15 Julho 2020 - 09:47

Relatório da II Expedição Científica realizada no Baixo São Francisco é entregue ao CBHSF

Divulgação
II Expedição Científica no Baixo São Francisco

No segundo semestre de 2019 foi realizada a II Expedição Científica no Baixo São Francisco que teve grande apoio do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Esta grande ação contou com 50 pesquisadores e técnicos de 16 instituições de ensino, inclusive de um especialista espanhol. Durante 10 dias os pesquisadores trabalharam nos municípios de Piranhas (AL), Pão de Açúcar (AL), Traipu (AL), Porto Real do Colégio (AL) Propriá (SE), Igreja Nova (AL), Penedo (AL) Neopólis (AL), Piaçabuçú (AL) e foz do rio São Francisco.

A expedição teve como objetivo principal estudar todo o Baixo São Francisco, onde foram coletadas informações e dados, para de posse dos resultados, propor ações com a finalidade de mitigar os problemas no rio. O relatório divide-se em quatro partes: Parte I Ictiofauna; Parte II Água; Parte III Educação Ambiental e Socioeconomia e Parte IV Tecnologia e Inovações. Ele é composto por 540 páginas de rico material coletado, estudado e analisado em campo e laboratório, com intuito de compreender os efeitos das mudanças ocorridas no baixo curso do rio e propondo sugestões para melhorias nas políticas públicas.

O relatório final da II Expedição Científica foi entregue nesta semana ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e a Agência Peixe Vivo e segundo o coordenador da expedição, o professor Emerson Soares da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) acredita-se que os dados discutidos no relatório irão nortear propostas de manejo e auxiliarão instituições, bem como prefeituras na tomada de decisão com embasamento científico atual e detalhado. “Em relação aos resultados gerais ligados a ictiofauna no Baixo São Francisco são de pouca diversidade e quantidade, onde cerca de seis espécies representam 80% das capturas na região. A diminuição da vazão, pesca com métodos não permitidos (tamanho de malha, bombas, bolinhos com uso de formol, etc), represamento da água, desmatamento da vegetação ciliar, assoreamento, poluição de efluentes da cidades e agrotóxicos, aliados a diminuição do regime de chuvas, vem prejudicando a reprodução dos peixes, afetando as migrações reprodutivas de espécies de piracema e esgotando os estoques pesqueiros. A grande quantidade de esgotos e lixo jogados na calha do rio, prejudicam a qualidade de água, o que provoca forte estresse para as espécies, colaborando para diminuição do alimento natural e diminuição do crescimento e desenvolvimento dos peixes”, explicou.

Dentre outros pontos do relatório que merecem ser citados estão os indivíduos encontrados no rio como a piranha verdadeira (P. piraya) e tucunaré (C. monoculus), que são animais de hábito alimentar carnívoro, estão no topo da cadeia alimentar e ficam mais expostos ao processo de biomagnificação, causando uma maior exposição aos agentes nocivos e acúmulo de material residual, resultando em uma maior frequência de anormalidades nas células nesses indivíduos.

Mais resultados importantes do relatório

O coordenador da expedição, Emerson Soares, declarou que a presença de microparasitas do gênero Calyptospora em tucunaré (Cichla monoculus) no Baixo São Francisco pode estar relacionada com algum tipo de desequilíbrio ambiental, como a poluição que atinge a bacia hidrográfica do rio São Francisco. “Os metais e o metalóide arsênio presentes nas quinze espécies de peixes avaliadas no Baixo São Francisco apresentaram as concentrações médias na seguinte ordem decrescente: Fe > Zn > Mn > Cu > As > Hg > Cr > Pb > Cd. O ferro foi o metal mais abundante, seguido do zinco, no tecido muscular dos peixes estudados. As concentrações de mercúrio, cádmio e chumbo encontradas no tecido muscular dos peixes não apresentam risco à saúde humana associado ao consumo dessas espécies com base nos Limites Máximos de Tolerância (LMT) prescritos pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA)”.

Em um dos resultados do relatório, os níveis de cromo acima do limite registrados em todas as espécies estudadas indicam que o ambiente aquático está impactado por esse metal, expondo risco à saúde da população da região do Baixo São Francisco que frequentemente consomem essas espécies. As enzimas antioxidantes em peixes demonstraram que em algumas regiões existem maior poder contaminante que gera bastante estresse nos peixes. “Tais resultados permitiram concluir que através da histopatologia é possível avaliar se os organismos aquáticos passaram por algum evento com agentes estressantes. Através das alterações histopatológicas encontradas nos peixes coletados no Baixo São Francisco, verificou-se que a maioria dos peixes coletados, não estavam saudáveis. Os aspectos higiênico-sanitários observados nas feiras livres e mercados que comercializam pescado fresco nos Municípios de Piranhas, Pão de Açúcar, Traipu, Porto Real do Colégio, Igreja Nova, Penedo e Piaçabuçu – AL indica que, os produtos comercializados podem ofertar risco à saúde do consumidor, pois apresentam condições impróprias e desconformes com alguns padrões para manipulação de alimentos”, revelou o coordenador.

