A situação de sofrimento de famílias que tiveram crianças desaparecidas foi debatida na Câmara Municipal de Maceió, numa audiência pública proposta pela vereadora Teca Nelma (MDB), realizada nesta segunda (07). Com base em números e estatísticas ela explicou que a proposta foi voz as famílias das vítimas, entidades e autoridades que lidam diretamente com o problema. Mas, também de como o município pode contribuir para a prevenção de novos casos com ações sociais que garantam o acolhimento das crianças e suas famílias a partir da execução de políticas públicas como a expansão de creches e escolas na periferia.
“Não conseguiremos construir uma política pública só. Mas sim com o apoio de todos os presentes. É importante ouvir as mães e familiares das crianças desaparecidas. Se sintam avontade. Temos o contato de muitos pais e mães que contaram que é muito doloroso relembrare vir ao plenário para falar de algo que não foi resolvido. Por isso agradeço aos que vieram aqui e aos que não puderam comparecer. Espero que essa audiência seja um start para a partir daqui possamos ter ações efetivas”, disse Teca.
No Brasil, desde 2017, foram feitos registros de 80 mil boletins de ocorrência de casos de desaparecimento. No momento há 62 mil pessoas desaparecidas, o que dá uma média de 172 casos por dia, conforme dados do Anuário de Segurança Pública . Em Alagoas, há 1.400 registros de desaparecimento, dos quais 30% são de crianças e adolescentes, segundo registros do Sistema Nacional de Identificação e Localização de Pessoas Desaparecidas (Sinalid).
Segundo Arísia Barros do Instituto Raízes de Áfricas que sugereriu a realização da discussão o tema é de extrema relevância já que em todo o país e, também, em Alagoas, as crianças negras e pobres são as maiores vítimas dos desparecimentos. Ela contou que se sensibilizou muito com um caso recente, envolvendo a pequena Maria Clara de 5 anos e que está desaparecida há oito meses.
“Trabalhamos invisibilidades. E isso está ligado a cor. O caso Maria Clara chamou a atenção mesmo tendo inúmeras pessoas desaparecidas em Alagoas. Me pergunto porque esse tema é silenciado. Estamos vivendo um estado de inércia. Entendo que o caso dela é um problema de todos nós. É como se fosse filha de todos nós. Se criança é prioridade, por que não focamos nessas questões?”, indagou Arísia cobrando mais efetividade das ações.
Para ela o questionamento vem num momento oportuno, pois o tema tem sido silenciado em várias esferas. Mas, também, numa falta de pressão e cobrança por parte das pessoas que foram levadas para de inércia em relação ao caso. Sendo assim, apenas a família Maria Clara e a de outros desaparecidos, bem como alguns poucos familiares de envolvidos é que que vivem a dor e o sofrimento causado pela dúvida sobre o que aconteceu.
Comunidade
A conselheira tutelar da região II que abrange do Pontal ao Centro, Valmênia Santos, explicou que desde o desaparecimento da pequena Maria Clara a entidade tem trabalhado de forma intensa. Disse ainda que todas as autoridades foram mobilizadas e devidamente notificadas. Além disso foi feita uma grande mobilização na comunidade para colaborar com as buscas e o fornecimento de informações, mas que infelizmente até o momento não foram suficientes para sua localização.
“A Maria Clara é uma criança que desapareceu em nossa região. Desde o início sofremos muito com esse desaparecimento. Acompanhamos seus familiares junto as autoridades. Já estávamos cobrando respostas, mas foi a provocação da Arísia que também ajudou a voltar a mobilizar a todos e todas é muito válida”, disse Valmênia.
Ela disse, ainda, que a mãe da criança passou a contar com apoio psicológico após ter ficado muito abalada. Quanto ao trabalho do conselho tutelar na região se descobriu que há muitas crianças em situação de vulnerabilidade. A maioria chega a passar muitas horas na rua. No caso da Maria Clara, por exemplo, foi possível perceber que junto com outras crianças ficavam sozinhas na rua até altas horas. Em alguns momentos dormia na casa de outras famílias.
“Nos últimos dois meses encontramos crianças após a meia noite e tivemos que cuidar dela. Não localizamos os pais e tivemos que tomar medida protetiva. Precisamos chamar a responsabilidade dos pais e do poder público”, citou Valmira como exemplo.
