Breve Diálogo: Como Imaginar Deus na Imensidão do Universo
Orfeu, apesar de citadino, gostava da vida do campo e de tudo que dele emanava. Admirava, acima de tudo, a sua tranqüilidade e embevecia-se, ao clarear do dia, com o vôo livre e o canto dos pássaros num coral afinado que parecia agradecer o surgimento de um novo dia.
Era dono de uma chácara com uma área aproximada de cinco hectares, situada num vale cercado por montanhas. Dividindo ao meio o vale, corria uma ribeira de águas frias e cristalinas. Nada ficava a dever ao imaginário paraíso.
Tinha uma queda pela fruticultura, diversificando-a ao máximo. Na primavera, a mata que cobria os morros, pontilhada de ipês com flores de diversas tonalidades, a todos fazia emudecer em êxtase pelo espetáculo de impar beleza.
O mês era outubro, plena primavera quando a natureza, vestida com o toque da mais pura espontaneidade, exibe-se com a divina majestade da sua beleza. Foi quando levou a conhecer o seu refúgio o amigo Dionízio com quem, no passado, costumava trocar idéias.
Terminado o jantar, por volta das dezenove horas, os dois amigos, com cadeiras em punho, sentaram-se do lado de fora para refrescar e apreciar o firmamento. Era oportuna aquela noite, pois, sem luar, o céu fica mais belo, enfeitado de estrelas.
Sentindo-se refrescado, Orfeu com os olhos fixos nas estrelas, iniciou a conversa. Nunca esqueço, ao olhar para as estrelas, de Abraão Lincoln quando disse que concordava que alguém olhasse para o chão e permanecesse ateu, mas não concebia que olhando para o céu, afirme que Deus não existe. É bem interessante esse pensamento. O firmamento, realmente, é algo fantástico. Pondo-me diante dessa grandiosidade, a apequenada e intimista visão de Deus sob a ótica religiosa, procuro a todo tempo como imaginá-lo na imensidão do universo. Veja você, existem bilhões de galáxias com bilhões de estrelas e planetas. Ante esse surpreendente realidade, Deus, teologicamente, não se assemelha mais a um pequeno chefe tribal do planeta Terra? Se tivermos de acreditá-lo segundo o entendimento cristão, seremos obrigados a admitir que somente a terra é habitada por vida inteligente ou, caso contrário outras existam, não importam números, são todos cristãos. Qual a sua posição a respeito? Convivendo de perto com as belezas terrenas, atemo-nos quase sempre aos prazeres que nos proporcionam. O mesmo não acontece com as do céu, longínquas e indevassáveis, constituindo os mais intrigantes e instigantes mistérios da vida. Fazendo parte, com outros planetas, do sistema solar, sendo a Terra a única sorteada a ter vida inteligente, forçosamente nos perguntamos: será que existe vida inteligente em outros planetas, em estrelas desta galáxia da qual fazemos parte e de outras. O que você acha ?
— Dionízio. Antes de responder-lhe, pergunto: Por que somente a Terra, entre os outros planetas do nosso sistema solar, tem vida? Exatamente por ter uma órbita em volta do sol na distancia apropriada, isto é, não muito distante para não congelar-se e não tão perto para não ter evaporada toda a sua água, elemento imprescindível à origem da vida. Igualmente ao sol, existem estrelas com um sistema planetário.
Como o número de estrelas é incalculável, será que somente a Terra tem esse privilégio? Foge totalmente às probabilidades matemáticas?
— Orfeu. Concordo perfeitamente com você. O que me chama a atenção, quando sabemos o porquê da vida na Terra, é ter de concluir que em qualquer corpo celeste ela é imanente, potencialmente existente a depender das condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Isso quer dizer que se em vez da Terra estivessem Vênus ou Marte, planetas sólidos e tamanho equivalente, em sua órbita, teríamos a vida tal qual entre nós. Será que nos mínimos detalhes?
— Dionízio. É difícil saber se seria uma fotocópia, mas certamente haveria muita coisa em comum. Quem sabe até sob o aspecto histórico da humanidade.
— Dionízio. Não acredito que tenha de ser igual. Nada é igual em termos de civilização e muito menos em nível planetário. As diferenças, como sabemos, existem até no que tange ao biotipo. Creio, por exemplo, que se três naves espaciais da Terra aterrisassem em pontos diferentes de uma civilização alienígena, levando respectivamente brancos, negros e amarelos, seriam tomados como de planetas diferentes, os Ets são descritos, na maioria das vezes, como de estatura baixa, olhos e cabeças desproporcionais. Na Rússia, há narrativa de quem os tenham visto como brancos e estatura alta.
