Jean Lenzi

Jean Lenzi

Ator, dramaturgo, encenador teatral e ativista cultural

Postado em 16/07/2012 14:47

“Um teatro feito de pólvora e poesia”

“Um teatro feito de pólvora e poesia”
Espetáculo encenado pela Himperativa Comunicação e Cultura

Esta foi a pergunta que um amigo muito próximo me fez quando o convidei para irmos assistir “Pólvora e Poesia”, espetáculo baiano que completou na última sexta-feira, 13 de julho, o circuito Alagoas na programação 2012 do Palco Giratório – SESC.

- “Sem dúvida um momento interessante para a “juventude” penedense. Rimbaud foi indiscutivelmente, e ainda está sendo, considerado o escritor que mais influenciou a nossa literatura. Lêdo Ivo que o diga”. Insistiu o amigo, lamentando-se por sua ausência e principalmente por não ter tido condições de ir conferir de perto quais novidades haveria em relação a dois dos seus poetas prediletos.

Para o amigo que buscava novidades, uma em especial sobressaltou-se: Rimbaud e Verlaine vivem, e suas poesias estão mais atuais do que nunca. Na cena, a verve poética, os questionamentos e o amor tão tórrido quanto dorido que formavam suas personalidades, materializou-se nos apolíneos corpos dos atores Talis Castro e Caio Rodrigo, – P.V. e A. R. respectivamente.

A direção precisa do experiente Fernando Guerreiro garantiu ao público o real desnudamento, em sentido literal, e sem que a este fosse atribuído o chamariz da peça. A nudez ali foi, então, consequência e não causa. Aliou-se a isso, uma sonoplastia instigante muito bem concebida por Juracy do Amor. Informa o programa da peça: “com um texto impactante, a carga poética da peça fica por conta da violência emocional com que o lirismo salta dos discursos travados para tomar forma através de movimentos corporais pontuados pelos ‘riffs’ de guitarra que – acompanha a peça do começo ao fim -. O espetáculo convida-nos a uma imersão no que há de mais humano: o encontro conflituoso com o próprio eu”. Daí, testemunhar as competentes atuações dos “jovens baianos” reacendeu a certeza de que por estas bandas um teatro de qualidade, convidativo à reflexão e não somente ao besteirol, também é possível. Ponto então, para o Serviço Social do Comércio – SESC em cuja iniciativa de fazer circular espetáculos dramáticos, vai além do ecletismo das cenas: é antes de tudo a democratização do bom teatro.

A peça que foi escrita há pouco mais de dez anos pelo consagrado autor de teatro e de telenovelas, Alcides Nogueira, sintetiza bem os momentos finais da convivência dos poetas numa Europa em conflitos. Paul Verlaine que, diante da corte promotora que o acusa de ser sodomita nega seu amor por Arthur Rimbaud, jovem poeta que ele fez vir do interior para residir debaixo do mesmo teto que sua esposa grávida, Mathilde, e desejoso por lançá-lo junto à nata da boemia intelectual francesa com a ingênua intenção de fazê-lo “estourar”. O jovem Rimbaud, entretanto, despido de todos os preconceitos da burguesia, renova em Verlaine o encantamento da produção poética. E para desespero de Mathilde, os dois partem sem destino certo, iniciando uma tumultuada relação regada a amor, cumplicidade, agressividade e muito, mas muito absinto.

Sem sombra de dúvidas a Cidade do Penedo vivenciou naquela noite uma encenação memorável. Seu povo que já teve a oportunidade de “conhecer” os escritos de Artaud, Fernando Pessoa e Jean Genet quando, em 1994, sob os auspícios da Fundação Casa do Penedo veio, direto do Teatro Ipanema no Rio de Janeiro, o saudoso ator Rubens Correa com seu intenso e performático Artaud dirigido por Ivan de Albuquerque; assim também em 2008, o consagrado diretor alagoano Lael Correa que na oportunidade capitaneava a nau de Fernando Pessoa com exímios “Navegantes” e em 2009, com Genet com sua icônica “Madame” – isso só para citar as grandes cenas da atualidade.

