Há pelo menos 15 anos, moer cana no Brasil ainda dava muita dor de cabeça para as usinas. Não existiam muitas alternativas para o destino do que não era aproveitado na produção de açúcar. Esse material era considerado lixo e, pior ainda, altamente poluente. Gradativamente, esse quadro foi mudando, com pesquisas que apontam soluções atrativas para esses resíduos, como a sua transformação em energia renovável. Hoje, a matéria já adquiriu valor econômico e, cada vez mais, atrai empreendedores interessados nos seus benefícios.
Atualmente, Alagoas é o 5º maior produtor brasileiro de açúcar. Dados disponibilizados pelo Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado (Sindaçúcar) mostram que só em 2010 foram produzidas 24 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em todo o Estado. Dessa produção, 30% correspondem ao bagaço, que é totalmente utilizado para produzir vapor (energia térmica) e eletricidade em processo de co-geração. No mesmo ano, com esse bagaço, foram gerados 635 milhões de KW/h.
O que já era um mercado em ascensão mudou de vez a perspectiva diante do setor sucroenergético, depois da pesquisa que integra o “Plano Nacional de Resíduos Sólidos: Diagnóstico dos Resíduos Urbanos, Agrosilvopastoris e a Questão dos Catadores”, divulgado no final de abril pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Este plano mostra que entre as 13 culturas agrícolas estudadas, a cana-de-açúcar é a que gera maior volume de resíduos, 201 milhões de toneladas por ano.
O que chamou a atenção na pesquisa foi a informação de que se todos esses resíduos secos da produção da agroindústria da cana no Brasil fossem utilizados para a geração de energia, a potência instalada seria de 16.464 MW/ano, potencial superior ao da usina de Itaipu. Tida como a maior hidrelétrica do mundo em produção, Itaipu apresenta 20 unidades geradoras, 14.000 MW de potência instalada, e fornece 20% da energia produzida no Brasil.
Apesar de animadores, os dados também geram questionamentos pertinentes. A maioria das usinas do país utiliza o vapor da queima do bagaço para suprir a energia consumida no seu próprio processo de produção, então o que as impede de gerar os números da pesquisa, se a matéria-prima exigida já é resultado de sua própria moagem? Na verdade, nem toda safra produz energia suficiente para gerar um excedente, depende muito do parque industrial de casa usina. Além disso, nem todo o bagaço é utilizado para esse fim, ele também pode gerar energia de forma indireta, como combustíveis renováveis, por exemplo.
A análise da pesquisa do Ipea ressalta que para alavancar esse processo, o investimento não deve ser poupado no setor. “Para viabilizar uma maior disponibilização dessa energia para a rede elétrica, entretanto, será necessário vencer barreiras de ordem técnica, econômica e regulatória, sendo necessários mais incentivos econômicos para motivar os investimentos do setor privado nessa área”, aponta o estudo.
Em Alagoas, grande parte da energia gerada pelo setor sucroenergético também é utilizada internamente nas usinas. “Apenas uma pequena parcela de toda a produção é repassada para a rede elétrica de distribuição da concessionária. Em 2010, dos 635 milhões de KWh gerados, 357 milhões de KWh foram consumidos na própria indústria, 144 milhões de KWh foram utilizados para irrigação e 134 milhões de KWh foram exportados para o setor elétrico em geral”, explica o secretário de Estado adjunto de Energia e Recursos Minerais da Secretaria do Planejamento e do Desenvolvimento Econômico (Seplande), Jackson Pacheco.
Tanto a produção de energia elétrica, quanto a de combustíveis renováveis precisam ser fomentados no Estado, e para isso, alguns resultados já podem ser avaliados. Nos últimos anos, o Governo do Estado vem prospectando fábricas voltadas para a transformação de vários tipos de resíduos, como é o caso da Renove S.A e da BEN -Bioenergia, Geração e Comercialização de Energia do Nordeste S/A.
As duas fábricas estão entre as três novas indústrias que, por meio da Seplande, foram atraídas com incentivos fiscais, creditícios e locacionais através do Programa de Desenvolvimento Integrado do Estado de Alagoas (Prodesim) em 2012.
