Delegações de sete estados já vieram conhecer o modelo de acolhimento de dependentes químicos desenvolvido em Alagoas
Até 2009, famílias alagoanas viam-se obrigadas a recorrer a métodos arcaicos, na tentativa desesperada de garantir a vida de seus filhos. Jovens eram acorrentados em quartos e confinados em suas próprias casas para que não sucumbissem à tentação e aos males causados pela dependência química. Hoje o Governo de Alagoas colhe os frutos da implantação do Acolhe Alagoas, modelo de acolhimento de dependentes químicos que atua na prevenção da criminalidade e na reinserção social de usuários de drogas e já se tornou referência no Brasil.
Vários tipos de substâncias psicoativas eram como veneno para esses jovens, sendo o crack o de maior velocidade e potencial destrutivo. Sem conseguir lidar com a dinâmica da doença da dependência química, usuários e famílias se viam doentes e encurralados contra este inimigo, sem saber ou poder combatê-lo – muitas famílias já haviam perdido tudo,
saqueadas pelos próprios filhos para sustentar o vício. Não podiam pagar pela internação para tratamento. Outras não tinham mais forças para lidar com eles e acabavam recorrendo à polícia para internação em hospitais psiquiátricos.
Este cenário repetia-se em todo o País, e a discussão entre as diferentes esferas de governo, a sociedade civil e os especialistas de diversas áreas – saúde mental, segurança pública, assistência social, entre outros campos – era sobre que atitude tomar para enfrentar a destruição provocada pela dependência química.
Em Alagoas, tal discussão recebeu uma abordagem diferente, e o Governo do Estado resolveu investir em uma estratégia para mudança de comportamento dos dependentes químicos. “Enquanto se discutia a necessidade de investir em cadeias ou de focar unicamente na saúde do dependente, Alagoas investiu em uma atenção mais especializada ao dependente químico, e também criou uma estratégia própria para lidar com eles, não os colocando na situação de um problema para o Estado, mas os enxergando como pessoas que precisavam de ajuda. A proposta de acolhimento do dependente químico foi um ato de coragem do governador Teotonio Vilela, porque foi numa lógica completamente diferente do resto do Brasil”, conta o secretário de Estado de Promoção da Paz, Jardel Aderico.
Acolhe Alagoas
Foi com esse pensamento de realizar uma abordagem diferente que o Governo de Alagoas, através da recém-criada Secretaria de Estado de Promoção da Paz (Sepaz), iniciou em 2009 o trabalho de acolhimento de pessoas com dependência química como forma de prevenção social à violência e criminalidade. Tendo os dependentes químicos como potenciais vítimas ou executores dos atos de violência, o Estado entendeu ser necessário afastá-los do ambiente de tráfico e consumo de drogas, oferecendo uma chance para que eles compreendessem a situação e reprogramassem suas vidas.
“O usuário foi ouvido, a família foi ouvida. Essa pessoa que tem problema com drogas foi colocada em um ambiente humanizado para se recuperar socialmente, fisicamente, mentalmente, emocionalmente. Para que pudesse se afastar de forma definitiva do vício ou que, ao menos, conseguisse lidar com essa tendência de usar a droga”, explica Jardel Aderico.
Para realizar este trabalho, o Governo de Alagoas, através da Sepaz, aproximou-se de instituições que já tinham uma experiência de abordagem mais humanizada sobre a dependência química. Um olhar não discriminatório e punitivo, mas um olhar de apoio e atenção, de acolhimento. Essas comunidades foram, então, fortalecidas pelo Estado para que pudessem ampliar suas ações e ter uma maior abrangência em estratégias terapêuticas, número de vagas, estrutura física e de pessoal.
Assim, homens, mulheres e jovens a partir dos 12 anos de idade puderam aderir voluntariamente a internações de seis meses de duração em comunidades acolhedoras, de forma gratuita, custeados pelo Estado, sem pagamento de nenhum tipo de taxa ou colaboração.
A rede de acolhimento
“O desenvolvimento do Acolhe Alagoas ao longo desses anos foi muito positivo, porque, a princípio, tínhamos sete comunidades acolhedoras. A partir daí, instituições que praticamente não eram reconhecidas se aproximaram do Governo de Alagoas e se propuseram também a acolher – então passamos para treze comunidades. Daí outras experiências passaram a procurar a Sepaz ao ponto de, no edital público de 2012, atingirmos o número de 35 comunidades. E como algumas delas possuem dois prédios para separar homens e mulheres ou adolescentes de adultos, nós alcançamos a marca de 40 casas de acolhimento em 20 cidades de Alagoas, proporcionando 1.200 vagas para recuperação de dependentes químicos”, contabiliza o secretário.
