Francisco Souza Guerra

Francisco Souza Guerra

Procurador Geral do Município de Penedo

Postado em 31/03/2010 01:39

Royalties de Penedo: Fim da pirotecnia jurídica. Início do Calvário

Antes de mais nada, sem menosprezar o nível cultural dos leitores, nem desejar parecer esnobe ou professoral, entendo, para o deslinde do tema que passaremos a discorrer, necessário esclarecer o significado da tão propalada palavra: “royalties”.

“Royalty ou royaltie é uma palavra de origem inglesa derivada do vocábulo "royal" que significa aquilo que pertence ou é relativo ao Rei, monarca ou nobre, podendo ser usada também para se referir à realeza ou nobreza. Seu plural é royalties. Na antiguidade, royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos.” (Dicionário Wikpédia)

Atualmente, royaltie trata-se da compensação financeira paga ao proprietário da terra ou área em que ocorre a extração ou mineração de petróleo ou gás natural. No Brasil o petróleo pertence à União, embora a Lei nº 9.478/1997 garanta que, após extraído, a posse do petróleo passa a ser da empresa que realiza a extração deste recurso natural, mediante o pagamento dos royalties ao governo. Neste caso, a União divide estes royalties entre o Governo Federal, estados e municípios onde ocorre a extração de petróleo localizado no subsolo destas unidades da Federação. Atualmente está em discussão a mudança no sistema de distribuição dos royalties do petróleo no Brasil, com a votação de uma nova lei ordinária para regulamentar esta questão, conforme previsto pela Constituição. A referida mudança tem sido foco recente dos noticiários nacionais.

Ao final de fevereiro deste ano o TRF 5ª – Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede na cidade do Recife, Permnambuco, negou seguimento ao recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Penedo, contra a Petrobrás, numa Ação que visava o pagamento de Royalties. A ação, teve início em 2008 na gestão do ex-prefeito Marcius Beltrão, administração que ainda chegou a “usufruir” alguns meses dos royalties objeto da mesma. A ação foi intentada por um escritório de advocacia terceirizado, com contrato de êxito, aquele que somente é pago se o objeto da causa for alcançado. O problema destes contratos é que o objeto na maioria das vezes é obtido mediante medida liminar. Se a tese defendida prosperar e, no mérito, for confirmada a liminar, ótimo. Honorários são mais do que devidos. Particularmente, em princípio, não tenho óbice a tais contratações, notadamente aquelas que visem um assessoramento jurídico especializado em determinada matéria não usual no dia a dia de uma Procuradoria Geral. Rendo-me ao princípio da eficiência, recolho-me a minha jurídica insignificância. Sei que procuradores velhos, efetivos, gordos e com vencimentos elevados, costumam ser evitados por Prefeitos e Secretários. É normal. Independência as vezes é recebida como intransigência, principalmente quando se trata de gestores e assessores sem visão gerencial ou jurídica, acrescidos de uma singular presunção de sabedoria. Os escritórios terceirizados são eloquentes. Advogados novos, simpáticos, perfil de jovem talentoso e de sucesso, ternos impecáveis, óculos elegantes, relógio as vezes falso, mas, de griffe. Reluzente e novo modelo de automóvel, estrategicamente estacionado na porta da prefeitura, constitui-se no protótipo do advogado perfeito. Garantia de sentença favorável é certa. O escritório tem excelente trânsito e “contatos”, afirmam seus interlocutores. Para o futuro cliente... “esse é o cara”. Nos corredores da AMA – Associação dos Municípíos de Alagoas, a exemplo de outras congêneres espalhadas pelo Brasil, escritórios deste tipo se contorcem entre si em inúmeros orgasmos jurídicos. No fundo a velha promessa do dinheiro fácil: ICM’s, IR, FPM, ISS, Roylties etc, tudo num passe de mágica. Penedo, seguindo a fileira dos demais municípios se deixou seduzir. Firmou o contrato. Com algumas indas e vindas no processo, inclusive seu desaparecimento e restauração, a liminar saiu. No ano de 2007 os royalties transferidos para Penedo totalizaram R$161.654,44. Com a concessão da liminar em 2008 elevou-se para R$4.438.047,41. No exercício de 2009 foram recebidos R$6.189.948,97. Contando com o que foi transferido nos primeiros meses de 2010 podemos ter ultrapassado a casa dos R$12.000.000,00 em royalties.

