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Sergipe

Áudio: Denúncia de deputado tem aspecto positivo, declara juíza

Juíza Rosivan Machado durante entrevista à Rádio Penedo FM

O pedido de afastamento da juíza da comarca de Neópolis, Rosivan Machado, pelo deputado federal Domingos Dutra (PT do Maranhão) tem aspecto positivo, conforme declarou a magistrada em entrevista à Rádio Penedo FM (97,3 Mhz e www.penedofm.com.br ). Ela avalia que a atitude do parlamentar que é membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal deve colaborar para o esclarecimento de denúncias relacionadas à posse de terras em Brejo Grande, onde o clima é cada vez mais tenso entre posseiros e remanescentes quilombolas que residem em povoados situados próximos da foz do Rio São Francisco.

Rosivan Machado estranha o fato de as denúncias não terem sido comunicadas à polícia, antes de serem encaminhadas para outras instâncias, mas enxerga um lado benéfico nesse processo. “A coisa positiva que se extrai desse episódio é justamente a possibilidade de que os fatos que estão ocorrendo hoje em Brejo Grande e desde 2005, 2006, possam vir para a imprensa da forma real”, declarou a magistrada, ressaltando o direito legítimo de contestação de atos de membros do Judiciário.

Achincalhamento

“Toda pessoa pública deve prestar contas de seus atos e é por isso que estou aqui para falar sobre esse assunto”, explicou a magistrada no início da entrevista à emissora líder em audiência na região do Baixo São Francisco, acrescentando que moverá uma ação judicial contra Domingos Dutra, medida que já tem o apoio da Associação dos Magistrados de Sergipe, e que precisou se posicionar publicamente, inclusive diante da imprensa em Aracaju, por conta do “achincalhamento” promovido pelo deputado maranhense, conforme classificou a atitude do parlamentar.

“Essa não foi um ação parlamentar, mas pra lamentar”, comparou a entrevistada que duvida que o deputado conheça sequer a localização geográfica de Brejo Grande, quanto mais o cotidiano e os problemas da comunidade. Ela lembrou ainda que audiências públicas foram realizadas por deputados estaduais sergipanos no município para apurar denúncias e que há uma comissão permanente formada na Assembleia Legislativa Estadual há três anos para acompanhar a situação no município.

Ausência de fatos concretos

Outra crítica da juíza Rosivan Machado é a ausência de fatos concretos nas denúncias de Domingos Dutra. “O mínino de responsabilidade que se exigia da parte dele é que se tomasse o cuidado de identificar nomes e fatos”, situação que se assemelha às reportagens publicadas nos últimos seis anos em parte da imprensa sergipana sobre supostas ameaças aos quilombolas em Brejo Grande, onde a certificação de uma área para descendentes de escravos tem sido motivo de conflito que envolve quilombolas, posseiros, fazendeiros, Incra e até a Polícia Federal.

Questionada pela apresentadora do Lance Livre e diretora de jornalismo da Penedo FM, Martha Mártyres, se o povoado Brejão dos Negros estaria sob uma espécie de “ditadura das minorias”, a juíza Rosivan Machado declarou que a situação em Brejo Grande é reflexo do descumprimento dos critérios de impessoalidade e legalidade por parte de funcionários do Incra de Sergipe no exercício de suas funções.

Direitos constitucionais

A magistrada citou princípios constitucionais que disciplinam o direito à terra por comunidades remanescentes quilombolas, processo que começa com pedido de reconhecimento à Fundação Cultural Palmares, com objetivo de preservar a cultura e os valores da comunidade. Foram necessária muitas audiências públicas para discutir a questão do reconhecimento em Brejo Grande, com dificuldade para os representantes do Incra admitirem que a propriedade quilombola é coletiva, conforme declarou.

Como as grandes propriedades de Brejo Grande são ocupadas por número elevado de posseiros, a troca de, por exemplo, dez tarefas de uso familiar por 50 de interesse coletivo é apontada como o motivo para o projeto não ter sido aceito pela maioria dos posseiros. A magistrada informa que os proprietários de terras no município, inclusive pessoas de sua família, dividiram os custos para contratação de um antropólogo para contestar o laudo que embasa o processo do Incra, estudo que deverá ser concluído até o final do primeiro semestre deste ano, segundo informou o superintendente do Incra em Sergipe, Jorge Tadeu Jatobá, para a reportagem do aquiacontece.com.br.

Território quilombola

Sobre a certidão de território quilombola, 173 hectares no povoado Resina, conforme dados declarados por Jorge Tadeu Jatobá, a emissão do documento estaria sendo apresentada como justificativa para os remanescentes cometerem arbitrariedades, como impedir que os antigos ocupantes da área continuem a colher coco nas terras, conforme denúncias feitas à reportagem do aquiacontece.com.br (confira matéria ampla que será publicada neste domingo, 15 de maio, no site).

A juíza Rosivan Machado considera também que os funcionários do Incra também estariam contribuindo no agravamento de desavenças entre quilombolas e posseiros – principal foco de tensão em Brejo Grande – porque, apesar da ausência da conclusão do laudo antropológic o e do memorial descritivo, o tratamento dispensado pelo Incra à Associação Santa Cruz, criada para coordenar ações na comunidade quilombola, estaria gerando o entendimento entre os beneficiados com a desapropriação que a questão já estivesse legalmente concluída.

Fernando Vinícius - aquiacontece.com.brCritérios de desapropriação

A magistrada falou ainda sobre critérios que regem a desapropriação de terras para fins de reforma agrária no Brasil, processo que, apesar de pontos comuns, tem diferenças com a certificação para comunidades quilombolas. No caso da Fazenda Batateira, desapropriada para ser transformada em assentamento, a propriedade foi repassada aos quilombolas que já estão plantando culturas em meio aos coqueiros, com orientação de um técnico que declarou ao aquiacontece que trabalha para uma deputada estadual sergipana.

A juíza disse que o Incra deveria ter cadastrado os ocupantes da fazenda e, segundo o perfil dos moradores da área desapropriada por interesse do antigo proprietário, ter distribuído os lotes, assegurando os direitos que constam nos projetos de reforma agrária (financiamento, assistência técnica, etc).

Tensão entre quilombolas e posseiros

Por conta desse tratamento do Incra com a Associação Santa Cruz, que já entende ser dona da Fazenda Batateira, pessoas ligadas à associação passaram a exigir a saída dos posseiros da área e a paralisação de atividades de subsistência, como criação de abelhas ou uma roça, por exemplo, segundo declarou a juíza, denúncias que também foram apresentadas à reportagem do site. A magistrada também contesta que estejam ocorrendo ameaças aos funcionários do Incra por parte dos posseiros, como já tem sido noticiado na imprensa.

Aspectos legais relacionadas à desapropriação de terras da União também foram abordados, assim como a necessidade da busca de entendimento entre quilombolas e posseiros, pessoas que convivem há anos no mesmo espaço e tem o mesmo direito de permanecer e trabalhar na terra para acabar com o clima tenso que paira sobre o município de Brejo Grande, já castigado por constar entre os municípios com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Sergipe.