Lamentei, contudo, o fato da apresentação de “Pólvora e Poesia” ter sido no palco do Theatro Sete de Setembro, em que pese a forte carga dramática ter contribuído positivamente para esquentar ainda mais o clima do recinto. Informava o programa do Palco Giratório que a apresentação se daria na Casa de São Francisco – Ordem Terceira. Sem dúvida, os irmãos franciscanos perderam pela segunda vez uma oportunidade singular de prestigiar a encenação do irreverente “Soneto do Olho do Cu”, construído no ápice da amizade entre os dois poetas, com segura liberdade e provocação. Isso, é claro, se quisermos considerar a possibilidade de que a Academia Penedense de Letras enquanto esteve abrigada sob o teto santo do Convento de São Francisco, possivelmente nunca tenha sido despertada por seus nobres acadêmicos com a instigante leitura desse emblemático soneto. Uma lástima.

Por fim, os aplausos foram dados de pé. Não diferente do que se podia esperar, a plateia, acredito, tenha não somente visto além da beleza dos intérpretes como também se permitido ao toque daqueles artistas que por inspiração de um rigoroso e exaustivo trabalho de arte, garantiu a todos um espetáculo digno.

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  • Amadeus Jean, parabéns pelo texto! Ribaud poeta anarquista com breve passagem pela comuna de paris de 1871, jovem inquieto que ganho muitos prêmios ainda quando garoto, tudo foi precoce, até mesmo sua morte: parou de produzir aos 20 anos e morre aos 37. Um gênio que marcou a musica, a literatura e a arte.
  • Alessandra da caixa d'água Jean, não sei o que estava fazendo que não fui ver a grandiosidade destes meninos, ainda mais vindo ao palco com Rimbaud e Verlaine. Lendo agora seu artigo, mto bem escrito, me senti com culpa. Sim, e você, quando volta aos palcos? Espero ver mais cousas tua, sai desse ÓCIO, amigo.
  • Francisco Araújo Filho Jean: Na verdade, é necessário entender que uma Academia é um tipo de instituição com objetivos muito específicos, dentre os quais uma postura iconoclasta ou subversiva não é, exatamente, uma prioridade ou elemento característico (evidentemente, dentro do âmbito da militância cultural cabem muita
  • Francisco Araújo Filho muitas formas de combate e tentativas de construção ou descontração de valores). Pelo contrario, é própria da índole das academias uma postura mesmo mais conservadora (sendo válido esclarecer que nem todo conservadorismo é, inerentemente, nocivo para a sociedade), sendo que esse conservadorismo não
  • Francisco Araújo é tanto fruto de uma escolha de seus membros, mas da própria essência daquilo que uma Academia representa (a escolha se dá, na verdade, quando você opta por entrar na Academia, motivo pelo qual alguns dos maiores escritores do mundo se negaram terminantemente a participarem de qualquer Academia).
  • Francisco Araújo Eu diria que dentro do ?combate cultural?, a função da Academia é mesmo mais de construir e manter valores (estéticos principalmente) já estabelecidos do que uma ação destruidora. Na prática isso se dá, por exemplo, quando a Academia Brasileira de Letras se coloca como guardiã da correção gramatical
  • Francisco Araújo da língua portuguesa (conservação da norma culta) e se propõe a reverenciar e enaltecer literatos e poetas mortos, perdidos em um passado longínquo, que hoje, para as novas gerações, pouco significam (como o alagoano Guimarães Passos, segundo ocupante da Cadeira Nº 26 da ABL). Além disso, o fato da
  • Francisco Araújo Academia ser composta por pessoas diversas, com formas de pensar diferenciadas, dificulta que a instituição (e isso é algo que ocorre com todas as instituições) assuma uma postura única e definida sobre qualquer tema, seja ele estético, moral, religioso, político ou comportamental. Assim, sendo, é
  • Francisco Araújo Assim, sendo, é pouco provável que algum membro de qualquer Academia veja a recitação de um poema picante, dentro de um ambiente eminentemente sacro, como uma postura necessária e afirmativa. Seja esse membro da Academia Francesa, da Brasileira ou da nossa modestíssima Academia Penedense de Letras.
  • Arthur Vasconcelos Parabéns pela matéria querido Jean! sempre com posts dinâmicos e atuais!
  • tiago souza Essa peça foi incrível,forte,impactante,explosiva e ousada.um belo espetáculo.