Por trás de toda a beleza e imponência do prédio que abriga a maior casa de espetáculos de Alagoas, há o trabalho de um italiano que se instalou e constituiu família em terras caetés, o arquiteto Luigi Lucarini. Responsável pelo projeto do Teatro Deodoro e de outros prédios importantes construídos nos municípios de Maceió e Penedo – como o Tribunal de Justiça de Alagoas, o Museu Palácio Floriano Peixoto e o Teatro Sete de Setembro -, Lucarini deixou um riquíssimo legado arquitetônico, prédios que hoje são considerados ícones de Alagoas.
“Ele foi voluntário de guerra e lutou pela unificação da Itália. Era um aventureiro que fez um caminho atípico ao vir para o Brasil, já que a maioria dos italianos, quando vinham para cá, instalavam-se no sul do país para trabalhar na agricultura”, afirma Vânia Amorim, que é trineta do arquiteto e uma das autoras do livro Luigi Lucarini – Vida e Obra, lançado em janeiro deste ano.
Antes de projetar o Teatro Deodoro, Lucarini fez o projeto do Teatro 16 de setembro, que chegou a ser erguido somente até o pavimento térreo e acabou sendo demolido em 1905, após ser bastante criticado pela imprensa local e pela população, tendo em vista a grandiosidade da obra, considerada um desperdício de recursos. Feito durante o governo Gabino Besouro, em 1893, o prédio inacabado ocupava o local onde hoje fica a Praça Deodoro. Lá funcionaria, além do teatro, uma escola de belas artes.
E foi justamente após a demolição do prédio onde funcionaria o Teatro 16 de Setembro, que o Teatro Deodoro começou a nascer. Projetado para ser construído em um espaço menor que o 16 de Setembro – onde funciona até hoje -, o teatro passaria a ocupar, em 1910, o local onde seria construída uma igreja, fato que contribuiu para que alguns mitos a respeito da casa de espetáculos fossem criados pela população.
Uma dessas crenças dizia que o teatro viria abaixo, desabaria, no dia em que fosse inaugurado. Aproveitando-se da superstição, Lucarini fez questão de deixar, na fachada do Deodoro, duas mensagens escritas em latim e que permanecem lá até hoje. As frases “Ars longa vita brevis” (A arte é longa e a vida é breve) e “Casticat Ridendo Mores” (É rindo que se castigam os costumes) mostram um lado irônico do arquiteto, que morreu vítima de um derrame cerebral em 1907, aos 64 anos, antes mesmo de o teatro ser inaugurado.
A morte de Lucarini antes de o Deodoro ter as portas abertas ao público só fez difundir ainda mais os mitos a respeito do teatro, que continua de pé até hoje, prestes a completar 100 anos.
De acordo com Vânia Amorim, o Teatro Deodoro, à época em que foi inaugurado, fazia uso de tecnologias inovadoras, como sistema de captação de água para os banheiros e buffets, sistema telefônico e de ventilação, além de uma acústica considerada impecável. Além disso, a segurança do ambiente também era uma preocupação do arquiteto, que projetou todo o sistema anti-incêndio e saídas de emergência para o público.
“O conforto do ambiente foi muito bem cuidado. Todas essas informações estão registradas em jornais da época”, conta Vânia Amorim.
Luigi Lucarini é considerado um dos responsáveis pela construção da paisagem urbana de Maceió e Penedo no final do século XIX e início do século XX. Além de projetar prédios que hoje possuem grande valor histórico, ao arquiteto é atribuída, entre outras coisas, a abertura da Rua do Livramento, no Centro de Maceió. Em um documento enviado ao governador de Alagoas à época, Lucarini – que era encarregado da direção das Obras Públicas do Estado – fala sobre a importância de projetar as construções pelos bairros da capital.
A mensagem enviada ao governador do Estado pelo arquiteto diz que “(…) principalmente no Poço e Pajussara, Levada até o Trapiche da Barra, por onde se deve estender a cidade futura, porque a seguir como estão fazendo arruados todos casuaes, sem plano e sem uma boa orientação de rumo e de nível, das ruas, e tamanho dos quarteirões, estragando todo terreno devoluto, creando d’esta forma grandes dispêndios, impossíveis para a Municipalidade remedial-os depois, ao passo que agora nada custaria, tendo uma boa planta e uma real execução da mesma”, escreveu e assinou o arquiteto, em 8 de março de 1898, material que está publicado no livro Luigi Lucarini – Vida e Obra.
Segundo Vânia Amorim, durante as pesquisas realizadas por ela e pelos arquitetos Sandro Gama e Cynthia Fortes -, também autores do livro que foi publicado pelo Ministério da Cultura com o apoio do Instituto de Desenvolvimento Social e Humano (Idesh), alguns registros apontavam para o fato de que Lucarini também teria projetado prédios residenciais, mas eles não foram identificados.
As pesquisas também apontaram que Luigi Lucarini era extremamente politizado e que teria vindo a Maceió após ter conhecido o governador Joaquim Paulo Vieira Malta em Roma. “Essa foi a única ligação que encontramos dele com Alagoas. Como a família Malta permaneceu no poder por 12 anos, Lucarini teve a oportunidade de mostrar o seu talento, projetando importantes prédios construídos em Alagoas”, conta a trineta do arquiteto.
Lucarini morreu em Maceió e foi sepultado em um dos cemitérios localizados no bairro do Trapiche da Barra. Durante os trabalhos realizados para a elaboração do livro, nenhum rastro dos restos mortais ou do túmulo do arquiteto foram achados.