Ausência
De acordo com a romotora Dalva Tenório, titular da 59° promotoria que trata de crimes contra vulneráveis, o caso Maria Clara e o de outras crianças ocorre num contexto de falta de estrutura familiar, mas princiopalmente, também da ausência do poder público no que se refere a oferta de creches, pré-escola, escolas, postos de saúde que juntas se constituem numa política pública inclusiva. Para ela ausência do estado e suas representações institucionais – múnicípio, Estado e do Ministério Público – se constitui numa grande negligência.
“Essa falta de cuidado com as crianças começa na máquina estatal, quando na periferia não temos creches para os pais possam trabalhar e deixar seus filhos em segurança. Outro dia tinham crianças sendo transportadas em ônibus de um bairro para o outro. A obrigação é ter escola e creche em cada bairro. Infelizmente muitas das denúncias que recebemos envolvem abusos de pessoas da família, quase sempre os pais biológicos por conta do envolvimento com droga. Há também muitos casos de abusos de crianças que estão na rua”, disse Dalva.
Sobre os casos de desaparecimento a promotra disse que não existe nada que impeça a denúncia imediata ou que indique que as buscas só comecem após 24 horas do fato. Isto porque em qualquer investigação as primeiras horas são essencias já que com o tempo as pistas vão sendo apagadas. Dalva concluiu sua fala fazendo um apelo a casa para que lutem e cobrem creches em todos os bairros.
Segurança
Representando a Secretaria Estadual de Defesa Social, o secretário adjunto Coronel Elias relatou que os desaparecimentos vem sendo investigados pelas forças policiais. Disse também que ocorrem num contexto de desamparo e situações de abandono por parte de algumas famílias. Para confirmar essa opinião ele relatou que não são poucas as vezes que a PM, durante rondas na noite e madrugada, encontra crianças e adolescentes em siatuação de vulnerabilidade social.
“Nós temos uma rede para a localização de pessoas desparecidas. Imediatamente quando somos avisados são produzidos cards para polícia iniciar suas investigações. Temos a responsabilidade de dar respostas a sociedade alagoana. Foi criado um plano nacional com um banco de dados de pessoas desaparecidas. Mas preciso dizer aqui que há também na capital situações de abandono. A PM constantemente encontra crianças e adolescentes vagando pelas ruas em vários bairros de Maceió. Isso nos preocupa muito por conta dessa desatenção dos pais. Há uma falta de cuidado muito grande. Essa partilha de responsabilidade é de extrema importância para a segurança de todos. A família precisa fazer a sua parte” coronel Elias.
Procura
O gerente do Programa de Localização de Pessoas Desaparecidas do MPE, Tomás Fireman, explicou que o trabalho nasceu a partir de uma experiência bem sucedida no Rio de Janeiro e referendada pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Hoje, todo o país está conectado por meio de dados do Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid) o gera a troca constante de informações. Recentemente, graças a essa troca atuação uma jovem de Maceió foi localizada em Brasília e foi reconduzida para sua família aqui no Estado.
Ele explicou que, em Alagoas, sempre que uma notícia desaparecimento a imagem da pessoa é divulgada no instagram do programa @sinalidplidal. O programa também conta com um telefone o 99182 0221 que fica ligado 24h. Além dessa estrutura básica, ele falou que é essencial o apoio da tecnologia de videomonitoramento que é usada em todo o país, mas que em Maceió só está presentes em algumas áreas.
“Além disso é necessária a ampliação do videomonitoramento nos bairros, em especial os mais afastados que são mais críticos. No momento está sendo construído um TAC para a eficácia desse trabalho e monitoramento da capital. Temos mais câmeras nas áreas do turismo mas isso é precário nas áreas mais afastadas. Precisamos ter um olhar diferente sobre isso e investir em prevenção com o investimento em creches. Monitorar as mídias sociais, porque muitas vezes adolescentes conhecem pessoas e por influência deixam suas casas”, alertou Tomás.
Vítimas
Os momentos mais emocionantes envolveram os relatos dos familiares. Um deles foi o de José Aparecido pai do Edvaldo Sabino jovem que está desaparecido há três anos e sete meses. Em meio a lágrimas ele disse que viver sem notícias sobre o paredeiro dele acaba sendo uma angústia permanente. Por isso, sempre que pode participa e divulga o caso com a esperança de que tenha um desfecho.