Sobre a água

Em se tratando das análises microbiológicas realizadas neste trabalho, os resultados demonstraram que a água de todos os pontos de coleta, encontram-se fora dos padrões de potabilidade recomendados para consumo humano, estabelecidos pela Portaria vigente de número 2.914 de 12 de dezembro de 2011. “As análises dos dados permitiram observar que na região de Penedo (AL) a maré não tem influência sobre a salinidade do rio, podendo as águas no ponto avaliado serem classificadas como doce e a região como Zona de Maré do rio. Já em Piaçabuçu (AL) a maré passa a ter influência significativa na salinidade e condutividade. No trecho, a entrada da cunha salina, proporcionada pela maré enchente, altera a salinidade da água podendo torná-la salobra na camada de fundo, contudo, mantendo as águas das camadas superficiais doce. Nessa região é possível observar claramente o gradiente de salinidade proporcionado pelo seu avanço em cunha, característica do estuário com estratificação em cunha salina. Em baixa-mar a águas de superfície e de fundo se encontram enquadradas como água doce e/ou salobra. Com a variação da vazão das águas na região do Baixo São Francisco, a qualidade das águas também é afetada. Diante disso, foi observada que as águas do São Francisco, nos municípios de Piaçabuçu (AL) e Brejo Grande (SE) encontram-se em processo de salinização. Essa mudança de água doce para água salobra provoca mudanças também na biodiversidade e, consequentemente, interfere nas atividades sócio-econômicas dos ribeirinhos”, pontuou Emerson Soares.

O Baixo são Francisco apresentou durante o período estudado águas claras, com a coluna da água termicamente estável e com baixas concentrações de sólidos em seu trecho inicial, aumentando em direção a Foz, devido a turbulência causada pela intrusão marinha. O Emerson Soares ressaltou que durante a II Expedição ao Rio São Francisco, em especial no Baixo São Francisco, observou potencial oligotrófico com tendência a mesotrófico, apresentando maiores índices de eutrofização próximo aos núcleos urbanos más sem comprometer a qualidade e os usos múltiplos da água, ou seja, nas áreas das cidades há muitos indícios de poluição da água.

“Foram observados valores altos de cianobactérias e elas estão tipicamente associadas às condições eutróficas (poluídas) assim a água do manancial oferece riscos à saúde pública. Investimentos elevados na implantação de Estação de Tratamento de Água (ETA) e especialmente pela ocorrência de espécies potencialmente produtoras de toxinas trazem risco de bioacumulação em peixes, moluscos e bivalves, tornando-se impróprias para o consumo humano”, colocou o coordenador da expedição.

Quanto às comunidades e educação ambiental

O extrativismo de frutas nativas é a principal fonte de renda para muitas famílias da região da foz do rio São Francisco. Isso contribui para sua manutenção e para a conservação ambiental. A integração da produção extrativista ao mercado turístico pode ser uma estratégia adotada, considerando o potencial do município estudado e do estado de Alagoas. A principal política pública acessada pelos pescadores é o Seguro Defeso (cerca de 90% possuem carteira de pesca e recebem o benefício) seguido do Bolsa família com 50% tendo acesso e aposentadoria com 25%. Segundo informações dos pescadores, todos os associados à colônia acessavam o benefício, conjuntamente aos recursos do Bolsa Família. “Com relação a renda média mensal familiar é bom destacar que nenhuma família possui rendimentos acima de um salário mínimo, evidenciando a baixa remuneração pela atividade”, citou Soares.

De acordo com Emerson Soares, o estudo possibilitou a compreensão sobre a ocorrência de transtornos mentais comuns em trabalhadores agrícolas ribeirinhos da região do baixo São Francisco. Esses moradores que trabalham com a agricultura e a pesca vêm apresentando transtornos mentais, que necessitam de um cuidado multidisciplinar voltado para a promoção da saúde mental. “Assim como verificado na I Expedição Científica do Baixo São Francisco, em 2018, é possível afirmar, de maneira mais categórica e de forma ainda mais cristalina, que há uma enorme lacuna ou distância de abordagem entre os problemas ambientais atuais encontrados na região do Rio São Francisco e o envolvimento das comunidades ribeirinhas na busca de soluções locais. Também é possível constatar que a educação ambiental nas comunidades ribeirinhas e escolas visitadas, ainda é tratada de forma superficial, seja no dimensionamento de projetos pedagógicos ou na falta de políticas públicas com estímulos e recursos oficiais (federal, estadual e municipal) para desenvolvê-las de maneira efetiva. As poucas ações isoladas realizadas não apresentam conexão clara e efetiva com os problemas enfrentados pelas comunidades ribeirinhas. Reforço a grande importância do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco na realização de uma atividade desta magnitude. Sem o apoio irrestrito do CBHSF que investe em pesquisa e ciência, a expedição não aconteceria”, finalizou.

por Deisy Nascimento/Assessoria

Comentários comentar agora ❯