19 Abril 2009 - 22:49

MST completa 25 anos com muitas críticas

Verena Glass

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) completou 25 anos em janeiro de 2009 e, nos últimos tempos, houve críticas ainda mais severas aos passos tomados pelo grupo, como repasse ilegal de recursos recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), invasão a terras com pesquisas científicas e assassinatos, como aconteceu recentemente em Pernambuco. O dirigente nacional do movimento, João Paulo Rodrigues, chegou a apelidar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de “Berlusconi tupiniquim”. Com o suposto ideal de reforma agrária, o grupo é criticado por ser mais político que social. E afirma que “nunca usou um centavo de dinheiro público” para ocupar terras.

A Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Estado de São Paulo divulgou, no mês passado, que o Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação de improbidade administrativa contra a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e o seu presidente em exercício na época, Adalberto Floriano Greco Martins. Foram acusados de repasse ilegal de recursos recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em 2004, o FNDE, por meio do Programa Brasil Alfabetizado, transferiu uma quantia de R$ 3.801.600,00 para a Anca, a fim de alfabetizar 30 mil jovens e adultos e capacitar 2 mil alfabetizadores em 23 unidades do Brasil. A Anca transferiu ilegalmente às secretarias estaduais do MST R$ 3.642.600,00, sem apresentar comprovação do destino final do dinheiro. Não há extratos bancários, cópias de cheques, cadastro de educadores e alunos, listas de presenças, relatórios de execução e de resultados. Além disso, no termo do convênio estava determinado que os recursos só poderiam ser sacados da conta específica para pagamento de despesas previstas no plano de trabalho.

Vice-presidente do Instituto Liberal, o economista Roberto Fendt afirma que os sem-terra são, “em bom português, ladrões”. “Como os sem-terra estão soltos e o Estado se omite, não há dúvida de que são acobertados. E o pior é que eles recebem dinheiro. É como se Robin Hood recebesse dinheiro da Coroa inglesa e distribuísse aos pobres. No caso do MST, eles se apossam da propriedade e vendem.”

O governo repassa verba para entidades, associações dos pequenos proprietários. Os assentamentos recebem créditos dos pequenos agricultores pelo banco do Brasil, conta o sociólogo e professor da UFRJ Ivo Lesbaupin. “Não é só assentar, tem que conseguir créditos, plantar sementes. E o Fernando Henrique sempre esperava passar a safra.”

Já Fendt critica o repasse das verbas. “São bandidos, só conseguem o que querem com a opinião pública. Se ficarem contra, não terão dinheiro. Como vão financiar a invasão? Quem bota o dinheiro é o governo, são as organizações laranjas. Eles procuram cativar a mídia, que os trata como coitadinhos.”

Em fevereiro, o dirigente nacional do movimento, João Paulo Rodrigues, atribuiu a culpa pela distribuição de verbas a ONGs ao governo Fernando Henrique Cardoso. O líder sem-terra também fez duros ataques a Gilmar Mendes. Ao chamá-lo de “Berlusconi tupiniquim”, Rodrigues fez referência ao primeiro ministro da Itália, Silvio Berlusconi, membro de um partido de direita, o novo Partido do Povo da Liberdade (PDL). Em nota, a direção nacional do movimento afirmou que o movimento “nunca usou um centavo de dinheiro público” para ocupar terras.

Sem sede, sem estatuto, sem terra

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra — MST — surgiu no final da década de 1970 com o propósito de promover a Reforma Agrária, um sistema que visa a distribuição de terras. A partir desse pensamento, pessoas que não possuem terras para plantio organizaram um movimento de protesto contra a centralização desses espaços. Atualmente, o próprio movimento confessa que a Reforma Agrária não é feita para melhorar a condição econômica do lavrador pobre e, sim, por razões político-ideológicas. O movimento está organizado em 24 estados brasileiros a partir de comissões de frente; não possui nem sedes e nem estatuto.

De acordo com Ivo Lesbaupin, as ocupações duram entre três e quatro anos e há pressão para que o Poder Público doe as terras, passando de acampamento para assentamento. “Quando o MST começa com o assentamento, os integrantes experimentam formas de produção, a organização dos grupos. Eles descobriram que a melhor forma é a cooperativa. É um movimento que sempre teve como tática de luta a ocupação de terras improdutivas.”

 

Como forma de reivindicação, o MST ocupa latifúndios privados e se mobiliza em massa, deixando, muitas vezes, os proprietários de terra sem ter como agir contra a ocupação. Mesmo assim, Fendt observa que os próprios proprietários auxiliam na ocupação. “E não são só eles, também existem outros que se aproveitam. O MST tem servido a pessoas que são donos de terra que não encontram compradores. Algumas pessoas contratam o movimento para invadir. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) desapropria e paga ao proprietário.”

