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Em artigo, historiadora penedense explica o porquê da tradicional Lavagem do Rosário

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Em artigo, historiadora penedense explica o porquê da tradicional Lavagem do Rosário

Em um artigo publicado no ano de 2010 no portal de notícias aquiacontece.com.br, o maior e mais acessado do interior de Alagoas, a dedicada pesquisadora da história do Penedo, Cristina Sanchez, explicou o porquê da Lavagem do Rosário, evento que mais uma vez acontecerá na noite desta sexta-feira, 09 de fevereiro, abrindo oficialmente o período momesco na cidade ribeirinha.

Confira agora mesmo:

A Capela de Santa Ifigênia

Inicialmente, no século XVII, local onde hoje se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, os negros (escravos e libertos) construíram uma capela em adoração a Santa Ifigênia (a primeira santa africana). Era Ifigênia de origem nobre, filha do rei da Etiópia. Atualmente, a imagem encontra-se ao lado direito do altar-mor e traz em suas m]aos uma casa, simbolizando o Mosteiro que a mesma fundou e o salvou das chamas, invocando o nome de Jesus. A heróica santa tornou-se símbolo de proteção a todos contra incêndio, tornando-se também defensora dos que buscam a salvação do lar e lutam para ter uma casa própria.

Segundo Silva Caraotá, em sua Crônica do Penedo, datada de 20.12.1871, fala da existência de um “livro de entradas das antigas” onde se acham assentamentos dos irmãos do Rosário dos Pretos, datados de 1634.

Analisando no acervo de mapas do tempo dos holandeses no Penedo, constatamos a existência de uma “habitação” no local da referida capela, indicando consequentemente a existência e o provável funcionamento da mesma. O mapa data de 1637, ano em que Maurício de Nassau edificou na Vila do Penedo do Rio São Francisco, para a defesa de seus domínios, o famoso Forte Mauritis.

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos

A devoção de nossa Senhora do Rosário se propagou pelo mundo, sendo levada também ao Congo (África), e introduzida no Brasil desde o início do século XVI por missionários portugueses.

A Irmandade dos Homens Pretos funcionava como uma espécie de Associação com a finalidade de abrigar as tradições afro-religiosas, objetivando aliviar o sofrimento aplicado pelos brancos, num intento de auxiliar a integração da população negra à religiosidade da sociedade branca. Os irmãos (escravos e libertos) procuravam adaptar da melhor forma possível nos seus rituais aos do catolicismo, conservando em suas procissões símbolos religiosos representados por figuras ornamentadas, bonecos e alguns animais (boi,jacaré, burrinha, elefante, etc…). Incluíam também o cortejo cerimonial africano da coroação do rei e rainha, cordões de dama de honra, seguidos por músicos, batuques e danças.

Não se sabe ao certo quando foi criada a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Penedo. Sabe-se, apenas, que em 1634 ela já existia. Portanto, é uma tradição da cidade que conta com mais de 370 anos e que, com toda a certeza, foi um dos mais fortes elos propulsores da cultura afro-penedense.

Origem do Rosário

“A devoção a Nossa Senhora do Rosário tem sua origem entre os religiosos dominicanos por volta de 1200. São Domingo de Gusmão, inspirado pela Virgem Maria, deu ao rosário sua forma atual. Nossa Senhora do Rosário foi a mais popular das invocações de Maria entre brancos e negros da colônia brasileira. Foi escolhida como orago de muitas confrarias e irmandades criadas para promover a alforria dos irmãos escravos e garantir sua sepultura em solo sagrado. As festas em sua honra inclkuíam expressões culturais como o reisado e o congo, além de outras evocações da África.”

Sabe-se, aqui no Penedo, que os escravos recolhiam no mato certas “contas” acinzentadas denominadas “Lágrimas de Nossa Senhora”, com as quais confeccionavam terços e rosários para suas orações, onde, com maior devoção, encontravam o desejado consolo nos braços misericordiosos da Mãe Branca do Rosário.

Se compararmos a junção da disposição das ruas “Rosário Largo” e Rosário Estreito”, veremos que a Igreja faz uma conexão com ambas as ruas, apresentando assim a forma de um imenso rosário, exatamente no ponto onde se encontra a medalhinha no terço. Podemos ainda levar em consideração, que a característica “Cruz” que compõe o início do rosário cristão poderia se estender à milagrosa Igreja de São Gonçalo do Amarante, local esse onde hoje funciona o Colégio Imaculada conceição..

No decorrer do tempo, a Câmara de Vereadores foi aprovando projetos que renomeavam os bairros tradicionais e a maioria das ruas e praças que constituem todo o com junto arquitetônico do Sítio Histórico de Penedo e que atualmente faz parte do nosso Patrimônio Nacional. Para os mais jovens e os que desconhecem a legendária e valorosa saga das tradições penedenses, o Rosário Largo hoje é a Praça Marechal Deodoro e o Rosário Estreito tem por denominação Rua Barão do Rio Branco.