Ao final de fevereiro último, com a nova decisão do Tribunal Federal as transferências foram suspensas. No caso dos royalties de Penedo a mágica consistia em obter uma liminar para lhes aumentar o valor com base na existência de uma City Gate, prevista no projeto do gasoduto que corta o município, mas ainda não construída. Outro desafio era o de convencer o TRF da 5ª Região de que City Gate é uma estação de embarque e desembarque com a função de coletar a produção do petróleo ou do gás natural e transferi-los para fora da região produtora. A primeira barreira consistia em provar o que não existe. A city gate de Penedo está sendo construída este ano pela empresa Montec. Fato público e notório. Documentos fabricados não tem o condão de construir o que ainda não foi erguido. A segunda dificuldade seria convencer o TRF em adotar julgamento contrário ao seu próprio entendimento, no qual os “city gates integram a distribuição do gás processado, e não a sua produção. Assim, por não coletarem o gás natural dos campos produtores, e sim gás processado, os city gates não se enquadram na definição de instalações terrestres de embarque e desembarque prevista na Lei n° 7.990/1989, no Decreto n° 1/1991 e na Portaria da ANP nº 29/2001. A simples passagem de gasoduto por Município não lhe garante a percepção de royalties”.

Fim da farra. Das cifras recebidas provavelmente 20% foram gastas com pagamento de honorários, algo em torno da bagatela de R$2.400.000,00 valor equivalente a 90 veículos do tipo Gol 2010 zero. Tanto dinheiro e Penedo continua sem teto e sem estrutura administrativa. Praticamente tudo é locado. A informatização é rudimentar e falta-lhe imp-lantação de mecanismos de controle. A Prefeitura faz casa para os outros mas vive refém do aluguel. O curioso é que não existe impedimento na lei para a utilização do valor dos royalties. A única restrição é que não podem ser usados para pagar salários. Infelizmente, Penedo seguiu o mesmo trajeto das demais cidades brasileiras. Os municípios que recebem royalties e participações especiais pela produção de petróleo estão desperdiçando o dinheiro com o custeio da máquina pública, em vez de aplicar essas receitas em projetos de infra-estrutura, desenvolvimento econômico, saúde e educação. Dados levantados pela Universidade Cândido Mendes (Ucam) e pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) de Campos mostram que, dos 12 municípios que têm mais de 40% das receitas vindas da exploração de petróleo, apenas dois investem mais da metade dos recursos. Para acompanhar o efeito dos royalties sobre o desenvolvimento desses municípios, as duas instituições criaram o Info Royalties, uma ferramenta online que permite o cruzamento de dados sobre as receitas e a aplicação dos recursos proporcionados pelo petróleo (http://inforoyalties.ucam-campos.br). Penedo desperdiçou uma rara oportunidade de ter ao menos estruturado a sua máquina administrativa para se desvencilhar da custosa dependência das terceirizações. O pior é que foi montada uma gestão sob um frágil alicerce financeiro que agora se esvai. Pelo discurso do atual prefeito Alexandre Toledo, ao anunciar a queda dos royalties constata-se que até mesmo reduções salariais ou demissões poderão ocorrer. Em síntese, depreende-se que o dinheiro estava sendo usado com o custeio da máquina pública (uma ampla gama de gastos que vão desde o cafezinho até a compra de remédios e gasolina para ambulâncias) e o salário de funcionários. Dura realidade agora é conviver sem o dinheiro dos royalties. Em suma, alheios a tudo contemplamos a pirotecnia jurídica, nos encantamos com o conforto do dinheiro fácil, de fonte não perene ou inconsistente, pagamos elevados honorários, para ao final acordamos de bolsos e prateleiras vazias. Se com os royalties estava difícil, sua ausência com certeza deixará seqüelas. Nesta Semana Santa teve início um longo calvário começa para o povo penedense.
 