“Ouvi aqui um relato de uma mãe que encontrou o corpo do filho após nove dias de desaparecido. E o meu que há três anos e sete meses não o encontro? Não sei está vivo ou morto. Isso é uma angústia muito grande. Quando teve a campanha do IML para cadastro de familiares fui o primeiro da fila. Até hoje espero notícia do meu filho. Tinha 23 anos foi a uma festa. Menino trabalhador. Mas que festa foi essa que até hoje não voltou. Nem ele nem moto e nem nada desde de 3 de agosto de 2018 até a data de hoje. Peço ajuda da sociedade para saber onde está pelo menos os restos mortais para ter o prazer de pelo menos enterrar o meu filho”, desabafou Aparecido.
Um outro caso emblemático foi relatado por D. Irene, mãe de Elias Nataniel, desparecido há sete anos na cidade de Passo de Camaragibe localizada no litoral norte do Estado. Ela relata que desde o fato sua vida parou no tempo entre idas e vindas a cidade, além de pedidos de ajuda as autoridades policiais. Em público ela lamentou o abandono do caso já que são vários anos sem novidades e percebe que não há mais interresse na localização.
“Meu filho era uma pessoa calma. Não tinha vício e era uma pessoa de bem. Ficamos procurando por dois e três dias e ele não apareceu. Fizemos buscas por conta própria. Tive muita dificuldade para registrar o boletim de ocorrência. Só fiz em Maceió. O delegado disse que meu filho desapareceu porque ele quis. Só tinha essa notícia. A última vez que fui lá foi quando ele disse que não tinha bola de cristal para achar o meu filho. Quero encontrá-lo vivo ou morto. Vou na delegacia de lá e sou vista como um nada. Estou aqui tremendo por emoção. Até o dia de hoje nunca mais disseram nada. Poder público não liga para pobre”, sentenciou Irene.
Proposta
O vice-presidente do Fórum Estadual dos Conselheiros e Ex-conselheiros Tutetalares, Arquimedes Washington, destacou que além do processo de organização dos conselhos tutelares, o tema exige ações mais efetivas como o funcionamento do Comitê Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas. Conforme lembrou sua existência foi definida pelo Decreto 10.622, inclusive com detalhes da política para o seu funcionamento.
“O papel do conselho é requisitar serviços municipais. Aqui é o momento de discutir ideias e o que fazer para conter o desaparecimento de crianças. Foi aprovado o Decreto 10.622 decreto que cria o comitê nacional de busca de pessoas desaparecidas e cria a politica para o seu funcionamento. Porém está faltando sua efetivação. Isso precisa ocorrer para que possamos contar com ferramentas e pessoas que atuem em todo o Brasil e, também em nível estadual”, defendeu Arquimedes.
Segundo o vereador Raimundo Medeiros (PTC), a efetivação das políticas públicas é fundamental. Disse que devem sair das teorias. Ele também se solidarizou aos familiares de vítimas que sofrem dia a dia a dor de conviver com o vazio provocado pelo desaparecimento. E que nos meses em que estará na casa estará a disposição desta e de todas as causas populares.
“Os dias em que estiver aqui será sempre estando ao lado do povo. O estado de um modo geral é muito ausente. Onde resido, no Novo Jardim temos uma segurança muito precária. Melhorou um pouco com o funcionamento da base no bairro, mas falta muito”, Raimundo.
A deputada estadual Jó Pereira (MDB) destacou que a complexidade do tema abre várias frentes de atuação necessárias ao Estado e para o Município. Mas, em primeiro lugar a sociedade e o parlamento em geral não pode deixar de ter empatia com a dor e sofrimento que passam todas as famílias que lutam para localizar seus filhos. Ela voltou a defender o envolvimento da pasta da educação pois avalia que por ser essencial pode contribuir e muito não apenas para a formação, mas, principalmente, para a prevenção de muitos problemas que afligem a sociedade e afetam crianças e adolescentes.
“A principal política pública do governo que deve sentar em todas as mesas é a educação. A força desses homens e mulheres é um exemplo. Quando uma criança desaparece afeta a todos nós. Todos nós sentimos falta: a família e a sociedade. Que essa força desses pais sirva como um motor propulsor para que essa busca seja retomada. Que sirva para mudar a realidade para que na próxima vez que acontecer tenhamos aquilo que precisamos ter: uma política pública estruturada. Que comece com a prevenção nas escolas”, disse Jó.