Novas indústrias
Ainda em processo de instalação, em Teotônio Vilela, a BEN-Bioenergia vai eficientizar as indústrias de açúcar e álcool do Estado para produção de mais energia elétrica. A fábrica vai operar na co-geração de energia elétrica através de biomassa, tendo como sua principal matéria-prima a cana-de-açúcar.
Segundo o engenheiro da Hidrotérmica, João Marcelo , a BEN – Bioenergia produzirá 53 megawatts (MW) de potência instalada e uma capacidade de exportar 30 MW. “Essa quantidade de energia é suficiente para abastecer o consumo residencial de uma cidade com 200 mil habitantes”, ressalta o engenheiro.
Uma parte da energia gerada será consumida na usina parceira, durante a safra e entressafra, mas o engenheiro afirma que essa iniciativa é só o início de planos maiores. “Parte dessa produção também será conectada ao sistema de distribuição da concessionária local (Eletrobras), que por sua vez fará parte do Sistema Interligado Nacional (SIN)”, informa.
Para a instalação da fábrica, os grupos empresariais Areva Koblitz e Hidrotérmica, detentores da marca, vão investir R$ 185 milhões, gerando 41 empregos diretos nos três primeiros anos.
Já a Renove, prestes a ser inaugurada em Rio Largo, desenvolve um projeto de produção de um tipo de combustível renovável a partir do bagaço da cana e outros resíduos agroindustriais como casca e a palha do coco, chamado briquete.
“Depois de ser desidratado e prensado, o bagaço ganha um potencial calorífico mais elevado que o de materiais como o carvão mineral e a madeira, com a vantagem de não agredir o meio ambiente”, explica o presidente da fábrica, Felipe Calheiros.
Para Felipe, a transformação da biomassa é a promessa de desenvolvimento para o futuro. “As pessoas simplesmente não sabem o quanto o lixo pode ser reaproveitado com inteligência. Para cada tonelada produzida de briquetes, sete árvores deixarão de ser derrubadas, além de ter um custo benefício bem melhor que utilizar madeira. Ele pode ser utilizado por qualquer indústria que utilize calor como forma de energia, tenha caldeira ou fornalha”, disse.
Mais de R$ 5 milhões de reais foram investidos para a implantação da fábrica em Alagoas. Nessa primeira etapa, cerca de 80% do bagaço utilizado por eles ainda será adquirido nas usinas de Alagoas, e a expectativa da Renove é de que 40 empregos diretos sejam gerados, com a produção de 3.000 toneladas de briquetes mensalmente.
Histórico
O cultivo de cana-de-açúcar é uma atividade tão ligada à economia alagoana que é praticamente impossível falar sobre um sem citar o outro. O açúcar foi um dos primeiros produtos explorados no estado pelos portugueses, no século XVI, tornou-se a base da economia alagoana, e durante muito tempo foi sinônimo de prestígio e desenvolvimento para Alagoas.
Nos anos 80, no quadro geral do Brasil, Alagoas chegou a ocupar o segundo lugar no ranking de produção de açúcar, ficando atrás apenas de São Paulo. Hoje, apesar de ter perdido alguns lugares nessa lista, Alagoas ainda é o primeiro produtor do nordeste, ficando à frente até de Pernambuco, outro grande produtor da região.
O setor sucroenergético ainda gera muitas oportunidades de emprego em Alagoas, segundo informações do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas (Sindaçúcar), atualmente, as 24 indústrias de açúcar e álcool do Estado são responsáveis pela geração de mais de 90 mil empregos diretos e até 270 mil empregos indiretos. Há 20 anos, esse número era mais elevado, duas possíveis explicações para esse decréscimo são as mecanizações dos processos nas usinas e a redução de locais para o desenvolvimento da atividade.
Mesmo assim, no início do ano, o relatório sobre a balança comercial dos estados, divulgado pelo Ministério da Indústria e Comércio (MDIC), apontou que Alagoas obteve uma expansão de 41,25% em participação no mercado externo em 2011. O documento mostra que os principais produtos exportados em Alagoas integram o setor sucroenergético, mais de 98% do valor dessas exportações correspondem à área.