Oito anos de idade era o que ele tinha, embora aparentasse ter seis. Chamava-se João Cabral, como o poeta João Cabral de Melo Neto. Era também nordestino, como Severino de “Morte e Vida Severina”.
Ele chegou primeiro calmo, tranquilo e educado. Sua irmã mais nova veio depois. Chamava-se Ruth Cabral. Era magra, de cabelos negros, lisos, compridos e rosto redondo. Tímida, mal falava. Quando perguntada sobre alguma coisa, respondia com um sorriso sem graça e não conseguia pronunciar sequer uma palavra.
As outras crianças riam dos dois.
Quando nossos encontros semanais terminavam, os dois sempre me acompanhavam durante o percurso até a casa. Prestativos e solícitos, auxiliavam-me sempre a transportar os vários apetrechos que carregava.
Durante uma linda manhã ensolarada, em que o céu parecia estar pintado com mil tons azuis, quando retornávamos da escola para casa, ao atravessarmos a rua, deparamo-nos com uma espécie de vegetação rasteira, onde várias flores amarelas — cuja denominação, científica ou não, desconheço — teimavam em adornar o caminho dos transeuntes que por ali passavam, perdidos em seus mundos interiores.
Algo chamou a atenção de Ruth, ao observar as flores amarelas.
Então, ela abaixou-se delicadamente e colheu uma única flor. Como estava acostumada a ter tão pouco da vida, aquela única flor silvestre, quase sem perfume, significava muito para ela: um magnífico tesouro.
Seus pequeninos olhos negros brilharam e com um sorriso meio sem jeito, presenteou-me com a flor amarela, quase sem perfume, cujo nome não sei. Mas, emoções várias invadiram-me o coração e, naquele momento, a flor tornou-se para mim a mais perfumada de todas as flores.