Lesbaupin afirma que algumas prefeituras se interessam por assentamentos. “São cerca de mil pessoas que produzem muito, começa a haver um comércio onde não existia, o local cresce.”

Até o ano 2000, o MST contabilizava aproximadamente 250 mil famílias assentadas e 70 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Além das invasões, existem pessoas que se infiltram no movimento com a intenção de enganar o governo para obter pedaços de terra. O MST diz que estes não devem ser considerados integrantes sem-terra, mas o movimento não tem mostrado credibilidade o suficiente para defender essa e outras opiniões.

“Eles violam a cláusula pátria. O direito de propriedade está inscrito como inalienável. Então é crime ocupar. São criminosos, salteadores, ladrões. A invasão por ai só já é um crime. Às vezes acontece um crime maior, como agora em Pernambuco, quando houve o assassinato de seguranças”, observa Fendt. O economista faz, inclusive, uma comparação entre a ação dos sem-terra e a de criminosos “urbanos”. “Eles são tão bandidos quanto as pessoas que assaltaram casas em Santa Teresa e estupraram uma menina. Quando o MST invade e faz sorte de violência, acham que é um movimento social.”

O que tem chamado a atenção dos diversos segmentos da sociedade é o fato de os sem-terra, cada vez mais, apresentarem características que o distinguem de um simples movimento social de trabalhadores do campo. Eles, por exemplo, mostram-se radicais no jeito de fazer a “luta” e os sujeitos que ela envolve. Ao longo dos anos, o MST conseguiu permanecer impune às ações consideradas criminosas, praticadas desde sua existência. Há algum tempo, o movimento tem sido criticado por “lutar disfarçadamente pela reforma agrária e querer não só um pedaço de terra, mas, sim, ela toda”, de acordo com matéria da Veja.

“O MST e outros movimentos como Via Campesina não são empresas, não têm CGC. O governo, na verdade, financia e não justifica, e deveria reprimir. Não sei porque as pessoas acham normal darem nosso dinheiro a bandidos. Mas elas preferem ignorar”, analisa Fendt.

Questionado sobre uma crítica que faria ao MST, Lesbaupin afirma que eles são possivelmente os mais radicais dentre os movimentos sociais. Desde o começo, eles adotaram a prática de ocupar a propriedade. Na maneira de agir, o grupo nem sempre leva em conta a opinião dos outros. Eles se consideram os melhores dentre os movimentos sociais, segundo o sociólogo.

Em 19 de junho de 1985, cerca de 45 famílias, armadas de foices e facões, invadiram uma área de 1.300 hectares no Ceará — uma confusão que começou com o anúncio do presidente José Sarney sobre seu Plano Nacional de Reforma Agrária. Os proprietários de terra passaram a armar seus funcionários. Cinco anos depois, em 15 de agosto de 1990, 400 agricultores confrontaram a lei e montaram um acampamento a poucos metros do Palácio Piratini, sede do governo estadual. A confusão resultou em troca de tiros com a tropa de choque e, logo, no assassinato de um soldado da Brigada Militar.

Em uma reportagem de 23 de abril de 1997, a Veja publicou a seguinte opinião sobre o movimento: “A rebeldia é a marca do MST. Os sem-terra não aguardam quietinhos as decisões da Justiça. Não fazem lobby para modificar as leis no Congresso. Não, nada disso. Eles tomam as terras primeiro, conversam depois. São gente brava, que invade o terreno onde se funda a ordem capitalista: a propriedade privada”. O próprio líder do MST na época, o economista João Pedro Stedile, deixou claro em entrevistas as críticas ao presidente Fernando Henrique Cardoso e confirmou o porquê de as ações do grupo serem julgadas como criminosas. “Aqui vem o meu alerta à elite brasileira: se uma população tão grande de excluídos continuar à solta, sem organização, aí sim o Brasil vira barril de pólvora.”

Vista como uma das ações mais expressivas do MST, uma operação relâmpago, em 10 de maio de 2000, reuniu 5 mil sem-terras para ocupar prédios públicos em 14 capitais. Outros 25 mil fizeram invasões e passeatas pelo interior. Em três lugares, foram atacadas sedes regionais do Incra. A Veja, mais uma vez, na época, publicou que o MST pretendia tomar o poder no país por meio da revolução e, assim, implantar no Brasil um socialismo tardio.

Em 2006, integrantes do Movimento dos Sem-Terra, do Movimento das Mulheres Camponesas e da Via Campesina invadiram um laboratório e um viveiro florestal da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul. Foi destruído o material genético, estudado fazia 20 anos, para melhorar a produtividade das plantações de eucalipto que abastecem outra fábrica no estado. Quatro milhões de mudas da área de distribuição para plantio também foram destruídas. Na época, a Via Campesina acusou a companhia de provocar danos ambientais pela monocultura de eucalipto. O gerente regional florestal da Aracruz Celulose, Renato Alfonso Rostirolla, afirmou que os manifestantes sabiam o que faziam, pois destruíram os lugares estratégicos.