O Sincretismo Religioso

A lavagem nas igrejas é uma tradição de origem portuguesa, absorvida pelo sincretismo africano em sua feição. Ou seja: veio de Portugal nos tempos do Brasil Império, da tradição católica onde o povo fazia penitências e promessas aos santos de maior adoração, de varrer, lavar, enfeitas e zelar das igrejas. Da África, os escravos trouxeram para o Brasil a cerimônia das “Águas de Oxalá” que consiste em uma procissão representando a viagem de Oxalá, que foi acometido por injustiças durante todo o percurso de sua jornada ao Reino de seu filho. O ritual afro simboliza uma homenagem a esse orixá (divindade), com rezas, cantos e oferendas. Em localidade escolhida, e com muita água de cheiro, vão lavando e varrendo todo o ódio, inveja, fome, doenças e injustiças, pedindo misericórdia e perdão pelos atos cometidos. Para os africanos, Oxalá é o maior e mais respeitado dos orixás. No Brasil, a padroeira das Irmandades dos Pretos (escravos e libertos), é Nossa Senhora do rosário, que também é a padroeira da cidade do Penedo, que a venera em fervorosa fé e devoção. No interior da igreja, encontram-se santos brancos e negros. Ali se fazia penitência e procurava-se adaptar a cultura negra à religiosidade branca. Nessa época não havia cemitérios e somente os brancos eram sepultados na igrejas. Em decorrência, A Igreja do rosário construída pela Irmandade dos Homens Pretos, tornou-se o solo sagrado do africano no Penedo.

A lavagem do adro (terreno em frente à igreja) tem todo um fundamento nas raízes afro penedenses. A primeira lavagem da atualidade foi no ano de 2005, realizada pelo Babalaorixá Fernando Oiá Belegum que iniciou a retomada das antigas homenagens à misericordiosa Mãe Branca do Rosário. Pai Fernando, como é mais conhecido, muito tem se esforçado para o resgate das tradições afro penedenses, seguindo à risca os antigos cerimoniais africanos. Tem realizado a belíssima cerimônia das Águas de Oxalá, depois o ritual de fundamento da lavagem e, por fim, efetuado o antigo cortejo (que deve sair de uma igreja para outra), com a participação constante das “baianas” de sua casa de orações Ilê Axé Assesssu Omim e Odé Aqueran. O suntuoso cortejo sai da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Pobres até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, entoando louvores em dialeto africano, às sextas feiras que antecedem ao carnaval. O desfile tem ocorrido à noite, para que a população em geral possa participar. O ritual da lavagem propriamente dito é concretizado bem antes, nas primeiras horas do nascer do sol.

O Folclore, a Cultura e a Religiosidade Afro Penedense

Nas tradições remotas do período da escravidão, não podemos esquecer as Taiêras, um cortejo dançante formado por africanas. Usavam torço branco de cassa, colares de coloridas contas, sendo a maioria deles de ouro,pulseiras, saias rodadas, chinelinho de salto, etc. Apresentavam-se com vestimentas, conhecidas na atualidade ao que todos chamam pelo nome de “baianas”. No estado de alagoas, segundo Abelardo Duarte, as Taiêras do Penedo eram em maior escala.

Existiu um Quilombo nos arrabaldes do Oiteiro (hoje Bairro Senhor do Bonfim), que pouco se sabe de sua história, salvo o Maracatu que até a algum tempo atrás era ainda uma testemunha viva proveniente dos resquícios do famigerado Quilombo.Tanto as Taiêras como o Maracatu do Oiteiro eram cortejos dedicados ao acompanhamento das procissões de Nossa Senhora do Rosário, como era de costume nessa época em alagoas. Iam prestar suas reverências e devoção à Santa, venerando-a em saudação diante da fachada da Igreja da Senhora do Rosário dos Pretos, e, em seguida, saíam em visita às casas de seus benfeitores. Esses cortejos também apareciam durante as festas do Natal, descendo festivo até o Comércio, tradicional centro das festividades penedense. Chegavam também: O Reisado, a Chegança do Penedo (de renomada fama em todo o estado de Alagoas e em Sergipe), o Bumba-Meu-Boi ao som da banda de pífanos, Guerreiro, Pastoril, Toré (do Oiteiro), a Batucada e tantos outros.

O africano no Penedo muito contribuiu para o desenvolvimento sócio econômico e cultural da cidade, tanto na parte material, quanto na religiosa. A cidade do Penedo reuniu no passado um dos mais populosos centros de negros, na região alagoana.

A mão escrava na construção de igreja e casario, na música, nas artes e na agricultura. O memorável legado cultural e intelectual da “elite negra” ( Os Malês), na época em que o conhecimento e o saber eram restritos aos mosteiros e conventos e ao privilégio de poucos brancos de renomada posse. Esses negros maometanos se destacavam na comunidade penedense em escrever com requinte o Árabe Clássico, conhecendo Astronomia, Direito, Aritmética e Teologia. Até o fim do cativeiro, ainda realizavam a misteriosa e estranha cerimônia da “Festa dos Mortos”, que permitia aos negros comunicar-se com os seus mortos e venerá-los.

A Boneca Negra (Bebiana) das festividades afro religiosas é uma homenagem ao elemento Malê do Penedo, representando a figura de Bebiana Maria da Conceição Costa, natural da Costa D’África, que morou e faleceu em Penedo no dia 02.05.1886. Nasceu e viveu na religião de Maomé (Negra Malê), embora também pertencesse às Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a de São Benedito.

A cidade do Penedo tem por devoção maior à sua Padroeira, Nossa Senhora do Rosário, que sempre abrigou com seu manto de ternura a todos os filhos (sem distinção de raça ou credo) que em desespero chamavam em seu socorro.

A Lavagem da escadaria do adro da Igreja do Rosário Largo foi a forma que o Governo Municipal, na administração do ex-prefeito Marcius Beltrão Siqueira encontrou, diante de tamanha riqueza cultura, de resgatar as raízes do legado afro penedense, tendo por objetivo retirar e amparar suas tradições históricas do esquecimento.

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