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Alagoas

Alagoas supera gargalo de 40 anos e ganha novo IML

Depois de 40 anos, IML será substituído por complexo de perícias forenses no Tabuleiro do Martins

Um dos gargalos históricos do governo de Alagoas, ao longo de 40 anos, começa a ser superado de forma definitiva. O governo de Alagoas vai abrir licitação pública para a construção do novo Instituto Médico Legal (IML) em Maceió. O novo prédio, com área já escolhida no Tabuleiro do Martins, será um dos mais modernos complexos de perícias do País.

Na semana passada, o projeto definitivo do novo IML – orçado em R$ 4 milhões – foi apresentado ao governador Teotonio Vilela e ao secretário de Segurança Pública, Dário Cesar, e espera o sinal verde da Secretaria de Estado da Infraestrutura (Seinfra) para a abertura de licitação e o início das obras.

Ainda como parte do projeto, o prédio abrigará todos os departamentos afins ao trabalho de perícias, como o Instituto de Identificação (II) e o Instituto de Criminalística (IC).

“Na verdade, o projeto é para o Centro de Perícias Forenses (CPFor), mas o IML será o primeiro a ser construído, absolutamente diferente do que é hoje, com a adoção de equipamentos tecnológicos de ponta, desde as câmeras frigoríficas às salas de necropsia de última geração”, assinalou o presidente da empresa de Serviços de Engenharia do Estado de Alagoas (Serveal), Ronaldo Patriota.

O novo prédio do IML de Maceió contempla ainda sala de imprensa, sala de culto ecumênico, anfiteatro para aulas de Medicina Legal, laboratório de DNA, laboratório de análises clínicas, patológicas e toxicológicas.

De acordo com Patriota, a concepção do projeto foi do arquiteto Roberto Canavarro, que visitou vários institutos considerados de referência no País.

O engenheiro informou ainda que o terreno onde será construído o novo IML está localizado no bairro do Tabuleiro do Martins, em uma área de 31 mil metros quadrados.

Velho IML: dias contados

O IML da capital alagoana funciona há 78 anos no prédio da antiga faculdade de Medicina. Lá, foram realizadas as autópsias de Lampião, após sua morte em uma emboscada em 1938, e dos corpos de Paulo César Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, em 1996.

“Com o tombamento do atual prédio do IML, no ano passado, a gente não pode mexer em um prego em função disso. Mas, independentemente desse fato, todos em Alagoas sabem das dificuldades que sempre foram enfrentadas ao longo de todos esses anos para fazer o trabalho por aqui. Portanto, é um sonho prestes a se tornar real que dará mais dignidade à sociedade e aos profissionais”, afirma o diretor-presidente do IML, Gerson Odilon.

No novo prédio, as pessoas terão acomodações adequadas, segundo explica o diretor. “Uma pessoa vítima de estupro, por exemplo, terá uma sala adequada ao chegar ao IML, assim como os casos de homicídios e de exames de corpo delito”, diz.

O processo do novo IML deve ser enviado à Seinfra, em um procedimento que pode variar entre 15 e 30 dias para recebimento das propostas por parte das empresas interessadas e posteriormente será feito o julgamento, a homologação, a adjudicação e a contratação da obra. Caso estes trâmites ocorram normalmente, a previsão é que a contratação da obra seja realizada dentro de 60 dias, a partir da elaboração do edital.

O “guardião” do inferno

O doutor e professor Duda Calado foi uma das figuras alagoanas mais instigantes e emblemáticas. O lendário médico legista foi, durante mais de 40 anos, o “guardião” do Instituto Médico Legal, e exumou milhares de cadáveres. Morreu esquecido.

Seus alunos da Faculdade de Medicina Legal eram fãs de Duda, tanto pela sua simplicidade como pela sua habilidade em lidar com corpos expostos nas aulas de anatomia. Ele os abria com um bisturi afiado e uma leveza formidável.

Da sala de aula, o professor Duda Calado andava 200 metros e chegava ao IML de Maceió, mais conhecido como a “sucursal do inferno”, onde Duda foi o “manda-chuva” do órgão. Ele ficou conhecido nacionalmente pelo uso de folhas de manjericão e hortelã, que enfiava nas duas narinas ao fazer a exumação dos cadáveres.

“As folhas trazem uma essência natural que impede que o cheiro da putrefação entre no nariz”, dizia Manoel Cassiano, auxiliar de necropsia, que acompanhou Duda por 19 anos no IML. O velho legista morreu em março de 1995.

Entre suas exóticas manias estava a de colecionar as armas dos crimes mais bárbaros, como a faca com que um maníaco enlouquecido matou a mulher com 129 estocadas; ou um machado que decepou as pernas e braços de outra vítima.

De acordo com João Aurélio, filho de Duda, essa “coleção” está guardada no museu Théo Brandão. Para Duda Calado, “trabalhar com defunto é uma vocação natural”. Mas ele jamais esqueceu o caso da jovem assassinada pelo marido ciumento, o das 129 facadas desferidas por todo o corpo da mulher. “Contei uma por uma das facadas, enfiando um palitinho em cada corte no corpo dela”.

Desde aquele tempo, Duda Calado já denunciava o IML como uma casa dos horrores, abandonada pelo poder público. “Nunca, em nenhum governo, o IML foi olhado ou tratado como deveria. Sempre ficou jogado ao segundo plano, sem apoio de ninguém. Morto não dá voto, no entanto, temos que enterrá-los em covas rasas e, às vezes, sem a presença da família, como um indigente”, reclamava Duda.

Ele revelava, na época, que a única geladeira do IML “foi, durante muito tempo, a câmara frigorífica da Colônia de Pescadores de Penedo”. A câmara foi adaptada e utilizada para guardar os corpos, que acabavam podres, pois a câmara não tinha temperatura ideal para conservação.

Formado pelo Instituto Nina Rodrigues, da Bahia, um dos mais importantes centros de medicina legal do País até hoje, Duda Calado teve como mestre o próprio Estácio de Lima, alagoano que deu nome ao IML. “Sinto dizer isso, mas se não cuidarem do IML, tudo vai permanecer como está e ele vai morrer lentamente, como os muitos corpos que por aqui passam”, vaticinou.

Depois da exoneração, Duda Calado não parou. Foi trabalhar no banco de sangue da Santa Casa de Misericórdia de Maceió. “Sou um homem de sete instrumentos e não vou parar. Vou continuar a atender esse povo bonito de minha terra. Agora nesse banco de sangue, onde fiz transfusões braço a braço, salvando vidas ou emitindo atestado de óbitos, pois a vida é assim mesmo. Orgulho-me de nunca ter cobrado uma consulta”, dizia Duda.