Sobre a invasão a propriedades da Aracruz, Lebauspin afirmou que a ação do grupo se justifica pelos membros serem contra os produtos transgênicos. Ele observou que é a forma que eles têm de chamar a atenção. Disse que o grupo ocupou e fez acampamento com os conhecidos plásticos pretos. Já Fendt acredita que é mais uma prova de que são “bandidos”. “Eles destruíram dezenas de espécies nativas. É uma atitude duplamente criminosa, pois destruíram o progresso. Deveriam ter sido processados.”

“Eles já foram muito mais autocentrados do que são.” Lesbaupin diz que eles continuam defendendo a Reforma Agrária, o combate aos transgênicos e a luta pelas sementes orgânicas. O movimento chama os biocombustíveis de agrocombustíveis. “O que faz o etanol é muito mais poluidor que o que faz a gasolina.”

Roberto Fendt afirma que a reforma agrária seria um imenso atraso. “No mundo inteiro, a produtividade no campo precisa de uma maciça aplicação de capital, colheitadeiras, fertilizantes, tratores. Você acha que um desempregado urbano saberá viver dessa forma? Além disso, tem o custo.”

De acordo com o economista, o ideal seria se os assentados fossem para indústrias e serviços e deixassem o campo para grandes empresas para investir em capital e grande produtividade. Ele, inclusive, sugere uma alternativa ao movimento. “Eles deveriam eleger deputados e senadores que tenham bandeira e proposta para fazer reforma agrária. Por que eles não fazem uma bancada política para colocarem os interesses deles?”

Um breve histórico da relação Mídia X MST

A relação entre a mídia e o MST é muito ruim, segundo Ivo Lesbaupin. Até 1995, a mídia tratava o MST como terrorista, além de dizer que era vinculado ao Sendero Luminoso, que é uma organização armada. “O MST nunca foi um movimento de luta armada”. E também quiseram comparar o MST às Farc.

“Há uma mudança em 1995, há um massacre em Rondônia. Morreram nove sem-terra, inclusive uma criança. Já em 1996, no Pará, 19 sem-terra morreram, Eldorado do Carajás.” O assunto foi abordado no noticiário internacional e, a partir desse segundo momento, a imagem dos sem-terra muda na mídia. “A Veja, inclusive, faz reportagem sobre os ‘trabalhadores’ de forma mais positiva. Neste momento, a Globo lança a novela ‘Rei do Gado’, onde a imagem dos sem-terra fica bastante positiva, com participação de Patrícia Pillar.”

“A diferença entre o Lula e o Fernando Henrique é que FHC não dava moleza. Os assentamentos passaram agora a receber de forma mais regular que na época de Fernando Henrique.” De acordo com Lesbaupin, o ex-presidente tratava o MST como governo de oposição, eles não conseguiam dialogar. Com Lula, eles são chamados para conversas.

Em dezembro de 1996, segundo Lesbaupin, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estava saturado da abordagem da mídia sobre o MST e pediu que cessassem as reportagens sobre o movimento. E, em janeiro de 1997, os sem-terra programaram uma marcha até Brasília, começando de três pontos diferentes do território nacional, para marcarem um ano do episódio de Eldorado do Carajás. Pessoas juntavam-se aos grupos no caminho. No fim de 1997, uma pesquisa de opinião pública nacional, de acordo com o sociólogo, mostrava que a maioria dos brasileiros era a favor da Reforma Agrária. “Foi uma jogada midiática genial.”

“Graças ao Gilmar Mendes”, há uma volta ao regime anterior. Nos últimos dez anos houve muitas críticas. A partir de um ano e meio atrás, houve uma retomada da criminalização dos movimentos sociais. O Ministério Público do Rio Grande do Sul fez uma denúncia sobre o MST quase decretando ilegalidade do movimento. Houve reação por parte da sociedade. “A partir do ano passado, os movimentos sociais começaram a ser tratados como caso de polícia.”

Ivo Lesbaupin diz que Lula se elegeu criticando a política de Fernando Henrique, mas também acabou tornando-se a favor do agronegócio.

O MST na opinião da população brasileira

Uma pesquisa realizada em novembro de 2000 pelo governo federal, divulgada na ocasião pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, revelou que 57% da população não apoiavam o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Além disso, 67% diziam acreditar que a ação do MST é mais política do que social. O estudo foi publicado pela Revista Veja.

Outros 70% afirmaram que os líderes conduzem as reivindicações de maneira errada e 87% defenderam que o governo deveria fazer uma auditoria nas contas do movimento.

 

por Fabíola Leoni e Daniele Carvalho

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