminho seguro para lograr seus objetivos.

Baba exerceu por quatro legislaturas consecutivas o cargo de vereador da cidade de Penópolis. A maior fatia do seu eleitorado estava entre os menos esclarecidos que, com sua inata habilidade, não custava convencê-lo ser merecedor do voto. No palanque, durante a campanha eleitoral, acenava para os eleitores os caminhos que levariam o crescimento sócio-econômico de Penópolis. Eram promessas e realizações completamente alheias às suas atribuições. Ele sabia disso, não era ignorante, mas fazia para impressionar os ingênuos. Era tão enfático no que dizia que parecia ter se distinguido como arauto divino a carregar as leis que iriam contornar as dificuldades e problemas da cidade.

Com a vitória assegurada, todo o discurso do palanque passava a ser uma voz longínqua, jogado no departamento do esquecimento. A política tinha um único propósito: usufruir vantagem para si e seus familiares, que era em grande número por sinal. Embora não fosse o único entre seus pares a praticar a política de resultados pessoais e o empreguismo para os parentes, sobressaia-se de longe sobre os demais. Se o prefeito vitorioso era seu partidário, quase nada tinha a fazer a não ser garantir a permanência de seus privilégios. Se era da oposição, ficava tranquilo e pacientemente deixava esfriar um pouco os embates da campanha. Convencido do momento oportuno, arranjava um meio para entrar em contato com o prefeito recém-empossado para fazer sua confissão de apoio. Não tinha o menor pudor, bandeando-se de um lado para o outro com a maior naturalidade, como se estivesse trocando de roupa. Se assim não fosse, não era o Baba de Quiabo.

Acontece que na vida nada dura para sempre. Por outro lado, não somos senhores absolutos de nada e o mais sabido um dia será enganado por outro. O tempo prenunciava o fim da sua salivação escorregadia. Seu último mandato coincidiu com o prefeito Catão, adversário do seu candidato. Seus contatos resultaram infrutíferos. Catão o ignorou por completo, sabedor da sua índole interesseira, há muito fazendo parte do folclore político da cidade. Seus privilégios ruiram por completo. Os que exerciam cargos comissionados, automaticamente desligados de suas funções, não foram reconduzidos. Sentindo-se derrotado como nunca, começou pela primeira vez a exercer com autenticidade o cargo de vereador. Tornou-se oposição radical. Ao contrário dos anos anteriores, quando via tudo murchando no melhor dos mundos possíveis, começou a constatar desmandos, gestão medíocre e fadada ao desastre.

Para resumir e dar um desfecho à torta e inexpressiva carreira política de Baba, despediu-se com um toque especial da mais engraçada ironia do destino. Enquanto empregava a baba escorregadia da bajulação como instrumento a serviço de seus interesses, tinha a simpatia e confiança do eleitor. Quando ensaiou ser verdadeiro, honrar o cargo de vereador, o tiro saiu pela culatra. Foi como se tivesse perdido o juízo, não se dando conta que o hábito da mentira pode torná-la verdadeira e vice-versa, recebeu o adeus da confiança e, como consequência inevitável, apagou-se por definitivo o rastro de um insignificante e desprezível vereador. Mas a sua mini-tragédia não terminou aí. Mau pagador, é bom que se ressalte essa face escura do seu caráter, ao terminar o mandato, estava também desempregado. Essa circunstância, aliada a uma vida anteriormente confortável, não demoraria a jogá-lo no centro das necessidades de toda ordem.

O justiceiro destino batia agora à sua porta, pedindo a restituição, em forma de castigo, de todo dinheiro e vantagens que indevidamente recebeu. É uma pena que o destino só enxergue uma ínfima exceção. Dá para imaginar se todo vereador da qualidade de Baba tivesse o mesmo fim? Seriam da melhor qualidade, a engrandecer e fazer do legislativo objeto de admiração e respeito. Enquanto o milagre não aparece, paciência, vamos convivendo com uma pesada mala sem alça, desnecessariamente onerosa e, em muitos casos, totalmente inútil.

Ah, como morreu Baba? Na miséria e total esquecimento.