— Orfeu. Quero acreditar que os elementos químicos existentes no universo são os mesmos em toda parte e a combinação desses elementos, a escassez ou predominância de alguns são as causas responsáveis pelas diferenças em tudo.
— Dionízio. Acho que tem sentido. A verdade, Orfeu, é que a vida sendo um absurdo, absurda torna-se qualquer abordagem a seu respeito. Ficamos apenas pelas bordas e no campo do hipotético, mas que não deixa de ser um excitante exercício da imaginação. Mistério é, simultaneamente, atração e repulsão. Existe algo que supere a idéia de infinito do espaço para derreter o cérebro? Mas, mudando um pouco, gostaria de saber se você acha que em tudo deve haver uma finalidade.
— Orfeu. Bem, todos nós perseguimos um objetivo na vida, sob pena de torná-la um barco sem rumo. Entretanto, atingido, outros objetivos devem ser procurados. Creio na finalidade relativa, nos limites da nossa vida, nunca além dela.
— Dionízio. Assim também penso. Finalidade vem de fim, isto é, atingido resultaria na imobilidade, que é uma negação da vida.
— Orfeu. Correto. Já que estamos a falar de prováveis vidas inteligentes fora da Terra, já lhe ocorreu perguntar-se qual a finalidade de tantos corpos celestes encontrarem-se desabitados? Isso não nos dá a impressão que o universo, em expansão como acreditam alguns cientistas, é feito sem uma programação inteligente, mas a esmo, obedecendo a uma força intrínseca? A vida inteligente, por outro lado, nesse jogo cego da criação, assemelha-se ao sorteio da mega sena, com milhões de combinações, para que algumas poucas sejam premiadas.
— Dionízio. É a impressão que nos dá. E você já imaginou se todo o universo fosse despido de vida inteligente? Não seria ainda maior absurdo de um imenso palco, com o autor da peça desconhecido, e completa ausência de espectadores? As leis intrínsecas da criação tinham que conter em seu bojo a inteligência. A inteligência e os sentidos do homem para que ela fosse apreendida, vivida e admirada.
— Orestes. Será que não estamos indo longe demais? Afinal de contas, nesse cenário obscuro da criação, o que temos a dizer a respeito de Deus? Onde colocá-lo em sua própria engrenagem?
— Dionízio. Sinceramente, não consigo conceber a existência de Deus como um regente, do lado de fora, separado da própria obra, mas sendo em cada criação parte dela. Nós, humanos, somos vontade, inteligência e liberdade de ação. Do outro lado, Deus, sob o ponto de vista panteísta, como o imaginamos, é inteligente mas não tem vontade e liberdade no ato da criação, pois, se assim fosse, poderia a todo momento estar mudando suas leis naturais, o que não acontece.Quando se diz que Deus criou o homem segundo sua imagem e semelhança, tem um sentido relativo se tirarmos a criação como ato deliberado. Entretanto, se afirmarmos que o homem,aqui na terra e em qualquer parte do universo, reflete parte da essência de Deus como força criadora determinada, estamos mais próximos da verdade.
— Orfeu. É difícil crê-lo de forma diferente, uma verdadeira frustração para os que acreditam numa outra vida após a morte. Pelo adiantado da hora, concluo para dizer que nós somos uma extensão de Deus que é tudo, e esse tudo age segundo leis que lhe são imanentes. A inteligência, de outro lado, segue o princípio da germinação espontânea. Surgidas as condições favoráveis para o desenvolvimento da vida na sua forma evolutiva, em determinado momento ela aparecerá e o ente inteligente fará os diversos estágios da sua história e desejará, a partir de seus desejos e aspirações, que Deus, com características humanas, deve existir para satisfazer seus fins na eternidade.
— Dionízio. Desejo inútil, porque toda finalidade absoluta depara-se na inércia e no fim. Esse desejo de querer viver eternamente, apesar do seu absurdo, é natural porque fazemos parte da eternidade, não no sentido linear, mas em ciclos que se alternam ou, como dizia Nietsche, correm eternamente as estações da existência.
Por hoje basta. Uma das finalidades da noite é dormir. A cama nos espera. Em outra oportunidade daremos sequência a esse palpitante assunto.
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