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A indústria e o novo governo: as intenções serão cumpridas?

Periodicamente, quando da eleição de um novo presidente, a Confederação Nacional das Indústrias apresenta uma série de reivindicações intitulando-as como plano de retomada da indústria, com as sugestões do setor para o desenvolvimento nacional do segmento produtivo e consequente melhoria para a população brasileira.

Os dirigentes da CNI cumprem as suas obrigações estatutárias, pois para isso foram eleitos e seus argumentos são bem fundamentados e caso sejam efetivados transcenderão o ambiente industrial, atingindo os outros segmentos produtivos em um efeito cascata. No documento apresentado em dezembro do ano passado, após o resultado do 2º turno, muitos dos itens já constaram de documentos similares anteriores, como ampliar os prazos para pagamentos de tributos, aperfeiçoar e fortalecer o sistema de financiamento à inovação, entre outros e que vão ao encontro das promessas feitas pelo governo eleito na campanha. Aqui emerge a questão principal: por que continuam recorrentes?

A principal preocupação da confederação são os resultados das pesquisas que realiza regularmente, para conhecer a participação do segmento industrial no PIB nacional. Esta participação, de acordo com a última pesquisa, vem em uma curva decrescente, pois em 1980 foi de 48%, em 1985 36% e em 2021 11%, o que por si só indica que estamos em um processo acelerado de desindustrialização refletindo negativamente na economia brasileira como um todo.

Neste plano de retomada da produção industrial, denominado de Reindustrialização da Economia Brasileira, enfatiza a necessidade de investimentos para aumento da sua produção e respectiva produtividade, através de equipamentos modernos e mão de obra melhor qualificada, para equiparar a produtividade brasileira ao nível da internacional e assim ter competitividade nos mercados internos e externos.

Novos investimentos dependem do ânimo dos agentes econômicos, mas os indutores têm que sinalizarem, a longo prazo, um ambiente econômico/político estável que depende diretamente da política econômica/fiscal do governo, pois desta política é que resultará no controle efetivo da estabilidade entre a arrecadação e os gastos públicos, que é a causa principal da estabilidade da inflação com consequências diretas no nível das taxas de juros básicos (SELIC), igualando-as ao padrão internacional. Como todo investimento é risco, qual o empresário que vai investir seu capital quando há indefinições na política macroeconômica no país? São estas dúvidas que a CNI trata no seu documento reivindicatório.

Os agentes econômicos utilizam como principal variável na realização de seus investimentos a Taxa de Retorno Sobre Patrimônio Líquido (ROE), que em termos simples significa qual será o lucro de cada R$ l,00 investido. É praticamente improvável que o investidor obtenha resultado compensador com as atuais taxas de juros pois enquanto a Selic se manter em 13,75% aa os bancos cobrarão os juros bem acima desta taxa para financiar não só novos investimentos, como também para o custeio de matérias primas para a produção.

A solução para desmontar estas barreiras impeditivas da reindustrialização está com o governo, que é o principal ator desenvolvimentista do país. As soluções sugeridas por associações industriais, economistas renomados e outros autores, que a tempo deixaram o ineditismo, deveriam ser tratadas como procedimentos básicos, cabendo ao governo a escolha da mais adaptável ao seu projeto político e implementá-las.

É quase unanimidade entre os operadores econômicos que o fundamento de uma política governamental sólida é a que produza, inicialmente, um ajustamento nos gastos públicos adequando-o às suas receitas, procedimento óbvio e relaxado, mas como estes gastos são ao mesmo tempo causa e efeito, de nada adiantará, por exemplo, baixar artificialmente as taxas de juros se esta é influenciada pelo déficit orçamentário, mas que pode ser enfrentado pelas reformas tentadas no governo Temer, mas que pela exiguidade de tempo do governo, ficaram, como sempre vem acontecendo, para o governo subsequente e assim adiada sistematicamente por ser contrária a interesses classistas.

A reindustrialização nacional é viável, caso o governo inicialmente promova uma reforma administrativa consistente para reduzir, em bilhões, suas despesas anuais com pessoal, que com raras exceções são remunerados bem acima da média do setor privado e apresentam uma produtividade cômica. A economia resultante desta reforma tende a produzir uma queda sistemática dos juros básicos, proporcionando menos custos financeiros da dívida do governo e consequentemente mais recursos para investimentos em infraestrutura beneficiando todas as atividades produtivas.

Concomitantemente deve realizar uma reforma tributária tão necessária para que produza efeitos em simplificação do cálculo, pagamento e distribuição de impostos, produzindo efeitos benéficos nas empresas não somente industriais, que atualmente tem um gasto elevado de despesas administrativas, tempo e pessoas, em efetuar cálculos decorrente de legislação complicada e diversa.

Continuando com o óbvio, a tão comentada reforma fiscal que se resume a apenas um ponto principal: um marco definidor das despesas e endividamento do governo e uma legislação segura para quem investe na produção se faz prontamente necessária.

Essas ações que já são do domínio público, tendem a produzir os efeitos que a CNI requer como tão bem registrou no documento apresentado ao governo. Outras se fazem necessárias, mas são complementares. Como o atual governo é contrário a privatizações e concessões esperamos que mantenha as atuais como estão, mas chega de criar novas, pois são improdutivas e hoje toda atividade econômica interessa a iniciativa privada, diferente do século XIX.

As questões provocadas pela CNI terão respostas efetivas ou esperamos mais quatro anos para serem reenviadas ao próximo governo?