A dialética marxista, que atingiria sua última fase no comunismo com a extinção da luta de classe e cada um podia fazer jus às suas necessidades e outras benesses celestiais, nunca chegou a se consumar. Atingido o penúltimo degrau, o socialismo, desmoronou-se depois de várias décadas. Sendo o ateísmo uma de suas características, o comunismo traria, como autêntica ironia, o paraíso do céu para a terra. Nesse sentido, implícito estava o fim da jornada e o homem passaria a usufruir as monótonas delícias do céu. Esse entendimento contraria a lei natural da vida, pois, enquanto ela existir a luta, o movimento será perene de forma alternada entre fluxo, refluxo, evolução e involução, especialmente sob o aspecto moral.
E a dialética petista, admitindo-se que a tivesse, seria tão sonhadora quanto a marxista ou hegeliana? Na hipótese afirmativa, temos de concluir, segundo vem nos informando o noticiário, que só existe na teoria. Na prática, antes de dar um passo para frente, o PT tem feito para trás, cedendo às tentações do capitalismo. Se Marx, Engels e tantos outros socialistas da época queriam uma mudança radical da sociedade, pretendendo acabar com a extrema pobreza, a miséria e desumanas condições de trabalho, extensivas às crianças, era mais do que justo. Exilado em Londres, Marx não apenas a testemunhou, viveu e sentiu a carência do mínimo para sobreviver. Nada mais natural o desejo de quem está a sofrer as agruras do inferno, desejar o céu. O contrário é igualmente verdadeiro.
No caso petista, ausente a miséria que poderia estimular e justificar a ilicitude o que tem levado tantos a se transviarem da sua sagrada ideologia? Apenas um caso de apostasia? É o que nos parece mais provável. Mas por que, perdida a fé no socialismo, tiveram e têm de continuar a vestir a fantasia da honestidade, encantadora personagem que tem sido útil apenas como ícone de adoração? Existe melhor artifício para enganar? Enquanto não se é desmascarado, parecer ser honesto é tão respeitável quanto ser. Sob essa capa pode-se continuar a arrostar decência e passar recibo de honradez e confiança. Quem não se lembra de José Dirceu, punho cerrado para cima após ser solto, num gesto de vitória, mesmo sabendo estar enlameado até o pescoço?
Há poucos dias atrás o presidente do PT, Rui Falcão, rosto comprido que lembra uma fisionomia bovina, bovinamente em entrevista pública acusou os meios de comunicação, os partidos de oposição e a justiça de estarem querendo desmoralizar seu partido, desestabilizar o governo Dilma e atingir o prestígio de Lula. Isso aconteceu logo depois da segunda prisão de José Dirceu, um dos fundadores do PT. Seus dirigentes, quando não encontram substância para argumentar em defesa do ilícito escancarado, que o torna indefensável, preferem, ao silêncio, proferir asneiras. Ora, excluída a oposição sistemática, cabe à oposição fazer oposição.
O que diziam quando os meios de comunicação noticiavam altos índices de aprovação dos governos Lula e Dilma? E se voltarem a fazer o mesmo, caso haja uma melhora de aprovação? É quase impossível nos depararmos com um barbudo de esquerda tolerante a crítica. O uso da palavra democracia, abusivamente repetida, não passe de exibicionismo e enfeite de linguagem para hipocritamente se passarem por democráticos. A democracia só é válida e elogiável quando permite a baderna para atingir seus fins políticos, nunca quando os contraria. Julgam-se intocáveis e inatacáveis, capazes de negar a evidência, da mesma forma que o adúltero pego em flagrante delito, defende-se com a famosa frase: “não é o que você está pensando!”. Não existem petistas corruptos senão nos que sofrem de miopia, miragem e ilusão de ótica. Para não pecarmos por excesso, são intragáveis e indigestos.
Desmemoriado, desmiolado e carente de uma visão sensata, o PT pretendia trilhar o passado inglório do socialismo. Para surpresa geral, mudou o curso do seu ideal humanitário em prol dos menos favorecidos. Nada de dialético, quer seja Marxista ou Hegeliana. Preferiu ser original, adotando a dialética do crioulo doido, tendo em comum apenas as três fases para atingir sua meta. Partiu para a luta e conseguiu, após algumas derrotas, atingir a primeira etapa, a conquista do poder. A segunda foi um período de arrebatamento e êxtase, sentindo, embriagado, as delícias e encantos do poder, sem se dar conta de suas armadilhas, suas tentações na arte de corromper. Os petistas lembravam uma cena platônica quando imaginava a alma embevecida contemplando as Verdades Puras, as Formas Perfeitas e, depois da saciada, voltava para o seu céu. O PT, em sentido totalmente inverso, enquanto matutava sobre a direção de seus passos, chegou ao Hades. Finalmente, na ultima teve de enfrentar a mais pungente e angústiante dúvida shakespereana: ser ou não ser honesto, acreditar e honrar o socialismo ou manda-lo às favas? O poder é a metamorfose na forma de uma linda e atraente jovem lasciva que indiscriminadamente todos aconvida, com gestos insinuantes, a sugar-lhe suas maravilhosas tetas. A carne é fraca. Vendo tantos colegas, sem nenhum esforço, a gozar pecaminosas vantagens, muitos cardeais do partido cederam à concupiscência e mergulharam nas águas turvas e poluídas da corrupção, sofrendo hoje as desonrosas consequências.
Aí está o PT, antes portador da probidade e regeneração da política, sufocado no lamaçal, completamente à deriva, de tudo carente, sem dialética, sem ética e sem estética, exibindo um rosto feio e deformado pelo vício da ganância.