Há 13 anos, o dentista aposentado Hélio Moreira resolveu dedicar-se a uma atividade que não o deixasse parado. Ele plantava cana e decidiu aproveitar a matéria-prima que já possuía para montar um alambique. Sem entender nada do assunto, dedicou-se aos estudos e, vendo filmes, foi aprendendo como funcionava o processo de produção da cachaça. Contou também com algumas dicas de um amigo e conseguiu concretizar o que inicialmente ele chamou de hobby.
Ele montou um alambique em Cajueiro, mais precisamente na região onde antes existia o povoado Gameleira, local onde nasceram e morreram seus pais e avós. O que antes era brincadeira foi virando coisa séria e tornou-se uma das referências de Alagoas quando o assunto é fabricação de cachaça. São em média 150 litros diários da bebida, que ganhou a marca Gameleira, produzidos diariamente e que têm garantido o sustento direto de pelo menos quatro famílias.
O local é pequeno, mas muito aconchegante e limpo. De lá saem para comercialização três tipos de cachaça. A branca, que fica armazenada no inox por, no mínimo, seis meses, a envelhecida em barris de Carvalho, que só é engarrafada um ano depois de armazenada, e a envelhecida em barris de Umburana, que já pode ser apreciada seis meses depois de armazenadas. São esses dois tipos de madeira que dão o tom amarelado e os sabores característicos à bebida.
A produção da cachaça Gameleira acontece entre os meses de outubro e março, devido ao período da entressafra da cana-de-açúcar, que é plantada e colhida no mesmo terreno onde funciona o pequeno engenho. Segundo Hélio Moreira, a qualidade da cana é fundamental para uma boa cachaça.
“Quanto mais sacarose, mais saborosa a cachaça. Por isso, fazer cachaça durante o inverno não é o ideal, pois a cana perde muito açúcar por conta da água que recebe da chuva. De março a outubro é a hora de cuidar da safra e não de fazer cachaça. O plantio da cana, o corte e o transporte são fundamentais durante o processo de fabricação da bebida. O ideal é que a cana seja transportada em animais, sem que tenha contato com o chão. A questão da higienização é também de extrema importância”, diz.
A Gameleira é feita somente do que é chamado de coração ou corpo da cachaça. É a parte mais saborosa do líquido que fica pronto após vários processos químicos como decantação, fermentação, vaporização e condensação. Com o uso de um alcoômetro, é possível saber quando o teor de álcool da bebida está ideal para o consumo, ou seja, quando se chegou ao coração da cachaça. E o resultado não deixa nada a desejar em relação às cachaças produzidas em Minas Gerais.
Uma coisa que chama a atenção aos que visitam o alambique Gameleira é o fato de que nada se perde, tudo é reaproveitado. O bagaço da cana serve para alimentar o fogo na hora de aquecer a cachaça e o vinhoto, que é o líquido que sobra após a destilação fracionada do caldo de cana-de-açúcar fermentado, e que é extremamente agressivo ao meio ambiente, vira alimento para os animais.
A logomarca da cachaça é outra coisa que chama a atenção. É a imagem da casa onde viveram os pais de seu Hélio. O imóvel hoje centenário fica localizado ao lado do engenho e permanece intacto, bem cuidado, com a mesma mobília utilizada pelos pais dele. “Quando ele disse que ia montar um alambique eu falei que a maior homenagem que ele podia fazer aos nossos pais era colocar a foto da casa nas embalagens da bebida”, relata Shirley Aragão, irmã de Hélio Moreira.
Segundo Hélio Moreira, a maior dificuldade sentida não só por ele, mas por todos os produtores de cachaça do Estado, está na questão das vendas. A maioria do que é produzido não chega a ser comercializado por falta de interesse do público alagoano com o que é produzido em Alagoas. “O alagoano não tem o hábito de apreciar a cachaça e, quando aprecia, prefere o que vem de fora ao que é feito por aqui. Se nós conseguirmos entrar no mercado local já é uma grande vitória”, destaca.
E é na Associação dos Produtores de Cachaça de Alagoas (Aprocal) e no governo do Estado que seu Hélio e outros cinco produtores têm encontrado o apoio de que precisam. A associação tem trabalhado a questão da divulgação e já até criou um kit que possui os produtos dos seis alambiques alagoanos associados para ser distribuídos pelos bares de Maceió.
O grupo também fez solicitações ao governo do Estado, que se tornou o maior incentivador dos produtores de cachaça locais. “O Governo tem apoiado nosso trabalho e está muito empenhado em nos ajudar. Com a Aprocal, os negócios começam a tomar um outro rumo”, afirma Hélio.
As cachaças com a marca Gameleira atualmente podem ser encontradas em lojas de artesanato espalhadas pelo Estado.