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  • valfredo Messias É realmente preocupante essa situação expressada no artigo muito bem elaborado.As aventuaras jurídicas comprometendo o dinheiro público dá margem à responsabilidades do gestor que deve ter a obrigação de se cercar de profissionais não aventureitos mas, sim , conscientes de que o direito pleiteado já tem respaldo jurisprudencial .No caso, o propósito perseguido ,não estava respaldado em decisões confiáveis . É uma pena perceber que, por traz desses contratos com profissionais de " ilibado saber jurídico" jurídico milita interesses pessoais. Vamos torcer para que Penedo e seu povo não seja mais uma vez penalizado por ações desse tipo.
  • Antonio Lins Sr. Francisco alias o Sr é contra o municipio ter recebido esse dinheiro de Royalties ou ficou magoado por que o atual gestor não soube aplicar o recurso? e agora será que teremos aumento salarial esse ano? conto com você e sua coragem
  • José Eduardo Dr. Francisco, sabe-se que todo e qualquer contrato firmado pela Fazenda Pública tem que passar pelo crivo da Douta Procuradoria... daí se pergunta por que não houve parecer contrario a aludida contratação? Pirotecnia jurídica? Por que classificar assim agora, bater em moribundo e fácil... Ademais sabe-se no cotidiano de Penedo, que tal pirotecnia serviu para custear coisas interessantes, como: eventos de sindicato – promovendo seus gestores, bloco carnavalesco de sindicato, campanha a diretório de sindicato. ENFIM, AGORA É FÁCIL CRITICAR!!!
  • Carlos Eloy Parabéns pelo texto! Entretanto discordo quando o senhor diz que alguns getores e assessores não tem visão gerencial ou jurídica, até porque existe um setor que cuida dos interesses do município. O problema está no compromisso que cada um assume com seu próprio município, ou seja, quanto mais melhor, embora não saibam o que fazer com tanto.
  • Penedense De parabéns dr. Tico. É bom lembrar que o contrato junto o escritório jurídico foi na gestão do ex-prefeito Marcius Beltão e com certeza com anuencia da Procuradoria Geral do Município.
  • Francisco Sousa Guerra Resposta José Eduardo. Respeito sua opinião, entretanto, nem todo contrato vai ao crivo da PGM. Geralmente, estes contratos quando muito ficam com o parecer do Procurador Geral que é cargo em comissão de natureza política. Procurador efetivo não opina. Não posso deixar de registrar que Prefeitura nunca bancou bloco nem campanha de sindicato. Penedo sabe disso. O servidor paga pelo seu divertimento. Ademais, se houve parceria para a Festa do Trabalhador esta não se vincula a origem dos recursos. Vamos manter o nível.
  • Francisco Sousa Guerra Resposta Antônio Lins. Obrigado pela pergunta. Como operador do direito sou contra aventuras jurídicas, mas essa foi engenhosa e calculada. O risco era não receber. Portanto, minha indignação está na perda de uma rara oportunidade de aproveitar tais recursos. Todos sabiam que era pirotecnia, razão maior para bem aproveitar o ganho temporário.
  • Roberto Parabenizo vossa visão administrativa, infelizmente Penedo perde mais uma vez, a falta de comprometimento com a coisa pública deixa o nosso povo a mercê de péssimos administradores, o montante arrecadado trata-se de uma quantia considerável, o senhor tem idéia onde foi aplicado estes recursos?. Acredito que a renúncia do prefeito tem haver com a perca destes recursos, já que, segundo o senhor mesmo em entrevista a penedo fm, as dívidas da prefeitura com o funcionalismo e fornecedores é imensa e de certa forma quebrou o município e deixou o abacaxi para os outros.
  • Antonio Lins Dr. Franciso, agradeço pela resposta e sei da grande responsabilidade que o Sr. tem principalmente com os servidores publicos, minha esposa é funcionaria publica municipal e tenho meu proprio negocio, como curioso e atento a legislação eu na minha insignificancia juridica procuro entender algumas coisas que por aqui acontecem, o Sr. sei que poderá me ajudar e ajudar ao povo a esclarecer, questiono: Essa renuncia tem haver com a queda de receita? Para formular o concurso não fizeram o que manda o art.16 inciso I da LRF 101 ? O Royalties é um recurso instavel, será que foi feito o estudo contando com Royalties concedido por liminar? Como anda o limite de despesa com pessoal de acordo com a LRF , será que os funcionarios terão aumento esse ano? Se não fizeram o que manda a lei o concurso é nulo? se for nulo porque ainda estão arrecadando com matriculas?Qto foi a receita corrente liquida de 2008 e de 2009 e o limite de despesa com pessoal? |Em que Alexandre usou o dinheiro do Royalties, ja que não houve investimento algum de capital em Penedo?Precisamos saber disso, pois nos dará a resposta de quão irresponsavel foi o gestor!! Parabéns Dr. Francisco Guerra.
  • Moraes Jr. Artigo esclarecedor, Tico. Parabéns! Há a possibilidade da Ação prosperar em Instância superior? E os recursos recebidos por medida Liminar, terão que ser ressarcidos? Um grande abraço!
  • Antonio Lins E ai Dr. Francisco? o que achas
  • Anttonio Lins Dr. Francisco Guerra, e ai o que achas sobre os meus questionamentos? Precisamos saber se fomos enganados!!
  • Lucio Trindade bem interessante, gostei!