17 Maio 2017 - 20:29

Fiocruz ensina tecnologia da informação a jovens de comunidades violentas

A violência que assola a região de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, ficou em segundo plano na tarde desta terça-feira (16) quando 16 estudantes de dois colégios estaduais da região receberam seus diplomas de conclusão do curso Desenvolvimento de Competências Profissionais para o Século 21, na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz. Nem os disparos de fuzis ouvidos durante a cerimônia ofuscaram a emoção dos formandos, testemunhada por dezenas de colegas e parentes no salão do edifício.

As técnicas e ferramentas multimídias aprendidas no curso foram colocadas em prática nos trabalhos finais e alguns foram apresentados na formatura. Os eixos norteadores da formação foram autonomia, criatividade e resiliência.

A estudante Milena Pereira, de 16 anos, foi a oradora de uma das turmas. “Não foi apenas um curso, foi um despertar para o tão sonhado futuro. Uma das lições mais importantes que aprendemos é que devemos ter autonomia para fazer n ossas escolhas e a cada decisão tomada podemos colocar em prática o que aprendemos no curso”, disse a formanda.

Moradora da Vila do João, a estudante Alexsandra Barros de Araújo, de 16 anos, contou que por causa do curso da Fiocruz conseguiu um estágio e está utilizando as ferramentas que aprendeu no atual trabalho. “Aprendi coisas que nunca pensei que aprenderia, ferramentas para o dia a dia e para o trabalho, foi uma experiência muito bacana, o espaço, as amizades, os professores, nos tornamos uma família.”

A avó de Alexsandra, Dulcineia Alves de Araújo, de 69 anos, participou da cerimônia e se emocionou em vários momentos. “Fui eu quem a criei e hoje me sinto orgulhosa de vê-la se esforçando, lutando, para mim é um privilégio e fico feliz”, disse. “É um projeto muito interessante que incentiva eles para o dia de amanhã.”

Violência

A iniciativa surgiu em 2015, quando o diretor da ENSP, Hermano Castro, decidiu incentivar um projeto de educação e inclusão social voltado para os jovens de Manguinhos após mais um caso de violência na região, a morte do adolescente Christian Andrade, de13 anos. Em seu discurso na formatura de hoje, Castro lamentou que mortes de jovens continuem ocorrendo nas comunidades.

“O que estamos fazendo aqui é apenas dar um empurrãozinho. Depende de vocês o nosso futuro. Parabéns a todos ao que se formaram aqui, que se dedicam na escola, em casa, a uma vida melhor, e que brigam por isso”, disse.

Os estudantes aprenderam a utilizar aplicativos de agenda, ferramentas online de organização de projetos, armazenamento de arquivos de edição de textos e vídeos. O estudante Ricardo Tornelli, de 17 anos, da escola Compositor Luiz Carlos da Vila, ainda não sabe o que quer fazer quando terminar o ensino médio, mas acredita que o que aprendeu no curso ficará para toda a vida. “Foram coisas novas que não conhecia e não sabia usar. Tem me ajudado na organização. Às vezes tenho um compromisso e essas ferramentas ajudam bastante a nos organizarmos”, contou.

Um dos trabalhos finais apresentados durante a cerimônia mostra o abandono da escola onde estuda Ricardo, que foi símbolo do Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) no Rio, e hoje tem o ginásio esportivo e a piscina olímpica desativados, sala de computadores vazia devido a saques e janelas arrancadas.

Para o coordenador do Laboratório Internet, Saúde e Sociedade, André Pereira Neto, responsável pelo curso, a proximidade da Fiocruz com as comunidades de Manguinhos torna ainda mais urgente projetos como este.

“Na semana passada, um tiroteio provocou a paralisação da ENSP por dois dias e colegas sugeriram aumentar a altura do muro que separa a Fiocruz de comunidades de Manguinhos. Sou daqueles que acha que precisamos aumentar o número de pontes que nos unem. Este foi mais um esforço para aumentar esse número de pontes. Temos a obrigação de aproximar esses elos”, disse. “Nosso sonho é que esses alunos repliquem o curso na escola, como multiplicadores de conhecimento”, acrescentou o coordenador.

Neto adiantou que está sendo negociada uma parceria com as escolas para que os estudantes formados hoje sejam multiplicadores do projeto nas unidades de ensino, com apoio da Fiocruz.

A diretora do Colégio Estadual Professor Clóvis Monteiro, Andreia Queiroz, que participou do programa, disse que a expansão do projeto será bem-vinda. “Muitas vezes ouvimos aquela famosa frase ‘eles não querem nada’. Mas acredito que infelizmente temos uma escola com estrutura do século 18, com alunos do século 21. A prova disso é esse curso. Os jovens querem sim aprender. Vocês são de uma geração autodidata, que pegam o celular a aprendem qualquer coisa. Então é preciso urgentemente repensar o papel da escola.” 

por Agência Brasil

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