O Acolhe Alagoas é a organização e padronização por parte do Estado desta rede de instituições para receber usuários de drogas e proporcionar o tratamento a eles. O caráter voluntário – precisando da decisão do usuário para o acolhimento – é devido à montagem das equipes e ao controle no uso de medicamentos para o tratamento.
Através de terapias de grupo e orientação sobre a condição da dependência química, que é uma doença sem cura, os acolhidos são orientados a descobrir o que os empurrou para o vício e reprogramar suas vidas. O resgate de valores é o foco.
O programa possui três etapas: prevenção às drogas, recuperação do dependente e reinserção social após o acolhimento. Por entender que a família também fica doente com o usuário de drogas, eles também são atendidos nos grupos de autoajuda.
Resultado do esforço
Nestes quatro anos de estruturação e funcionamento, 9.109 pessoas foram encaminhadas para comunidades acolhedoras, em quantidades cada vez maiores a cada ano que passa, devido ao desenvolvimento e expansão da rede de atendimento. Em 2010 e 2011, foram realizados 4.809 encaminhamentos. Só em 2012, as 35 comunidades receberam 3.589 pessoas. Nos dois primeiros meses de 2013, 711 pessoas buscaram ajuda para retomar o controle das suas vidas.
No entanto, é difícil quantificar o número de pessoas resgatadas pelo Acolhe Alagoas devido ao próprio caráter incurável da dependência química e ao fato de a recaída ser um desafio intrínseco a esta luta.
“O diferencial do Acolhe Alagoas é que ele não cuida apenas do tratamento patológico da doença, mas de um tratamento social. Ele ajuda o dependente químico a entender que situação o levou a esse uso abusivo de drogas e o treina para saber o que fazer para não se aproximar de novo dessa situação. Ou então para que em caso de recaída ele possa entender que isso não é um fracasso, mas um obstáculo apenas, que ele sempre pode voltar e pedir ajuda. E também o faz entender que ele não precisa voltar a se relacionar com o ambiente de violência e tráfico”, explica Jardel.
Referência nacional
O desenvolvimento da proposta do acolhimento para lidar com dependentes químicos foi tão positivo que começou a irradiar para o resto do Brasil. Em eventos de políticas sobre drogas dos quais tem participado em todo o País, o secretário Jardel Aderico tem divulgado o Acolhe Alagoas, despertando a curiosidade de outros estados.
“O que mais chama a atenção é a organização do Acolhe Alagoas. Por mais dificuldades que ainda enfrentemos hoje, o fato de a Sepaz controlar todas as vagas nas 40 casas de acolhimento e fazer isso através de um centro de triagem que reúne todas as informações das comunidades e dos acolhidos, proporcionando um atendimento imediato e humanizado, desperta a curiosidade nos outros estados”, diz, referindo-se ao Centro de Acolhimento para Dependentes Químicos, que fica localizado próximo à Praça Sinimbu, no Centro de Maceió.
Delegações de sete estados já vieram a Maceió conhecer o programa, resultando na implantação de projetos similares em Rondônia (que, inclusive, criou uma Secretaria de Promoção da Paz) e no Espírito Santo. Em janeiro, a proposta do Acolhe foi apresentada no Amapá, onde recebeu aval do governador para estudos de implantação.
“Os outros estados já reconhecem que, mesmo com limitações, Alagoas está anos à frente quando se fala de maturidade sobre a ação de acolhimento, em relação à atenção à pessoa que sofre com as drogas”, explica Jardel.
Esse reconhecimento chegou também o Governo Federal. No fim de 2012, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) lançou um edital de chamamento público para comunidades terapêuticas e acolhedoras para tratamento de dependentes químicos.
“O Governo Federal, inclusive, tratou no seu edital da palavra acolhimento. E acolhimento nasceu da experiência e da decisão de Alagoas. Ele se expande hoje pelo País por causa dessa compreensão, de que o dependente químico não deve ser unicamente jogado num hospital psiquiátrico, numa delegacia ou numa cadeia. Ele precisa de atenção, de uma estratégia para reorganizar sua vida e aí conseguir se afastar das drogas”, destaca o secretário.
