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Alagoas

Alagoas possui um dos melhores centros de pesquisa em aquicultura do Brasil

Ceraqua é referência para estudantes e pesquisadores, que buscam com seus estudos recompor a ictiofauna do São Francisco

Pouca gente sabe, mas Alagoas detém um dos mais importantes e mais bem equipados centros de pesquisa em aquicultura do Brasil. Trata-se do Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura de Itiúba, conhecido como Ceraqua São Francisco. O local já é referência para estudantes e pesquisadores, que buscam com seus estudos recompor a ictiofauna do São Francisco, assim como buscar caminhos para a recuperação e preservação do rio.

Inaugurado em março de 2010, no município de Porto Real do Colégio, o Centro é resultado de parceria do governo do Estado, Ministério da Pesca, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf – superintendência de Alagoas), Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Recuperação do Baixo São Francisco

O trabalho de pesquisa deve contribuir decisivamente para a recuperação do São Francisco, principalmente na região do chamado Baixo São Francisco, que entre Alagoas e Sergipe. Este trecho é uma dos mais prejudicados pela ação do homem, principalmente com a construção das hidrelétricas de Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó, que afetou diretamente o leito e a vazão natural do rio.

Com apenas um ano de funcionamento como Ceraqua, o Centro já passa por processo de ampliação, com a construção de novos tanques, passando de 13 para 16 hectares de área total. Além de equipamentos de última geração, utilizados nas pesquisas, o local dispõe de auditório, alojamentos, estação de tratamento de água, laboratórios e até uma fábrica de ração.

Equipe multidisciplinar

De acordo com Eduardo Motta, engenheiro de pesca da Codevasf e coordenador do projeto de implantação do Ceraqua, o Centro conta atualmente com uma equipe multidisciplinar, composta por engenheiros de pesca, zootecnistas, médicos veterinários e biólogos, que buscam avanços como melhorar a qualidade dos peixes para consumo humano, a identificação de espécies ainda existentes no São Francisco, entre outros aspectos.

“Os trabalhos desenvolvidos no Centro estão formando uma rede na área de genética. Muitas instituições já estão de olho nos resultados e realizam também pesquisas no local, a exemplo da própria Embrapa e da universidade de Valência, na Espanha, que busca acordo de cooperação internacional com o Brasil através do Ceraqua. Este é um exemplo positivo que Alagoas dá ao país”, assegura o coordenador.

Para a professora Denise Pinheiro, do Instituto de Química e Biotecnologia da Ufal, está comprovado que o Baixo São Francisco é o trecho que mais sofreu com a ação do homem, fato que reforça ainda mais a necessidade de ações para a recuperação do rio. “O trabalho de pesquisa que desenvolvemos é uma maneira de darmos uma resposta à sociedade, no sentido de contribuir para frear a degradação do rio”, afirma a professora doutora, que iniciou estudo no Ceraqua, há sete meses.

Fauna degradada até que ponto?

“A gente sabe que a ictiofauna do São Francisco está degradada, mas até que ponto? Precisamos de respostas para isso”, reforça o engenheiro de pesca Álvaro Albuquerque, chefe do Ceraqua. No Centro, mais de 30 pessoas estão envolvidas nas pesquisas que, segundo ele, devem se somar aos estudos realizados em outros pontos do Estado, que vão desde a foz, em Piaçabuçu, até Piranhas, no alto Sertão.

Os estudos desenvolvidos atualmente no Ceraqua incluem a identificação da variedade de peixes ainda existentes no Rio São Francisco, incluindo espécies nativas e introduzidas, também chamadas de exóticas, ou seja, vindas da bacia de outros rios e até de outros países, a exemplo da conhecida Tilápia, trazida do Rio Nilo, na África. O trabalho visa justamente identificar até que ponto está a degradação do rio, a partir do conhecimento da quantidade e tipos de peixes e apresentar soluções para a questão.

