18 Novembro 2019 - 22:29

Solenidade do Tia Marcelina é marcada pela celebração da cultura negra em Alagoas

Emoção, tradição e orgulho são as palavras que definem a cerimônia de entrega do Prêmio Tia Marcelina 2019. O evento que homenageia a história da ex-escrava africana de Janga, descendente do Quilombo dos Palmares, que foi assassinada durante o “Quebra de Xangô”, episódio que perseguiu e torturou, em 1912, representantes das religiões de matrizes africanas, reuniu entidades e personalidades que se destacaram na luta pela valorização e proteção da cultura negra em Alagoas.

“É uma grande honra promover um evento em prol da igualdade, da irmandade e do reconhecimento de lutas de pessoas que escolheram como missão de vida a batalha por visibilidade e respeito. Enquanto secretária de Estado, negra e indígena, quero estar sempre junto de quem representa a força que as nossas raízes e tradições tem, e quero continuar trabalhando para fortalecê-las cada vez mais”, afirmou a secretária da Semudh, Maria Silva.

O Prêmio, de iniciativa do Governo de Alagoas por meio da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh) e do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Conepir), é um instrumento de reconhecimento e visibilidade de ações que tenham o intuito de promover os direitos humanos dos negros e negras em Alagoas.

O superintendente de Políticas para os Direitos Humanos e a Igualdade Racial da Semudh, Mirabel Alves, ressaltou a invisibilidade da comunidade negra em Alagoas como uma das consequências do racismo estrutural. “O Prêmio Tia Marcelina é o reconhecimento de pessoas que dedicam sua militância contra o racismo, a favor da garantia dos direitos humanos e fundamentais e, especialmente, os que lutam pela valorização das religiões de matrizes africanas. O encontro de hoje trouxe uma reflexão sobre a triste realidade do racismo impregnado em nossa sociedade”, afirmou Mirabel.

Ponto que também foi reforçado pelo presidente do Conepir, Clébio Araújo, em seu discurso. “Nós temos hoje a felicidade de celebrarmos a luta dessas pessoas, em nome da Tia Marcelina, cuja história pública é limitada a vestígios do seu legado. Tudo o que sabemos sobre o fenômeno dos Palmares é formado de retratos e relatos soltos daqueles que o destruíram. Hoje, o Governo de Alagoas vem a público reconhecer e homenagear grandes guerreiros e guerreiras, o mesmo Estado que eras atrás negava a sua existência. Isso é emblemático, é histórico”, disse Clébio.

A mesa de abertura foi formada pela secretária Maria Silva, o superintendente Mirabel Alves, o presidente do Conepir, Clébio Araújo, o vereador Cléber Costa e o Coordenador Geral dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs), Nuno Coelho.

Premiados

“Hoje é um dia importantíssimo. Tia Marcelina representa a reação, a força, a fé e a coragem. É um incentivo para irmos a frente com nossas lutas. Me sinto bastante honrosa em receber esse prêmio hoje. Agradecendo sempre ao Governo de Alagoas, ao Conepir e a Secretaria da Mulher. Me sinto alegre e realizada por estar aqui. Isso é a prova de que estamos sendo reconhecidos pela sociedade”, essa foi a fala de Mirian Araújo Souza Melo, conhecida como Mãe Mirian, mais antiga matriarca da religião afro-brasileira em Alagoas, em seu discurso emocionado.

Dentre os homenageados também estavam: Valdice Gomes da Silva, jornalista e editora da Coluna Axé do jornal Tribuna Independente e vice-presidente do Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô, onde coordena o Projeto Vamos Subir a Serra; Eliane Silva, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); Amaro Félix Filho e Alaíde Bezerra dos Santos, quilombolas e lideranças do povoado de Tabacaria, em Palmeira dos Índios e Ana Paula de Oliveira Santos, pescadora e pesquisadora, bacharel em Ciências Sociais, licencianda em pedagogia e liderança da comunidade de pescadores da Barra de Santo Antônio.

“É a primeira vez que eu vejo um prêmio com essa temática. É uma forma de mostrar para a sociedade que o Governo valoriza esse trabalho que a maioria do povo não conhece. Pra mim é uma satisfação muito grande. Também é a primeira vez que sou homenageada por um trabalho que é a minha vida. É emocionante”, afirmou Ana Paula.

Representação Social

Duas entidades também foram agraciadas com o Prêmio Tia Marcelina. A primeira foi a APOIME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. A APOINME luta por políticas públicas de sustentabilidade, reunindo a juventude indígena com a organização de formações, seminários, encontros e marchas de reivindicações por direitos.

“É bonito a gente ver o reconhecimento público de uma luta muito antiga dos povos tradicionais, dos seus territórios, das suas religiões e culturas. O prêmio nos abre portas. Nós acreditamos que é um passo importante para a aceitação da sociedade, com todas as nossas diferenças e características especiais”, contou Tanawy Tenório, coordenador da APOINME. “Integrar na APOINME hoje é um desafio muito grande. São diversas perseguições que sofremos constantemente e em nossa organização nós trabalhamos dando o máximo de cada um de nós, lutando um pelo outro, então fico muito feliz pela premiação e visibilidade que recebemos hoje”.

A segunda foi o Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô. Organização não-governamental fundada em 1988 e vinculada aos Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs), o Anajô reivindica a promoção de políticas públicas para a igualdade racial, além de desenvolver trabalhos pelo empoderamento de negros em Alagoas. A representante Madalena Silva recebeu o prêmio em nome de toda a instituição.

Patrimônio Alagoano

Marinalva Bezerra da Silva, artesã e ceramista há 70 anos, eleita esse ano como Mestra do Patrimônio Vivo do nosso Estado, foi escolhida para confeccionar as obras entregues aos homenageados da edição 2019 do Prêmio Tia Marcelina.

Junto ao neto José Carlos, a quilombola nascida e criada no Povoado Muquém, no Quilombo dos Palmares, também foi homenageada durante a premiação.

“Desde pequena que eu trabalho, e aceito tudo que vem a mim. Comecei aos 10 anos de idade. Era um trabalho em família. Todo mundo vivia do barro. Fui trabalhando e comecei a fazer as cuscuzeiras pequenininhas, até hoje todo mundo gosta, ia pra feira e vendia tudo de uma vez. Me criei junto com minhas obras. Olha ali, aquilo ali é meu trabalho”, disse Dona Marinalva, apontando para as cuscuzeiras entregues como Prêmio da solenidade. “Tô muito alegre de estar aqui. Graças a Deus que estamos juntos”.

Arte e Cultura Negra

O encerramento do evento foi marcado com a apresentação do Grupo Cultural Afro Mandela. Criado em 1987, o grupo foi o pioneiro no trabalho de divulgação das questões étnico raciais. Hoje se denomina Banda Afro Mandela e faz um trabalho de palco durante o ano todo.

por Agência Alagoas

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