26 Novembro 2020 - 11:08

Verbas de compensação ambiental podem favorecer Unidades de Conservação em Alagoas

Divulgação
Abrampa lança manual para apoiar Ministério Público a destravar verbas destinadas às áreas de conservação

Bilhões de reais oriundos de processos de licenciamento de empreendimentos com significativo impacto ao meio ambiente aguardam para serem aplicados com maior celeridade e efetividade a favor da natureza no Brasil. São recursos que legalmente devem ser destinados à consolidação e manutenção de unidades de conservação (UCs) em todo o país. Em Alagoas, são 20 UCs, segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA).

Em quase 20 anos, desde que o mecanismo da compensação ambiental foi instituído pela Justiça, cerca de R$ 1,74 bilhão foi destinado à criação e manutenção de áreas protegidas federais. Entretanto, o montante é muito maior – difícil de ser somado e mesmo aplicado por esbarrar em entendimentos jurídicos distintos em municípios, estados e União.

Para fortalecer a atuação do Ministério Público brasileiro para destravar o dinheiro de compensações ambientais relacionadas ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza lançaram o livro eletrônico “A compensação ambiental do SNUC: manual de atuação do Ministério Público”.

“Num momento em que as políticas ambientais vêm sendo cada vez mais enfraquecidas e nossos patrimônios naturais colocados em situação de precariedade, é preciso fortalecer as frentes de proteção do nosso meio ambiente. É justamente esse o objetivo do manual, fortalecer a atuação do Ministério Público que para se possa implementar, cada vez mais, o dever constitucional de proteção às áreas naturais no país”, explica a presidente da Abrampa, Cristina Seixas Graça.

A Lei 9.985/2000, que criou o SNUC, estabeleceu em seu artigo 36 o mecanismo da compensação ambiental como forma de obrigar empreendimentos licenciados causadores de significativo impacto ao meio ambiente a destinarem recursos financeiros para a implantação e gestão de UCs no país. Posteriormente, vieram regulamentações adicionais por meio de decretos e leis federais diversas.

A quantidade de regramentos, no entanto, não se traduziu em maior efetividade do instrumento da compensação ambiental no Brasil. Resoluções e normativas de órgãos ambientais nem sempre convergentes, além de múltiplas legislações estaduais e municipais, criaram um emaranhado legal que dificulta a execução da política compensatória de proteção das UCs. “É comum, por exemplo, que empreendimentos se aproveitem de algumas lacunas e contradições legais para não terem de pagar a compensação”, explica a procuradora de Justiça e organizadora do manual da Abrampa, Sílvia Cappelli, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza - RECN.

Construção em etapas

Prática recorrente de empreendedores para driblar a lei é o desmembramento de grandes construções em fases ou unidades menores, de maneira que nenhuma delas atinja o patamar que as obrigue a elaborar o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). O EIA/RIMA é o documento que avalia o Grau de Impacto (GI) do projeto, valor de referência usado para calcular o montante compensatório. Com tal manobra, os empreendimentos fogem das regras do licenciamento ambiental e, consequentemente, ficam isentos do pagamento da compensação. Uma prática que merece atenção e fiscalização para que o real dano ambiental seja reparado.

Um dos exemplos trazidos no livro é o setor de geração de energia elétrica. Enquanto a Resolução CONAMA n.º 001/1986 define como atividade modificadora do meio ambiente a geração de eletricidade acima de 10 megawatts (MW), os projetos de construção de parques eólicos são costumeiramente desmembrados em empreendimentos inferiores a este patamar, evitando a exigência do EIA/RIMA. “Destacamos esse e outros exemplos para alertar os membros do MP sobre as práticas mais comuns empregadas na tentativa de escapar das regras de compensação”, diz Cappelli. “A compensação não é uma sanção ou multa aplicada às empresas, mas uma etapa de todo e qualquer licenciamento ambiental para construções com grande impacto ao meio ambiente. É um instrumento essencial para a manutenção do SNUC e para as unidades de conservação”, avalia.

A diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes, aponta que os Ministérios Públicos, federal e estaduais, têm sido, historicamente, defensores da garantia dos direitos ambientais. “Este estudo facilita a atuação do MP, na medida em que organiza e apresenta informações qualificadas sobre um tema específico e complexo. O fortalecimento das UCs é essencial para que seu uso público seja ampliado, atraindo as pessoas para conhecer as áreas protegidas, entendendo o valor da natureza e proporcionando o desenvolvimento socioeconômico das comunidades do entorno a partir da atividade turística.”

A publicação 

Dividido em oito capítulos, “A compensação ambiental do SNUC: manual de atuação do Ministério Público” traz tabelas e gráficos didáticos que auxiliam procuradores e promotores a buscarem mais celeridade nos processos de licenciamento, incluindo a execução da compensação ambiental e o apoio à implantação e gestão das UCs.

Em um dos capítulos, a publicação se debruça sobre a natureza jurídica da compensação ambiental, apresentando as principais discussões doutrinárias sobre o tema, como as últimas deliberações do Tribunal de Contas da União (TCU) acerca da concepção do mecanismo.

Um dos itens que cria sérios obstáculos à atuação do MP é a falta de regulamentação efetiva sobre o cálculo do montante a ser pago pelos empreendimentos. A Lei 9.985/2000, que estabeleceu o instrumento da compensação, determinou limite mínimo de pagamento a título compensatório de 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do projeto. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o piso inconstitucional. Desde então, não houve regulamentação para definir claramente a fórmula de cálculo. O assunto é tratado em capítulo específico no Manual, onde estão relacionadas as discussões mais recentes em torno do tópico, mostrando metodologias internacionais que podem ser referência para a devida apuração e fiscalização pelo MP das informações prestadas nos EIA/RIMA apresentados pelos empreendimentos.

O manual também traz parte dedicada aos mecanismos financeiros de gestão e aplicação do montante compensatório, detalhando o arcabouço legal da constituição de fundos privados na esfera federal, notadamente por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Neste ponto, apresenta as regulamentações de 13 estados da federação, indicando inclusive os índices de reajustes dos fundos e a base de cálculo de cada um deles. “Hoje, por exemplo, já está pacificado, inclusive por meio de entendimentos do próprio TCU, que o dinheiro oriundo da compensação ambiental deve ser integralizado em fundos privados de natureza contábil geridos por bancos oficiais”, destaca a promotora de justiça regional de meio ambiente do MP da Bahia, Aline Salvador.

Outro ponto importante do Manual são os esclarecimentos que ele traz sobre as aplicações previstas em lei quanto ao dinheiro da compensação, sendo a regularização fundiária a mais importante delas, até mesmo como forma de cessar conflitos entre o poder público e os entes privados donos das terras transformadas em UCs. “No caso das unidades em que o Estado tem que indenizar os eventuais proprietários particulares, a aquisição das terras e regularização fundiária é o uso principal previsto em lei. Em seguida vêm a demarcação das UCs, a elaboração e revisão dos planos de manejo e a aquisição de bens e serviços para a manutenção das áreas”, esclarece o doutor em ciências biológicas e assessor técnico do MP do Rio Grande do Sul, Luiz Fernando de Souza.

Ao final, a publicação oferece uma série de check lists referentes a diversas etapas da compensação ambiental, um guia rápido e prático que auxilia os membros do MP em questões como a formação de diagnóstico das UCs existentes, a coleta de dados sobre os processos de licenciamento, o levantamento do passivo de licenciamentos devedores de compensação ambiental e o inadimplemento de Termo de Compromisso de Compensação Ambiental (TCCA).

“A compensação ambiental do SNUC: manual de atuação do Ministério Público” é uma publicação eletrônica produzida pela Abrampa, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O manual pode ser acessado gratuitamente no site da Abrampa.

Sobre a Fundação Grupo Boticário

Com 30 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial. 

por Assessoria

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