Das 200 espécies catalogadas, apenas 40 detectadas

“Existiam catalogadas mais de 200 espécies no Rio São Francisco, que foram reduzidas com o tempo e a ação do homem. Nós detectamos até então apenas 40 espécies entre nativas e exóticas”, assegura Álvaro Albuquerque, chefe do Ceraqua.

Em outra linha de estudo, a doutora Denise Pinheiro avalia a qualidade dos peixes através das enzimas digestivas. No laboratório de enzimologia do Ceraqua, ela trabalha com uma equipe de estudantes e pesquisadores desde a fisiologia até questões como o impacto da poluição e o estresse provocado nos peixes e que terminam afetando diretamente no desenvolvimento das espécies. O trabalho conta com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

“Na prática, buscamos identificar como os peixes estão neste trecho do rio São Francisco e se são bons para a alimentação. Trabalhamos a qualidade dos peixes. O Ceraqua é um centro muito importante para a região. Se a gente consegue um diagnóstico bom e propostas para melhorar, só tem como desenvolver a região”, enfatiza a pesquisadora.

Benefícios para pescadores e aquicultores

Os principais beneficiados com os projetos do Ceraqua em Alagoas devem ser os moradores ribeirinhos, principalmente os que vivem da pesca, além dos produtores e da população como um todo. Somente no perímetro irrigado de Itiúba são aproximadamente 800 criadores de peixes. Em todo o Estado estima-se que existam mais de 2.600 pescadores filiados a colônias.

Muitos deles já desfrutam das ações promovidas através do Centro, como é o caso do produtor Augusto Dantas Lima, que mantém um tanque na região de Itiúba, em Porto Real do Colégio. Com a experiência que já possui, ele decidiu cultivar a espécie Xira, por ser mais rentável economicamente. “Já vieram dois compradores aqui”, diz ele, animado com o preço médio de R$ 5 o quilo da espécie. Outra vantagem da Xira é que ela se alimenta da vegetação no próprio tanque, enquanto as demais necessitam de ração, considerada o principal gargalo para os produtores da região e que chega a representar até 80% no custo de produção.

“Trabalhar com peixe é um negócio rentável. O peso maior está no custo da ração. Outra dificuldade que temos é a criação de canais de comercialização, para que possamos evitar os atravessadores”, declara João Roque, presidente da Associação dos Psicultores de Itiúba. Pelo menos na questão da ração, os produtores da região devem colher em breve novos resultados, a partir das pesquisas feitas na fábrica de ração do Ceraqua.

Histórico do Ceraqua

O Ceraqua surgiu do projeto do perímetro irrigado de Itiúba, iniciado pela Codevasf ainda nos anos de 1970 e que teve como primeiro foco a geração de emprego e renda através do peixamento de açudes e barragens. Na década seguinte, a companhia procurou avançar tecnologicamente e deu início à criação de viveiros de peixes e à contratação de engenheiros. Foi nesta época que também aconteceu um acordo de cooperação técnica do Brasil com a Hungria na área. A empresa fez parte da ação e assumiu como compromisso repassar os conhecimentos pelo país.

“Por conta da tecnologia absorvida da Hungria e com a implantação do perímetro de Itiúba, que na época já estava entre os centros mais importantes do país, a psicultura se tornou ainda mais rentável. Este é um dos grandes feitos da Codevasf”, conta o engenheiro de pesca Eduardo Motta, coordenador do projeto de implantação do Ceraqua.

Após a consolidação do perímetro irrigado de Itiúba, a mais nova etapa resultou na criação do Ceraqua, em 2010, em parceria com o governo do Estado, Embrapa e Ufal. Com isso, além da produção de alevinos, o Centro iniciou trabalhos em pesquisa aplicada, prestação de serviços, capacitação e produção, unindo de forma compartilhada ciência e tecnologia a serviço da sociedade, principalmente dos moradores ribeirinhos do Baixo São Francisco.