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Agradáveis Momentos: Até quando?

Até quando, pergunta conflitante entre querer saber e preferir não saber o fim do curso dos nossos dias é, apesar de contraditória, a mais conflitante das duvidas existenciais, vez que nos deixa entregues aos caprichos do cruel e traiçoeiro destino.

Tutmés, economicamente estabilizado, adquiriu uma confortável casa na praia do Peba. Ficava de frente para o mar. Seria, dai por diante, o repouso do guerreiro. Seria também, se chegasse à velhice, deitado em uma rede, o local para rememorar os bons momentos do passado.

Residia em Maceió. Chegado o fim de semana, na sexta-feira, descolava-se religiosamente para o seu refugio. Não era o refugio para o repouso físico e mental, próprio dos estressados das grandes cidades, mas para se descontrair, jogar conversa fora e esbanjar alegria com os amigos, sempre com a presença de uma inspiradora loira gelada. Esses encontros tinham diversos graus de temperatura que iam de uma simples bebedeira as mais incrementadas com musica ao vivo. Eram perfeitos congraçamentos entre parentes e velhos amigos, inolvidáveis para fazerem parte de suas futuras reminiscências.

A visão do mar é uma inesgotável fonte de inspiração para todas as direções da atividade do espirito, quer para o alto transcendental, quer para o plano terreno e suas corriqueiras representações do cotidiano. Voltada para o mar, sua casa era um palco armado para observar tudo que cruzasse com seu olhar. Mais divertido ficava na companhia dos amigos, quando aconteciam os mais disparatados comentários sobre as figuras que passavam e que iam da beleza feminina de uma graça divina aos desengonçados para o divertimento. Torciam sempre pelo aparecimento da formosura feminina quando os casados, quase todos, cometiam mentalmente o adultério.

Acontece que todos vivemos variados estados de espirito. De vez em quando a habitual extroversão dava lugar a uma calma interior que lhe despertava para os mistérios existências. Quando assim se sentia, especialmente numa noite enluarada sentava-se de frente para o mar. De posse de um aperitivo, indispensável para estimular a imaginação, apreciava e aspirava a agradável brisa. Extasiava-se com a imensidão dos mares. Não menos extasiante era o incomensurável do universo. A claridade do luar tornava o céu ralo de estrelas. Lá elas se encontravam. Eram milhões de galáxias e bilhões de corpos celestes de toda natureza. Desconhecidos eram os limites do cosmo. Qual a sua importância diante de tamanha grandeza? Outras tantas indagações surgiam em sua mente, todas fazendo parte do rol do insondável. Esgotava-se das perguntas sem resposta. Dava por encerradas suas divagações e retirava-se com o sentimento de impotência.

Assim vivia Tutmés na rotina dos mundos opostos. Trabalhava na capital e extravasava em sua casa de praia o saldo de sua vitalidade regada com toda descontração. Sabia que as benesses tem um preço nas transações baseadas na compensação. Nada é de graça, nem mesmo a felicidade. Qual é o preço pago pela felicidade? A certeza de perdê-la. Qual era o pesadelo de Tutmés? Saber que todos os momentos agradáveis com os amigos, não mais existirão. Esse drama, curiosa e inesperadamente, revelou-se em uma das farras quando, um tanto pensativo perguntou: até quando? Essa incerteza passou a afligi-lo com certa regularidade. O após morte é o fim de tudo ou nos viveremos em outra dimensão? Terrível angustia! Quando já vivemos os mais excitantes momentos da juventude e na maturidade ainda nos resta um pouco para usufrui-los, começamos a ouvir ao longe o toque fúnebre do fim dos nossos dias e, num misto de medo e saudosismo, ficamos constantemente a nos indagar: até quando?