A influência dos hábitos alimentares, da dança, linguagem e outras tradições provenientes das matrizes africanas estão presentes no cotidiano dos alagoanos, independente da posição que ocupam na pirâmide socioeconômica e cultural.
Muita gente desconhece, por ignorância ou preconceito, que a população, não importando a cor da pele e descendência, herdou muito da cultura negra, a exemplo do movimento do corpo por meio do pagode, forró, axé e samba; o ninar do bebê; a culinária e até a linguagem, uma vez que não adota a forma imperativa da língua portuguesa e opta pelo vocabulário mais direto e menos formal.
A opinião é do professor de história do Centro de Estudos Superiores de Maceió (Cesmac) e pesquisador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (Neab), Zezito de Araújo. De acordo com ele, o modo de fazer a comida dos alagoanos, nordestinos e brasileiros sofreu forte influência da alimentação dos africanos. “Vale diferenciar a comida votiva (oferecida em rituais às entidades espirituais) da preparada nas cozinhas para a degustação da família. A primeira não usa certos condimentos para não prejudicar determinadas entidades”, distinguiu Zezito.
De acordo com ele, o inhame, a galinha, a pipoca, o óleo dendê e outros itens da culinária alagoana são bastante utilizados nas práticas religiosas dos terreiros, mas preparados com tempero e motivo diferentes. “Uma coisa é fazer o prato para a residência e outra é usá-lo com outros condimentos que têm significado simbólico para os adeptos dos rituais afros”, afirmou o professor, lembrando que saber as diferenças e semelhanças entre a culinária negra e a sua repercussão na alimentação do alagoano contribui para a quebra de tabus e práticas preconceituosas.
“É importante saber que esta alimentação, a exemplo do inhame, faz parte do ritual de qualquer religião e, no caso da matriz africana, cada entidade espiritual recebe uma alimentação e ritual específicos. “O inhame é uma raiz presente no continente africano que foi usada nos rituais religiosos e incorporada na culinária dos alagoanos”, explicou Zezito. Uma observação interessante que o estudioso no assunto faz é que, nos ritos sagrados, os pais e mães de santo não utilizam o sal no preparo dos alimentos ofertados aos deuses, substituindo-o por ervas.
A dança é outro elemento que os negros trouxeram e que reflete na forma como os alagoanos movimentam os corpos, a exemplo do forró, axé, pagode e samba. “Vale ressaltar que estes ritmos não são coisas de baiano como muitos acreditam, mas se devem à herança africana. Nos rituais dos terreiros, cada entidade recebe um tipo de dança”, diz Zezito de Araújo, ressaltando que a dança europeia não mexe os quadris como as de matrizes africanas. Segundo ele, a capoeira é uma dança de origem negra que ficou de fora das atividades clássicas como o balé.
O alagoano também herdou dos africanos a forma dengosa e carinhosa de tratar os filhos, a exemplo das expressões adotadas como cafuné, dengo e até o jeito de ninar e carregar os bebês no colo. “A mãe negra deixou de criar e mimar seu filho para cuidar e amar o do branco. A ama de leite deixou de amamentar seu bebê para amamentar os filhos dos brancos. Muita gente não percebe a rica construção cultural que os africanos nos legaram”, destacou.
Exposição – O pesquisador do Neab e professor de História, Zezito de Araújo, destaca que, no período de 16 a 19 deste mês, a Faculdade de Educação e Comunicação (Fecom) exibe, das 8h às 22h, de segunda à sexta-feira, fotografias da exposição intitulada Mãos Negras. O objetivo é levar ao público certas formas de produção intelectual das populações afrobrasileiras. Segundo ele, os negros são mostrados no período colonial e imperial como trabalhadores braçais e não como produtores de conhecimento.
“Eles não trabalharam apenas na cana de açúcar, mineração e café, mas na construção da arquitetura, artes religiosas, engenharia, no processo de industrialização do açúcar e até na exploração do ouro da fase bruta à transformação em pedra preciosa”, enfatizou o professor.